EUA e Irã podem entrar em guerra?

 A morte do general iraniano Qasem Soleimani num ataque aéreo dos Estados Unidos, no dia 3 de janeiro, marcou uma arriscada escalada da tensão entre Washington e Teerã.

O mundo acompanha de perto as reações do Irã e as novas ameaças do presidente Donald Trump. O corpo de Soleimani passou em cortejo pelas ruas do Iraque no sábado (4) e, no domingo (5), foi velado no Irã, com honras de herói nacional e mártir.

O líder supremo do país, aiatolá Khamenei, liderou as orações, enquanto milhares de iranianos tomaram as ruas para prestar a última homenagem àquele que era considerado o segundo homem mais poderoso do Irã.

O governo iraniano já anunciou que vai se “vingar” dos EUA e que passará a produzir urânio para além dos limites do acordo nuclear firmado com grandes potências mundiais em 2015.

Já Trump prometeu, pelo Twitter, um ataque “desproporcional” ao país do Oriente Médio caso forças iranianas atinjam alvos americanos.

Nos últimos dias, a frase “Terceira Guerra Mundial” se tornou um dos termos mais buscados na internet no mundo todo.

Mas será que o desenrolar do ataque dos EUA pode chegar a um conflito direto entre os dois países ou até a uma guerra de escala mundial? As leis internacionais respaldam o bombardeio americano que matou o principal chefe militar do Irã? Ou teria sido uma ação ilegal?

O correspondente de Defesa e Assuntos Diplomáticos da BBC, Jonathan Marcus, responde a essas e outras perguntas para que possamos entender as possíveis consequências do ataque.

Há ameaça real de uma Terceira Guerra Mundial?

Jonathan Marcus diz que, embora alguns tenham descrito o assassinato de Soleimani como uma “declaração de guerra” dos EUA contra o Irã, é importante não exagerar nem superestimar a importância do momento.

Na opinião de Marcus, não haverá uma Terceira Guerra Mundial. Ele explica que potências econômicas ou militares, como Rússia e China, não são protagonistas desse conflito, embora tenham criticado duramente a morte do general iraniano.

Esse pode ser, no entanto, um momento decisivo para o papel dos EUA no Oriente Médio. O correspondente de Defesa da BBC destaca que é esperada uma represália significativa do Irã e isso pode conduzir a um ciclo de ação e reação com potencial para um confronto direto entre os dois países.

A resposta do Irã pode ser atacar alvos militares dos EUA no Oriente Médio. Em mensagem no Twitter, o presidente Donald Trump, disse que responderia “com toda a força” a qualquer ataque iraniano.

“Esses posts servem como uma notificação ao Congresso dos Estados Unidos de que se o Irã atacar qualquer pessoa ou alvo dos EUA, os Estados Unidos vão rapidamente e com toda a força atacar de volta, e talvez de uma maneira desproporcional. Esse aviso legal não é necessário, mas está sendo dado mesmo assim”, escreveu.

É legítimo e legal matar alguém da maneira como os EUA fizeram?

Marcus diz que os Estados Unidos vão alegar que Soleimani foi responsável por ataques contra forças apoiadas pelos americanos no Iraque. Além disso, o país classifica as Forças Quds- que operam as intervenções militares e de inteligência do Irã no exterior e que era liderada por Soleimani- uma organização terrorista.

Essa é a narrativa usada pelos EUA como argumento para dizer que o assassinato do general foi legal. Mas a relatora especial das Nações Unidas para Execuções Extrajudiciais, a francesa Agnes Callamard, questionou a justificativa usada por Trump para a morte de Soleimani.

“Ele menciona que seu objetivo era ‘dissuadir futuros planos de ataques iranianos’. Isso, no entanto, é muito abstrato. Futuro não é o mesmo que iminente, cuja prova é o que exigiria o Direito Internacional (para reconhecer a legalidade do ataque)”, disse.

Ela ainda acrescentou que a morte de outras pessoas no mesmo bombardeio que atingiu Soleimani foi “absolutamente ilegal”.

Além de Soleimani, integrantes das Forças de Mobilização Popular do Iraque, milícia apoiada pelo Irã, estavam no comboio atingido por mísseis. Eles haviam deixado o aeroporto de Bagdá em dois carros e estavam perto de uma área de cargas, segundo relatos da imprensa americana.

Pelo menos cinco pessoas morreram no ataque. A Guarda Revolucionária do Irã informou que o líder das Forças de Mobilização Popular do Iraque, Abu Mahdi al-Muhandis, está entre os mortos.

O ataque foi ordenado para desviar a atenção do processo de impeachment de Trump?

Ainda que política interna sempre tenha relevância, especialmente num ano eleitoral para Trump, a decisão de atacar o general iraniano seria produto de dois fatores: oportunidade e circunstância.

A circunstância, diz Jonathan Marcus, parece ser o aumento dos ataques contra instalações americanas no Iraque e declarações difusas do Pentágono sobre futuras ofensivas do Irã.

A oportunidade, destaca o correspondente da BBC, seria a de demonstrar a precisão e o alcance da inteligência americana, que embora esteja longe de ser infalível, é um fator crucial na decisão do Irã sobre eventuais retaliações.

Num ano eleitoral, a principal preocupação de Trump é evitar a perda de vidas americanas na região. Mas esse dramático ataque parece destoar de um presidente que, apesar de ser duro na retórica, se caracterizou pela cautela quanto a ações militares concretas.

Há riscos de uma resposta nuclear por parte do Irã?

O Irã não tem armas nucleares, embora possua muitos elementos que possam contribuir para o desenvolvimento delas.

O país do Oriente Médio tem insistido que não quer desenvolver uma bomba atômica. Mas será que a crescente frustração e embates com os EUA poderiam persuadir dirigentes iranianos a abandonar por completo o acordo nuclear assinado com a comunidade internacional?

Essa é uma possibilidade concreta, segundo Jonathan Marcus.

O governo Trump já abandonou o chamado Plano de Ação Integral Conjunto, que é o acordo nuclear firmado entre Irã e potências como EUA e nações europeias. Por ele, o governo iraniano se comprometia a abandonar seu programa nuclear em troca da retirada de sanções econômicas contra o país.

A União Europeia criticou o posicionamento dos EUA e especialistas disseram que a decisão de romper o acordo e repor sanções foi imprudente.

A saída dos EUA do acordo e a posterior imposição de sanções ao Irã aumentaram a pressão sobre Teerã, mas sem qualquer “via de saída” diplomática clara para conter a escalada da tensão, diz Jonathan Marcus.

O que Soleimani fazia no Iraque?

Não está clara qual era a atividade do general iraniano no Iraque. Mas o Irã apoia lá vários grupos influentes da milícia xiita e um dos mortos no ataque americano era Abu Mahdi al Muhandis, o líder do Kataib Hezbolá, grupo que se disse responsável pelos recentes ataques a mísseis contra bases americanas no Iraque.

Muhandis também era comandante de uma coalizão de milícias pró-iranianas no Iraque.

O governo do Iraque ficou em posição delicada com ataque americano. Ele é aliado tanto do Irã quanto dos EUA.

O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul Mahdi, declarou que a morte de Soleimani foi um “assassinato político” e disse que o general era um “mártir” responsável por “grandes vitórias contra o Estado Islâmico”.

E o Parlamento iraquiano aprovou uma resolução pela saída e encerramento das atividades de tropas estrangeiras no país. O governo argumenta que os EUA foram muito além dos termos do acordo que permite operações militares americanas no país.

Trump reagiu dizendo que as tropas americanas só deixarão o Iraque se o governo pagar pela base aérea que os EUA construíram no país. Ele ainda ameaçou impor sanções ao Iraque, caso seguisse adiante com a decisão de expulsar militares americanos.

“Temos uma base aérea extraordinariamente cara que está lá. Custou bilhões de dólares para ser construída, muito antes de mim (na Presidência). Não vamos embora a menos que nos paguem”, disse o presidente a repórteres.

Qual o papel dos EUA e do Irã no Iraque?

O Irã é aliado próximo do governo iraquiano, controlado por muçulmanos xiitas. Também é ator importante na guerra contra o Estado Islâmico naquele país, por meio do apoio a milícias.

Os EUA, por outro lado, têm 5 mil soldados no Iraque, que treinam e assessoram o Exército iraniano no seu esforço para derrotar o grupo extremista.

Na prática, diz Jonathan Marcus, esses dois atores externos, os EUA e o Irã, têm disputado espaço político e militar no Iraque.

A pergunta agora é: será que chegou o momento em que a crise tornou insustentável a presença dos EUA no Iraque?