Farmacêuticos do Pará percorrem rios para levar saúde à população

Farmacêutico, você já se imaginou trabalhando de segunda a sábado e, em um de seus domingos de descanso, você percorrer um rio de barco para atender à população ribeirinha carente, de graça e com seus próprios recursos? Esse Rio é a Minha Cura! Com este nome, o projeto coordenado por farmacêuticos da região de Abaetetuba (PA) pratica a solidariedade e a empatia e leva saúde e atendimento clínico farmacêutico a quem necessita!

O projeto é coordenado por farmacêuticos inconformados com a precariedade da saúde das pessoas daquela região. Entre eles estão o idealizador do programa, o farmacêutico, dr. Thiago Braga; e as duas farmacêuticas alunas de pós-graduação do ICTQ – Instituto de Pesquisa Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, dra. Neylane de Cássia e dra. Luna Araújo. Integram o projeto também outros profissionais da região, como a farmacêutica que coordenou a ação desde o início, a dra. Celyna Pinheiro. Além disso, há a participação importante também da dra. Maryene Guia, entre outros.

Nessa configuração, a equipe já fez duas incursões por rios da região de Abaetetuba, que fica há 120 quilômetros da capital paraense, Belém. A cidade concentra 156 mil habitantes no total e, destes, entre 44 mil e 47 mil habitantes vivem nas 72 ilhas locais. O próximo sítio onde será realizada uma nova ação será no Rio Maracapucu Ipiramanha, em 17 de março de 2019, com a cobertura jornalística da equipe do ICTQ.

Funciona assim: a equipe de apoio sai em busca da comunidade mais carente daquela região e detecta as necessidades da população. Os moradores são avisados da posterior presença dos farmacêuticos. Então, no dia marcado, os farmacêuticos alugam um barco, num domingo de folga do trabalho, e seguem para o local, munidos de equipamentos e medicamentos. Lá fazem os atendimentos iniciais, além da prescrição e dispensação de medicamentos de sua alçada. O detalhe mais importante dessa jornada é que ela é quase toda custeada pelos próprios participantes (barco, combustível, medicamentos, itens para aferição de parâmetros, curativos etc.).

Nessas duas viagens feitas no projeto Esse Rio é a Minha Cura, o grupo já atendeu a cerca de 200 pessoas, principalmente os casos de verminoses, parasitoses e desnutrição, que são os maiores problemas acusados nas ilhas por conta do consumo da água do rio. Na região, na maioria das ilhas, não há água potável e nem energia elétrica.

Muita dopamina

“O projeto traz muita satisfação. Minha dopamina fica à flor da pele”, fala Braga sobre o sentimento gratificante de poder ajudar àquelas comunidades. Em tempo: dopamina é um dos neurotransmissores mais famosos do sistema nervoso, conhecido como o neurotransmissor do prazer.

Braga explica que a equipe leva o tratamento até as comunidades porque as pessoas não têm condições de pegar um barco para isso e, muito menos, de conseguir uma consulta e pagar por medicamentos.

Além disso, ele já deu palestras para 70 mulheres da região sobre a importância de realizar os exames de prevenção de câncer de colo de útero. “Esse mesmo trabalho que executo em Abaetetuba, já fui convidado a apresentá-lo em um curso que o CFF ministra em Belém, com o tema Cuidados Farmacêutico no SUS”, fala Braga.

A moradora do Rio Sapucajuba, Elândia Pereira, afirma: “Para nós, é de muita importância esse tratamento. Hoje vc chega na cidade e não consegue atendimento, principalmente para nós que moramos nas ilhas de Abaetetuba. Quem sai ganhando com esse programa é a comunidade, é a nossa população”.

“Nessas 72 ilhas que fazem parte de Abaetetuba, cada comunidade é um desafio diferente, e temos de cuidar daquelas pessoas falando a linguagem delas, respeitando sua cultura”, comenta Neylane. Ela afirma que leva para o projeto e para as comunidades todo o conteúdo que aprendeu no curso de pós-graduação que faz no ICTQ.

Embora o programa já existisse com outro nome – idealizado inicialmente pelo farmacêutico Braga -, foi Neylane quem intitulou o projeto de Esse Rio é a minha Cura, pois a equipe leva a cura para as pessoas e também ganha em termos de satisfação pessoal e sentimento de estar contribuindo com conhecimento clínico para o bem-estar daquela população carente.

Vale lembrar que a farmacêutica trabalha em farmácia comunitária, de segunda a sábado. Ela mora em Moju (PA), que fica há 27 quilômetros de Abaetetuba. É casada e tem um filho ainda bebê. Tem uma vida atribulada, como qualquer outro profissional…e ainda arranja tempo para ajudar ao próximo. “É gratificante. Por isso, nós gostaríamos de convidar outros farmacêuticos que queiram integrar o projeto e ajudar a nossa causa”, convida Neylane.

Nas comunidades, eles fazem o atendimento clínico, levam os medicamentos, atendem aos receituários (de pessoas com prescrição, que não têm condições de comprar medicamentos), ensinam como usar os medicamentos, fazem curativos, entre outras atividades.

“Esse projeto social atende às pessoas com a prática farmacêutica. Eu ganho em experiência e com a amizade e o amor que a população acaba tendo por nós”, relata a farmacêutica Luna. Ela conta que já faz atendimento clínico na farmácia em que trabalha, mas a realidade da cidade é totalmente diferente do interior. Assim, ela aplica todos os conhecimentos aprendidos na pós-graduação do ICTQ durante suas idas àquelas comunidades.

Ela conta que durante a ação que esteve presente, realizou o PCCU (exame preventivo do câncer de colo uterino). Para isso, o projeto conseguiu o apoio do Laboratório Cardoso, da região, com a oferta gratuita de dez exames, mas a previsão é de conseguir mais exames para a próxima ação, que ocorrerá no mês das mulheres, em março.

A equipe do bem

Além dos farmacêuticos, Braga conta que há uma equipe de apoio. “Há catalizadores, que são os agenciadores que vão às comunidades com antecedência e avisam sobre a ação para que a população esteja preparada e compareça nos horários determinados”.

A equipe é formada por: Cris Simões, Luam Bentes e Waldeír Mathias (agenciadores), Jaime Vilhena (fotógrafo) e Junior Silva (piloto)

Todos os integrantes correm atrás de recursos para as ações feitas junto aos ribeirinhos. Eles já conseguiram algumas doações de medicamentos do empresário, Dirceu Cardoso, da Farmácia das Ilhas, de Abaetetuba. Além disso, têm recebido apoio, por meio da assessoria do deputado estadual, Iran Lima (MDB), do Pará. “Eles têm sido nosso braço forte e sempre tem nos ajudado”, agradece Braga.

Como tudo começou

Braga mora em Abaetetuba. Ele conhece bem a precariedade da região. Ele conta que, quando ainda cursava a graduação em Farmácia, em 2013, decidiu fazer algo para melhorar a situação da saúde daquela população ribeirinha. “Assim, comecei a colocar em prática tudo o que eu estava aprendendo nas aulas, principalmente com relação às questões ligadas à verminose, parasitose e desnutrição – que são os principais problemas apresentados nas ilhas por conta da falta de água potável”, lembra ele.

Então, decidiu estruturar um projeto que, em 2016, se chamava Amigos do Bem. Assim, passou a visitar as comunidades que viviam nas ilhas e, com recursos próprios, fazia ações de saúde. Como a desnutrição impactava de maneira importante os moradores, ele fez um mutirão entre os amigos e outros profissionais para arrecadar frangos para doação. Ele recolheu cerca de 70 unidades, que foram doadas para as famílias.

Já em 2017, após conquistar um emprego municipal no posto de saúde da cidade, decidiu continuar dedicando um domingo ao mês, em sua folga, para ampliar o projeto, sempre com recursos próprios. Naquela altura, o programa já se avolumava e se chama Navegando em Águas Profundas.

Já em 2018, ele acabou incorporando os outros farmacêuticos e aconteceu o projeto nos moldes que se apresenta atualmente, intitulado Esse Rio é a Minha Cura.

Braga conta que, desde o início de suas ações, já atendeu cerca de 600 pessoas das comunidades ribeirinhas. A próxima ação do projeto acontecerá no rio Maracapucu Ipiramanha, em 17 de março, e há a expectativa do atendimento de mais 80 pessoas.

Braga e a equipe precisam de mais apoio para dar seguimento ao projeto. Para isso, convidam outros farmacêuticos para compor o grupo e avolumar, ainda mais, o atendimento às pessoas da região.