Especial Walmor Silva: “Diz um número aí pra mim, diz”

Marco Antonio Mendes
Tubarão

Quem sentava ao lado de Walmor Silva viajava com as suas infinitas histórias de aventura, drama e comédia pelo rádio, como se ele fosse um grande artista (o que eu, Marco Antonio Mendes – seu neto -, sempre acreditei que fosse). De vez em quando ele ressuscitava algumas dessas vivências. Outras vezes, contava as mesmas mais de dez vezes porque eram as preferidas. E ele sempre estava disposto a relembrar os momentos mais marcantes de sua carreira.

O que poucas pessoas tiveram a oportunidade de conhecer, no entanto, é que dentro de casa, junto com a família, o meu avô continuava a ser um grande artista. Só que o enredo da história era protagonizado por ele e por minha avó Ambrosina. Impossível falar de Walmor e não lembrar da sua fiel companheira por quase 60 anos. É certo que quem acompanhava a rotina do casal percebia certo desconforto de ambas as partes. Um implicava com o outro o tempo todo. Pura “ceninha” dos dois. Eles não conseguiam viver separados. Meu avô chegava a ficar doente se não via minha avó por algum tempo. Ela a mesma coisa. Na frente dele reclamava, por trás, era só amores.

Como todo ser humano, Walmor tinha lá suas manias. Só que Ambrosina nunca os aceitava. Chamava o marido de comodista porque era normal vê-lo sentado em sua poltrona lendo (e relendo) os jornais do dia, com um radinho AM por perto e uma televisão em sua frente. Mas era só ela reclamar que ele perguntava para a pessoa mais próxima: “Diz um número de um a três e que seja par”. A pessoa respondia: “Dois, óbvio”. Na mesma hora, ele completava: “Pode levar a Ambrosina pra ti, pode”.

Mas todos nós da família sabíamos que meu avô não ficaria bem sem minha avó. Afinal, quem prepararia seu mamão para o café da manhã? Quem ficaria janeiro inteiro ao seu lado (mesmo que resmungando) em Itapirubá? E quem deixaria a mesa posta para o café da tarde às seis horas em ponto? (Ah! E não poderia passar cinco minutos do horário). E tinha também a sopinha durante a novela das nove (que ele não perdia um capítulo sequer e sabia tudo o que iria ocorrer).

Sabe quando um completa o outro? Era assim. O que Ambrosina tinha de impaciência, ele tinha de tranquilidade. O que ela decidisse fazer, ele concordava, mesmo quando a engenheira, como meu avô chamava minha avó, cismava em reformar mais alguma coisa. Bom, e eles compartilhavam o ciúme que sentiam quando um filho ou neto começava a namorar. Maneira esta de demonstrar que não queriam ver suas crias tão independentes assim.

Heróis, eles passaram por tudo juntos. Viram seus filhos crescerem. E depois acompanharam os filhos dos filhos e, há alguns anos, tiveram a oportunidade de ver a família aumentar ainda mais. Walmor foi preso por causa da censura em épocas de ditadura militar. Ambrosina sofre até hoje com a perda precoce de um filho e um neto. Tiveram que recomeçar várias vezes…

Talvez esta seja a prova de que o verdadeiro amor existe. Quando Deus resolveu uni-los, sabia que um dia os dois serviriam como exemplo de casal, chefes de família e amigos. Cada lágrima que minha avó derramava naquela quarta-feira passada significava um momento feliz que ela tinha vivido com ele e que, naquele momento, era guardado no cantinho do seu coração. Hoje, ficam apenas os sorrisos das lembranças de um amor que para sempre será lembrado.