‘Contágio’, o filme de quase uma década atrás que a crise do coronavírus transformou em hit

Gwyneth Paltrow em 'Contágio': personagem é a primeira vítima de pandemia global no filme de Steven Soderbergh Foto: Warner / Reprodução
Gwyneth Paltrow em 'Contágio': personagem é a primeira vítima de pandemia global no filme de Steven Soderbergh Foto: Warner / Reprodução

Um filme dirigido por Steven Soderbergh e lançado há nove anos parece ter despertado o interesse do público novamente. Desde a semana passada, o filme Contágio está entre os 10 mais vistos na plataforma iTunes (e no momento em que este texto foi escrito, entre os 20 mais vistos no Google Play), algo que pode ser considerado um marco para um filme que não é estreia.

No enredo, Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) retorna ao Estado de Minnesota (Estados Unidos) após uma viagem de negócios em Hong Kong e começa a se sentir mal. Emhoff atribui seus sintomas ao fuso horário.

No entanto, dois dias depois ela morre, sem que os médicos encontrem a causa. Logo depois, outras pessoas começam a manifestar os mesmos sintomas e, logo, é desencadeada uma pandemia que as autoridades de saúde tentam conter.

Em menos de um mês, o número de mortos na história chega a 2,5 milhões nos EUA e 26 milhões em todo o mundo. Se você ainda não viu o filme, lendo a trama — ou apenas assistindo ao trailer — já entende de onde veio o interesse atual pelo filme, que recebeu boas críticas quando foi lançado em 2011: coincide com o novo surto de um coronavírus na China, também chamado de “pneumonia de Wuhan”.

Até esta quinta-feira (06), haviam sido registrados 28.347 casos em todo o mundo e 565 mortes, a maioria na China.

Por isso, Contágio acabou chamando tanta atenção. 

“Aprendendo como sobreviver a esse coronavírus de Wuhan, na China”, diz um usuário do YouTube na seção de comentários abaixo do trailer, visto por mais de 10.116.370 pessoas.

“Lembro-me de ver no cinema e pensar ‘isso pode realmente acontecer’. Nove anos depois…”, diz outro.

“Eu nunca pensei que este filme se tornaria realidade em Wuhan, China. Agora, está se espalhando por todo o mundo”, diz outro usuário que viu o filme novamente cinco dias atrás.

No momento de seu lançamento, alguns especialistas elogiaram a maneira como o filme refletia a situação de uma pandemia.

Os surtos de vírus são uma ameaça crescente no século 21, disse o epidemiologista Ian Lipkin, que prestou assessoria ao diretor Soderbergh, ao jornal The Guardian em 2011.

Isso se deve, acrescentou, ao aumento do comércio e viagens internacionais, urbanização, perda de habitats da fauna silvestre e investimento inadequado em infraestrutura para vigilância sanitária, produção e distribuição de vacinas.

Mas o que a realidade do coronavírus chinês realmente tem em comum com a ficção do filme de Soderbergh?

Semelhanças e diferenças

Um tema comum é que ambos os vírus se originam na China e os morcegos parecem desempenhar um papel preponderante.

No filme, Emhoff (que se torna a paciente zero da doença fictícia chamada MEV-1) é infectada com o vírus quando troca um aperto de mão com um chef em Hong Kong, que preparou um porco que tinha sido mordido por um morcego infectado.

Na realidade, a origem, embora haja suspeitas, não está confirmada.

Especialistas da Organização Mundial da Saúde apontam que é muito provável que o novo coronavírus venha de morcegos. Eles estimam que ele teve que pular primeiro para um grupo de animais não identificado antes de poder infectar humanos.

Estima-se que os vírus por trás da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e da Mers (Síndrome Respiratória no Oriente Médio), por exemplo, também tenham se originado em morcegos, mas foram disseminados para gatos e dromedários, antes de serem transmitidos aos seres humanos.

Cidade fantasma

Imagens de cidades em quarentena, aeroportos fechados, profissionais de saúde com trajes especiais, pessoas com máscaras, cidades vazias, lojas fechadas…

Essas imagens são repetidas tanto no filme quanto na cidade central chinesa de Wuhan, onde o surto se originou.

No filme, entretanto, a doença rapidamente se torna uma pandemia — termo reservado para uma doença infecciosa que ameaça muitas pessoas simultaneamente em todo o mundo —, o que ainda não é o caso do novo coronavírus da China. Pelo menos a Organização Mundial da Saúde até agora não mudou sua classificação de surto.

Embora mais de 20 países tenham relatado casos, até o momento não há casos confirmados na África ou na América Latina.

Contágio

Em Contágio, a personagem que Paltrow interpreta transmite o vírus a um homem em um cassino que morre dois dias depois que a protagonista lança um dado que ele tem em suas mãos.

Também é passado para uma pessoa que pega o telefone e outra que limpa o copo.

No entanto, no caso do coronavírus, essa via de transmissão não é tão viável “devido à fraca capacidade de sobrevivência do coronavírus em superfícies”, disse Nancy Messonier, diretora do Centro Nacional de Imunizações e Doenças Respiratórias dos Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças.

Por esse motivo, é provável que o risco de algo assim acontecer seja muito baixo. O coronavírus é transmitido através da tosse, espirros ou contato próximo entre pessoas infectadas e saudáveis.

Vacina

Na história, pesquisadores conseguem produzir e distribuir uma quantidade limitada de vacinas em apenas 90 dias.

A realidade do coronavírus é diferente, ainda que, diferentemente dos surtos de vírus anteriores em que as vacinas para proteger a população levavam anos para serem desenvolvidas, a busca por um medicamento para controlar a disseminação da pneumonia de Wuhan tenha começado poucas horas após a identificação do vírus.

As autoridades chinesas divulgaram o código genético do vírus muito rapidamente. E essa informação ajuda cientistas a determinar a provável fonte do vírus, as mutações que pode sofrer à medida que o surto se espalha e como proteger a população.

No entanto, o desenvolvimento de uma vacina envolve um extenso trabalho que ainda pode levar vários meses.