As memórias de quem nasceu para ensinar

Recortes de jornal mostram prêmio conquistado na década de 90  -  Foto:Kalil de Oliveira/Notisul
Recortes de jornal mostram prêmio conquistado na década de 90 - Foto:Kalil de Oliveira/Notisul

Kalil de Oliveira
Tubarão

Uma profissão tão sacrificada, esquecida por muitos, desgastada. O que pode ser motivo de tristeza, revolta ou frustração para milhões de educadores e educadoras no Brasil, o Dia do Professor é uma doce lembrança para a professora de ciências Carmen Lúcia Souza, a dona Carmen, 72 anos, que voltou ao seu local de trabalho nesta sexta-feira, a convite do Notisul, após 19 anos de aposentadoria. “Nunca mais estive aqui por uma convicção pessoal, mas não recrimino aquele que pensa diferente. É boa essa diversidade. O que defendo é que cada um deve seguir a sua vida. Comigo é assim. Iniciou uma nova etapa. Eu volto, claro, como estou aqui hoje, porque fui convidada. Mas por conta própria não voltaria”, ensina.

Cercada por alguns ex-colegas, dona Carmen fez questão de abraçar a todos. Na sala dos mestres, tomou café e, de excelente memória, citou o nome de jovens professores que foram seus alunos e brincou com situações de sala de aula, dos anos 80 e 90, quando lecionava na antiga Escola Técnica Diomício Freitas, o CIP, dos tempos nos quais o diretor era o professor José Santos Nunes.

Dona Carmen recorda que foi o próprio José Santos quem a descobriu. “Eu estava na Coordenadoria Regional de Educação (CRE) esperando para ser atendida e um senhor me perguntou o que fazia ali. Era o José Santos. Contei que acabava de chegar e que procurava um emprego. Quando mostrei meus diplomas, ele me convidou para conhecer a escola. Fiquei de 1986 a 1997, quando me aposentei”, resume.

Após a aposentadoria, até 2006 Carmen lecionou para jovens e adultos. Depois foi conselheira tutelar. Ela também estudou numerologia e intensificou sua participação na ordem Rosa Cruz, da qual é constantemente convidada para cantar em eventos. De fala calma, mas personalidade forte, ela prefere andar de bicicleta, gosta de alimentar animais de rua e até adotou oito, que cuida na própria casa.

Melhor do Brasil
Das poucas lembranças que a professora Carmen guarda estão alguns recortes de jornal. Trata-se do concurso que ela venceu em 1996/1997. Primeiro lugar no Concurso de Monografias Brasil Rotário para Professores com o tema "Papel do Rotary na Educação".

Disciplina e praticidade na aula
Natural de Lauro Müller, formada pela Furb, em Blumenau, com início da carreira em Ponte Serrada e Joaçaba, Carmen procurou Tubarão para morar com os pais após a morte do irmão, que faleceu com 33 anos. Encontrada com 2 anos de vida, passou por algumas famílias até se estabelecer com seus pais adotivos. Apegada à música, à natureza, às artes e à religiosidade, levou a disciplina de uma infância difícil e juventude de privações e superações na vida pessoal para a sala e aula.

Seu método consistia na construção de uma rotina. O quadro, dividido em três partes, trazia uma saudação e reflexão, uma segunda parte era teórica e outra para os desenhos. Gizes coloridos procuravam a perfeição. Nos cadernos, os alunos usavam canetas azuis e vermelhas para anotar os conteúdos. Para conseguir a atenção das crianças, Carmen tinha uma técnica infalível e bastante trabalhosa. Ela revela que no primeiro dia de aula anotava o nome dos alunos e a posição das carteiras em uma folha. A memorização dos nomes era a primeira lição. Em casa, à noite, depois de rezar e pedir ajuda a Deus, colocava as folhas embaixo do travesseiro. 

Além de chamar os alunos pelo nome, a professora ficava atenta para os improvisos, quando necessários. “Sempre tive uma excelente audição. Além disso, usava calçados que não faziam barulho. Então, ficava atenta ao que os alunos diziam.

Certa vez percebi que um aluno estava distraído e fui lentamente até ele. Flagrei que estava observando uma formiga. Foi maravilhoso. Coloquei a palavra formiga no quadro e conversamos sobre o assunto. Depois, no final, fomos até o pátio onde eles encontraram um formigueiro”, recorda.

Poucos querem ser professor
O Dia do Professor remete ao dia 15 de outubro de 1827, quando Dom Pedro I decreta o Ensino Elementar no Brasil. Segundo o MEC, apesar do curso de pedagogia estar entre os mais populares, a procura pelas licenciatura ainda é um grande desafio, principalmente nas áreas de química e física. Os números de 215 mostram que 46,3% e 68,7%, respectivamente, dos profissionais que atuam nestas disciplinas não têm nível superior. Quase a metade dos professores de Português e Matemática também não são formados.