‘Doeu muito porque nem sabia ainda, descobri porque comecei a receber mensagens de várias pessoas desejando forças’

Liliane Dias
Urussanga

 

Que a pandemia já faz parte da vida de todos é fato. Afinal, todos têm alguém, seja parente, amigo ou mesmo um simples conhecido que já teve contato com o vírus. Mas a realidade de quem vivencia o contato com o covid-19 poucos conhecem.

A família da professora Susana Francisco Magagnin, de 45 anos, que vive em Urussanga, passou recentemente pela experiência e infelizmente não teve um final feliz. Seu esposo, Ramon Magagnin, de 37 anos, faleceu no dia 11 de abril. O ceramista foi mais uma vítima do coronavírus.

Situações como esta, sempre deixam sequelas, seja por passar em forma de furacão na vida das pessoas, destruindo tudo o que se havia construído ou pela forma, que as notícias chegam, muitas vezes ‘caindo de paraquedas no colo das pessoas’, já abaladas pela mudança brusca da rotina.

A professora conta que até hoje não está totalmente recuperada. A saudade e o vazio que Ramom deixou não será fácil superar. “Foi como se tivessem tirado o meu chão. Além de todo o sofrimento, a forma que as coisas ocorreram e como as informações chegavam para nós deixaram traumas que dificilmente serão esquecidos”, afirma.

Assim foi para Susana, que viu seu amor partir de uma hora para outra, sem poder despedir-se. “Este foi sem dúvida o momento mais triste. O pior de tudo foi fazer o velório sem poder ver. O corpo dele saiu de Tubarão há uma hora da manhã. Tivemos apenas duas horas para velar ele e nos despedir”, lamenta.

Por conta dos protocolos de segurança, afim de evitar contágio, o número de pessoas para participar do último adeus foi bem reduzido. “Teve que ser com o mínimo de pessoas possível. Não pode ter mais do que dez pessoas. Essa parte foi muito triste. Duas horas da manhã estávamos velando-o. Irmãs, pai, eu, minha filha mais velha, a pequena de 6 anos nem pode ver. Parecia coisa de filme e não cenas reais. É inexplicável a dor”, relembra.

 

Como tudo aconteceu

De acordo com a esposa, Ramom não tinha viajado e não saiu para lugar algum que não fosse no próprio município. “Contágio não se sabe, ele foi o primeiro. Mas sabemos que foi transmissão comunitária”, pontua. Ela acrescenta que ele era hipertenso, mas que estava bem controlado tanto que já não tomava mais medicação alguma.

O ceramista começou a ter os primeiros sintomas pelo dia 18 de março. Começou com uma dor de cabeça. Susana conta que Ramom foi no posto de saúde e diagnosticaram uma gripe. “Ele tinha sempre uma dor de cabeça muito forte e não tinha outros sintomas. Não os que eles sempre repetem como tosse, falta de ar, esses tipos de sintomas”, explica.

Mas a professora comentou que ele permanecia com febre constante. “Ele tinha uma febre muito alta que não passava nunca. Sempre entre 38,5 e 39. Fomos no hospital. O médico diagnosticou que ele estava com sinusite e voltamos para a casa com medicamento e tudo”, relembra.

Ele iniciou o tratamento com os medicamentos recomendados, mas sábado (21) começou a passar mal. Desta vez sentia alguma coisa diferente. “Ele começou a reclamar que tinha algo na garganta, voltamos ao hospital e novamente o médico diagnosticou como sinusite, a febre permanecia alta”, comenta.

Na segunda-feira (23), ele foi para a triagem de Urussanga. Reafirmaram ser sinusite, novos medicamentos foram receitados. “Mesmo tomando antibiótico, quando foi na quarta-feira (25) começou a passar mal e sentir falta de ar. Levei novamente ao hospital de Urussanga e constataram que a pressão arterial estava alterada e já colocaram ele no soro”, detalha.

Neste momento Susana disse que solicitaram exame de sague e tiraram um raio x. Foi constatado que ele estava com uma pneumonia bilateral, um dos sintomas do coronavírus. “Com isso, ele passou a tarde toda lá, e o médico bem prestativo ficou tentando uma internação para ele até a noite, porque ele precisava ir para a UTI. Entubaram e levaram para a UTI em Tubarão. Desde a 1h da manhã, apenas a noite conseguiram uma vaga para ele”, conta.

A professora relembra o último dia em que teve contato com o seu esposo. “Quando ele saiu daqui com a ambulância do Samu, chegamos lá mais ou menos às 2h da manhã de quinta. Esse foi o último dia que tive contato com ele. Depois não pude mais vê-lo. Foram 16 dias de UTI sem nenhuma melhora, todos os dias a família sempre ansiosa, esperando pelo boletim, sempre na expectativa”, relembra.

Mas ao contrário do que se esperava, Ramom pegou uma bactéria que Susana explica ser por conta da ventilação mecânica. “Ao menos era a explicação dos médicos. Nesses 16 dias, ele ficou muito mal”, pontua.

Na última semana, eles informaram que dariam início a hemodiálise. “Fui até Tubarão levar os documentos, mas optaram por não começar. Já no dia 11 de abril, eles iniciaram, mas não obtiveram nenhum sucesso. Ao contrário, ele ficou muito mal, começou a agonizar. Por volta das 16h um médico me ligou, e depois 18h10, o hospital me ligou de novo pedindo para levar os documentos dele. Ali já prevíamos o que tinha acontecido”, lamenta a professora.

 

Confirmação do falecimento

Entre os infortúnios, outros fatos tornaram o sofrimento ainda maior. Susana conta que o médico deu a notícia do falecimento de Ramom à família por volta das 20 horas. Porém, às 19 horas em Urussanga, muitas pessoas já tinham conhecimento do ocorrido. “Todo mundo já sabia. Rodava pelo whatsapp fotos, áudios e isso foi muito triste, porque para a família não tinha sido confirmado ainda, mas todo mundo já falava como se estivesse confirmando”, ressente-se.

A professora explica que durante todo o período em que seu esposo esteve em tratamento foi difícil. “Pelos meios de comunicação não havia sido divulgado, mas todos já sabiam que era ele. Quando ele estava ainda dentro do hospital recebemos mensagens de apoio, de força. Minha filha mais velha apavorada me mandou uma foto de um print, falando que ele iria para Tubarão. Mas nós nem sabíamos ainda. Questionei de onde saiu esse tipo de informação, já que estávamos naquele momento decidindo no hospital”, entristece-se.

Além disso, quando tudo começou outras fotos como de Susana, Ramom e uma de suas filhas, circulavam na internet. “Acredito que isso identificou bastante. E assim, foi se espalhando tudo muito rápido. Olhei, meu celular já estava com 330 mensagens. Ali naquela situação, não sabia o que fazer, porque ainda estávamos procurando uma UTI para ele. Foi tudo muito difícil”.

Com relação a confirmação de que ele realmente estava com covid-19, Susana disse que foi rápido. “Eles coletaram no dia 25, no dia 27 foi confirmado. Até a confirmação do resultado foi passada oficialmente antes de receber a notícia. Quando divulgaram que havia sido confirmado o primeiro caso de covid em Urussanga”, lamenta.

Ela conta que não citaram o nome, mas deram todas as características. “Falaram que ele tinha 37 anos, que estava na UTI de Tubarão desde o dia 26, Só faltou dar o nome. Me doeu muito porque nem sabia ainda, descobri porque comecei a receber mensagens de várias pessoas desejando força. Tanto para mim quanto para a minha filha, não estávamos entendendo o que estava acontecendo”, relembra.

Após tudo o que vivenciaram, Susana afirma que ainda é muito difícil. Mas que as filhas fazem com que ela encontre forças. “Dele tenho uma menina de 6 anos, a minha mais velha tem 19, mas ele criou como filha desde os 2 anos. Buscamos sempre proteger os filhos, mas sobre isso não tive como poupá-las. Minha mais velha recebeu as notícias via redes sociais e mensagens. Muito triste, mas nós iremos superar”, finaliza.