Papa: ‘A mulher é colocada em segundo plano’

O papa descartou, pelo menos por enquanto, a possibilidade de que mulheres sejam ordenadas diaconisas, mas isso não quer dizer que ele as tenha esquecido. As recentes nomeações feitas pelo pontífice estão aí para comprovar que a revolução da ternura, como ele gosta de dizer, também deve acontecer dentro dos sagrados palácios através da valorização desse “sexo frágil”, que de frágil não tem nada.

“Se a mulher consegue assumir a um cargo importante, de grande influência, chegamos à conclusão que conseguiram isto porque são geniais. Porém, no imaginário coletivo, se diz: “Nossa, uma mulher conseguiu isto! Aquela outra conseguiu ganhar o Nobel! Inacreditável!”. Veja só como exprimem estas coisas. A mulher em segundo plano. E quando se está no segundo plano, para tornar-se um objeto de escravidão falta pouco”, disse papa Francisco em entrevista à TV mexicana Televisa, divulgada esta semana.

Não é que o papa Francisco lute por um “empoderamento”, palavra que foi muito instrumentalizada por vários setores, mas quer demonstrar que a mulher já traz em si essa força, inclusive para conduzir situações as quais somente um ser do sexo masculino seria considerado capaz de gerir. E negar que ainda exista essa “supremacia da virilidade” é pura desonestidade.

É muito cômodo dizer que um papa é “de esquerda” quando ele toca nas feridas da injustiça que nem o tempo foi capaz de sanar e nem nós queremos tocar. E não estamos repetindo o que já sabemos a respeito dos casamentos arranjados, da violência sexual ou das donzelas do período renascentista que não tinham direito à educação; fazemos um alerta sobre os riscos da interpretação constante de que a mulher torna-se a personificação do diabo quando luta por seus direitos.

Estamos no tempo em que feminismo é palavra maldita, justamente por estar associada aos protestos de mulheres que mostram os seios em praça pública e militam em atitude de escárnio diante dos símbolos sagrados. Todavia, uma pessoa com o mínimo de bom senso sabe que o movimento não se resume a isso.

Estamos na era dos extremos, e discernir entre extremos e reivindicações justas é quase trabalho de artesão – mas não deveria ser difícil para um cristão que acredita que o discernimento é um dom. Em vez disso, há um silêncio ensurdecedor diante do machismo que viola um espaço sagrado por excelência: a dignidade da mulher. Oxalá se todos aqueles que enchem a boca para condenar o feminismo também condenassem essa outra face da moeda, muito mais nociva que o Femen, pode acreditar. 

Não podemos fechar os olhos para o feminicídio, diante de freiras que são escravizadas por clérigos e diante de mulheres que, em âmbitos eclesiais, são consideradas “volúveis demais” para assumir determinados cargos.

Mesmo em meio a uma estrutura quase completamente masculina, alguns papas da era contemporânea têm tentado não demonizar mais o termo feminismo, mas transcendê-lo. Quem continua a demonizá-lo são os cristãos maniqueístas que acreditam que o mundo é feito de dois pólos nos quais anjos e demônios travam uma disputa sem fim. Neste caso, os “homens de bem” seriam esses anjos.

A mulher pode ser plenamente mulher quando discursa, quando exerce alguma atividade profissional e até quando não se casa, mas faz frutificar, na sociedade, a sua maternidade nata, característica que, inegavelmente, a diferencia do homem. Replicam a frase de João Paulo II de que “a máquina de lavar fez mais pela mulher que o feminismo”, entretanto, não citam as vezes que ele convidou as mulheres a promover um novo feminismo livre de ideologias. E o termo que ele usou foi feminismo, sem ceder a nenhum “neologismo santificado”.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à sala de imprensa da Santa Sé.