Dia do índio: Aldeia Guarani recebe educação diferenciada em Imaruí

A Escola de Educação Indígena Tekoá Marangatu atende aos índios com grade curricular adaptada para preservação da cultura e linguagem. Cerca de 40 famílias Guaranis Mba’e permanecem nas terras reconhecidas pela União.

Lysiê Santos
Imaruí

Hoje é comemorado o Dia do Índio. Ao refletir sobre o tema, logo vem a indagação: Dia do Índio é dia de comemoração? A data foi criada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas, por meio do decreto-lei número 5.540. Neste dia ocorrem eventos e atividades dedicados à cultura indígena. Nas escolas, os professores pintam as crianças e ensinam a elas que ser índio é usar saia de palha, pena na cabeça, pintar o corpo e girar em roda gritando de forma repetida e intercalada a letra “U”.

No governo, as notas, decretos, atos públicos, memorandos, discursos prestam o relato deturpado de compromisso com a miséria indígena. Nas universidades, os acadêmicos fazem seus discursos, divulgam suas teses sobre a questão e não contam que, depois de titulados, pouco se importarão com a luta real que ocorre fora da teoria. No entanto, é necessário reconhecer a importância da preservação desse povo, da manutenção de suas terras e respeito às suas manifestações culturais.

Deve-se lembrar também, que os índios já habitavam o país quando os portugueses chegaram em 1500. Desde esta data, o que se viu foi o desrespeito e a diminuição das populações indígenas. Este processo ainda ocorre, pois com a mineração e a exploração dos recursos naturais, muitos povos indígenas estão perdendo suas terras em prol do “desenvolvimento”. Lideranças são caladas, mulheres são estupradas e crianças assassinadas, como o caso do pequeno menino indígena Vitor Pinto, de 2 anos, que foi degolado com um estilete pelo jovem Matheus Ávila Silveira, de 24 anos, em Imbituba. O crime ocorreu no dia 30 de dezembro de 2015. A criança estava no colo da mãe, à sombra de uma árvore, próximos da rodoviária da cidade, quando o jovem se aproximou e o degolou usando um estilete.

Índios Guaranis se reúnem em terra indígena de Imaruí
Quando se fala em índio na região, logo vem à mente a Aldeia Itaty, localizada no Morro dos Cavalos, em Palhoça. Contudo, muitos não sabem, mas no município de Imaruí, na comunidade de Riacho Ana Matias, há quase 20 anos foi instituído cerca de 73 hectares como terra indígena, onde habitam os guaranis da aldeia Tekoá Marangatu, que em português significa “lugar para viver em harmonia”.

O lugar faz jus ao nome. Um local tranquilo banhado por uma aura rica de paz, respeito e democracia. A aldeia conta com um posto de saúde, uma casa de reza e a Escola de Educação Indígena Tekoá Marangatu. Atualmente cerca de 40 famílias Guaranis Mba’e habitam o espaço reconhecido pela União como terra indígena. A comunidade é composta pelos índios que vieram de diferentes aldeias como as de Maciambu e Palhoça. Outros vieram do Rio Grande do Sul e assim formaram a comunidade. Atualmente o jovem Ricardo Bnite, de 35 anos é o cacique da aldeia. O líder defende os direitos e deveres do seu povo. Lá, a democracia é levada a sério. Todas as decisões são definidas em reuniões com as famílias, onde sempre prevalece a voz da comunidade para que se mantenha a ordem e a harmonia entre todos.

Escola indígena incentiva preservação da cultura
A Escola Indígena Tekoá Marangatu é mantida pelo Estado onde brancos e índios trabalham em conjunto em prol da educação. A unidade atua desde o ensino infantil até o curso técnico de magistério. A aldeia Tekoá Marangatu é a maior em Santa Catarina e conta com a maior escola e a única com curso técnico dentro da comunidade.

Ailton Silveira Junior está há três anos como diretor da instituição. Ele relata que o Estado mantém o ensino fundamental e médio e o município é responsável pela creche e o pré-escolar. Diferente das escolas estaduais, a merenda não é terceirizada. Fica sob autogestão onde os servidores preparam refeições a base de milho, batata doce, melancia, amendoim entre outros alimentos que são cultivados na propriedade.

O diretor conta que a grade curricular passou por adaptações. Os 169 alunos além das matérias básicas estudam a arte Guarani, linha materna e inglês. “A partir de 1 ano os bebês já iniciam na creche e muitas mães que não tiveram a oportunidade de estudar retornaram a escola. Temos índios que hoje já estão na faculdade. Eles estudam na Ufsc e retornam à aldeia”, explica.

A escola conta com 42 funcionários, sendo 21 brancos e 21 indígenas. Toda turma possui dois professores. Um mantém o ensino básico e o outro traduz para a cultura indígena. Os professores contratados pelo Estado passam por avaliação da aldeia. “Eu, por exemplo, estou há três anos como diretor, mas se a comunidade definir que não estou mais apto, tenho que sair. Aqui prevalece a vontade do povo”, relata Ailton.

Para os índios, natureza é sagrada
A relação entre os índios e a natureza é pautada por dois elementos: respeito e equilíbrio. O relacionamento que também envolve o afeto faz com que eles vivam uma relação mais próxima e sagrada, como se a terra fosse a grande mãe.

Os indígenas obtêm sua nutrição física e espiritual a partir do ambiente natural e ao contrário do que se vê na sociedade não indígena, a extração é entendida como necessidade e tratada com respeito. “Quando estão com algum problema eles geralmente vão até a casa de reza onde o pajé indica alguma erva que tem efeito medicinal”, destaca o supervisor de articulação com os municípios da 18ª Gerência Regional de Laguna, Eraldo José Raimundo.

Escola é aberta para visitação
A Escola Indígena Tekoá Marangatu promove a 5ª Semana Cultural Teko Mbaraete (Fortalecimento da Cultura). Todos os anos a escola se une e prepara uma calorosa recepção aos visitantes. Até amanhã, a instituição estará aberta para visitas. Escolas do município costumam ir ao local onde participarão de trilha, visita nas salas e oficinas e ainda prestigiam a apresentação do grupo de dança e canto Guarani. “A escola para nós é um meio de fortalecimento para entendermos o mundo dos brancos e podermos nos defender”, ressalta o cacique.

Além da agricultura, as famílias da aldeia trabalham com artesanato que são expostos em diferentes pontos para garantir a renda. Durante a visitação fica evidente a forma de vida dos índios que é baseada no respeito ao próximo e na harmonia. “Para eles não existe sentimentos de rancor. Caso sejam contrariados em suas ideias, não se dividem nem brigam. Apenas aceitam a opinião do próximo e prevalece a melhor decisão para o bem comum”, enfatiza o supervisor da Gered que acompanha com frequência o desenvolvimento da escola na comunidade.

Epagri desenvolve projeto agrícola na aldeia
De acordo com o engenheiro agrônomo da Epagri Carlos Frischknecht, que presta assistência à aldeia, o trato e o manejo da agricultura são diferentes. “Os índios acreditam na filosofia de viver um dia de cada vez. Eles defendem a natureza e plantam o suficiente para a sobrevivência”, conta. A Epagri está desenvolvendo um projeto do programa SC Rural que irá implantar 20 unidades de galinheiros para manter a alimentação e renda. O cacique Ricardo Bnite explica que além das pequenas plantações dentro da aldeia, a maioria trabalha como diarista nas lavouras próximas como a plantação de palmito, arroz e verduras.

Dia de Índio traz reflexão na aldeia
O índio Norberto Martins, de 26 anos, há quatro anos trabalha na escola como professor auxiliar. Ele procura manter a cultura entre os pequenos e ensina a língua Guarani. Para ele, o dia 19 de abril não é uma data comemorativa. “Para nós, o dia 19 é um dia triste. Lembramos o conflito e a luta para conquistar o nosso espaço, que foi invadido pelos brancos. Muitos morreram por esta causa. Sofremos preconceito, perseguições, mas permanecemos aqui. Os índios antepassados foram resistentes e heroicos e queremos manter nossas tradições e preservar nossa raça”, pontua o índio.