Coronavírus: Médica de Braço do Norte alerta que hidroxicloroquina pode causar cegueira

Braço do Norte

A questão surgiu nesta quinta-feira (19), no Brasil, após o presidente dos EUA dizer que o medicamento hidroxicloroquina está sendo usado para combater o coronavírus.

“É uma medicação muito perigosa. Pode causar até cegueira. Soube que muitas pessoas estão comprando desenfreadamente esta droga. Não é para usar em casa. Não é usando em casa que vai ajudar a evitar a doença. É indicado em alguns casos, causa muito efeitos colaterais. Pode ocorrer alteração de pele, gastrointestinal e o mais perigoso é a cegueira. Então é preciso tomar muito cuidado com a automedicação”, alerta a médica Lígia Esser, de Braço do Norte.

A cloroquina, medicação utilizada classicamente no tratamento da malária, tem efeito antiviral documentado contra o HIV, o vírus Influenza, o enterovírus EV-A71, o vírus Zika, e espécies de coronavírus, inclusive com ação antiviral contra o SARS-CoV-2 em experimentos in vitro. A hidroxicloroquina, análogo da cloroquina com perfil mais favorável de segurança e interações medicamentosas, é utilizada no tratamento de doenças autoimunes por seu efeito imunomodulador, e também se mostrou ativa contra SARS-CoV-2 em experimentos in vitro.

Entretanto, a hidroxicloroquina possui uma característica farmacológica que a torna uma péssima candidata para tratamento de infecção viral aguda, como a COVID-19. Trata-se da lenta metabolização e, consequentemente, acúmulo no lisossomo onde sobre protonação, que aumenta sua concentração em carga de 1000 vezes à observada no plasma. São as concentrações capazes de induzir o efeito imunomodulatório. Considero, portanto, que teremos problemas sérios para que a medicação exerça seu efeito contra o SARS-CoV-2. Além disso, a concentração inibitória do remédio no trabalho que o Sergio enviou mostra que são necessárias concentrações relativamente altas para atingir os valores das observações in vitro.

Considerando a ação antiviral em estudo clínico, seguem dois comentários.

1. O primeiro trabalho de Gao J et al (Biosci Trends 2020 Feb 19) é uma piada de mal gosto. Nunca vi um artigo com que diz no título EFICÁCIA APARENTE (chloroquine phosphate has shown apparent efficacy in treatment of COVID-19), sem mostrar nenhum dado. Deixa eu repetir, nenhum dado.

2. O segundo trabalho que circulou desde ontem Gautret et al. (International Journal of Antimicrobial Agents 2020) é um horror. Começa que não tem desfecho clínico e só se baseia em detecção de vírus em secreção respiratória. Mas seguem os problemas. Primeiro: não há diferença entre placebo e cloroquina. Ponto. Mesma excreção de vírus. Segundo, o resultado de suposta melhora em associação com azitromicina só é observado em 6 (seis!) pacientes, sem nenhuma descrição de efeito clínico.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fez ressalvas, em nota distribuída na noite da quinta-feira (19/3), à aplicação no combate ao novo coronavírus de duas drogas que servem para o tratamento da malária – a hidroxicloroquina e a cloroquina. Pesquisas preliminares divulgadas no mesmo dia apontaram que as duas substâncias têm o potencial de combater a Covid-19, o que levou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a dizer que a cloroquina poderá “virar o jogo” da pandemia.

“Apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovam o uso desses medicamentos para o tratamento da covid-19. Portanto, não há recomendação da Anvisa, no momento, para a sua utilização em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus”, declarou o órgão, que acrescentou que a automedicação pode representar um grave risco à saúde.