‘O pior de tudo é enfrentarmos o preconceito dentro da igreja, um local onde não deveria ter, que prega o amor, a igualdade e o respeito entre as pessoas’

Um ‘desabafo’ tomou grandes proporções nas redes sociais nesta segunda-feira (12). O administrador Leandro Kestering Marques, de 32 anos, fez uma postagem de indignação e repúdio referente a postura de um padre na celebração em homenagem à Nossa Senhora da Conceição Aparecida, na manhã desta segunda-feira, em Tubarão.

Após uma carreata com saída da Paróquia Santa Teresinha, no Passagem uma missa teve início na comunidade de Passo do Gado. Leandro conta que no dia anterior a celebração, ele e o marido Roger Juliano Rodrigues, ajudaram na organização e estavam muito felizes em participar. “Ajudamos a arrumar a igreja, fizemos um arco de balões no dia anterior. Uns dias antes, inclusive já tinha ajudado a decorar o andor do santo colocando flores. Minha mãe, uma amiga e eu”, relembra.

Ele conta que foram até o bairro Passagem para acompanhar a procissão (carreata). “Viemos numa boa, a missa começou e estava tudo bem. Conversamos com muitas pessoas, membros da comunidade sem nenhum problema por estarmos ali”, comenta.

A surpresa ocorreu após o padre fazer a leitura do evangelho e dar início a homilia. “Ele entrou no assunto família. Começou a falar em homem e mulher, casamento e falou assim: ‘O Estado (leis humanas) aceitam o casamento entre dois homens ou duas mulheres, mas a Igreja Católica não caracteriza família, a união de pessoas do mesmo sexo’”, conta o administrador.

“Naquele momento, meu marido e eu nos olhamos e decidimos ir embora. Ficamos irritados e não queríamos chamar a atenção nem bater boca. Nos sentimos humilhados, pois todos sabiam o porquê de estarmos indo embora. Foi muito constrangedor. O padre falou com bom tom que não éramos aceitos. Por isso levantamos, pois se não somos aceitos, não somos bem-vindos”, afirma.

 

O desabafo

Ao chegar em casa, Leandro resolveu fazer a postagem para que as pessoas soubessem das dificuldades que são enfrentadas pelos homossexuais. “Não é um mar de rosas como muitos pensam. O pior de tudo é enfrentarmos o preconceito dentro da igreja, um local onde não deveria ter, que prega o amor, a igualdade e o respeito entre as pessoas”, avalia.

A dimensão que tomou o desabafo é que Marques não esperava. “Recebemos várias mensagens e ligações de pessoas que ficaram horrorizadas dizendo que ele estragou toda a celebração que estava preparada. Disseram que o que era para ser festivo passou a ter um clima triste pela grosseria do celebrante”, detalha.

Ele acredita que há um lado positivo para toda essa situação. “Vai ser bom para que as pessoas aprendam a ter respeito um pelo outro, principalmente dentro da igreja, não só por nós, mas por todos os homossexuais que vivem em uma sociedade, onde são tão afastados e recriminados”, constata.

Leandro afirma que não tem intuito de tornar o assunto algo judicial. “A intenção era de conscientizar as pessoas de que as palavras ofendem e que um padre não deveria ter essa postura. Não penso em processar nem deixar ele mal. Meu intuito é só de que as pessoas tomem mais cuidado com o que falam e o que pregam”, garante.

No momento do ocorrido, Leandro disse que foi ‘uma chuva de emoções’. No entanto, depois que postou o ‘desabafo’ e as mensagens de carinho começaram a chegar foi reconfortante. “Cada mensagem foi como se tivesse recebido um abraço. Ficamos muito felizes com as demonstrações de tanto carinho por nós”, expõe.

O marido não tem a mesma ligação com a igreja católica que Leandro, porém sempre o acompanha e se sentiu muito indignado pela humilhação que sofreu. “Foi um balde de água fria para alguém que se aproximava da igreja”, constata.

Leandro e Roger estão juntos há pouco mais de 4 anos e há quase dois anos oficializaram o relacionamento. “No começo, quando assumi o que queria para minha vida, as pessoas ficavam de ‘ti-ti-ti’, não só na igreja, mas na comunidade. Te olham diferente, porém, não de ser discriminado e ofendido. Na igreja essa foi a situação mais pesada que vivenciei”, relata.

 

Participação e comunidade

Leandro conta que desde criança frequenta a comunidade. “Nasci nessa comunidade. Sempre participei de todos os eventos, fiz parte de várias atividades da igreja”. Sobre o padre, ele diz que conhece pouco. “Apenas cumprimentos como ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’, quando ele estava na igreja”, afirma.

De acordo com Marques, nas homilias do celebrante, por causa dos comentários desnecessários, já presenciou fiéis irem até a porta da igreja e irem embora. “Ele frisa muito a família e não aceita as mudanças que a vida tem. Ele expõe o pensamento dele como pessoa, enquanto deveria representar a igreja e deve agir de acordo com o que a igreja prega. Mas de uma forma tão direta falando sobre gays, foi a primeira vez que presenciei”, pontua.

Para ele, felizmente não são todos os padres e nem toda a igreja age de forma discriminatória. “Após a minha postagem vários padres entraram em contato comigo dizendo que não deveria pensar que a igreja prega isso, pois se trata do pensamento pessoal do celebrante e que não se aplica a pregação da igreja”, finaliza.

 

Posição da igreja

Em contato com membros da Igreja Católica de Tubarão, a assessoria afirmou que os fatos serão apurados e que após isso irá se manifestar oficialmente. “Precisamos nos inteirar melhor a respeito do que houve. Isso não se consegue em poucas horas. É importante ouvir os envolvidos. Por enquanto nossas informações são muito limitadas”.

 

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