A tristeza por trás da máscara

“Eles passam e gritam que as muletas são pra impressionar, que é mentira”. Dona Angela, 60 anos, teve uma vida dura, de muito suor e batalha. Ela está chateada.

Tubarão

Passar na avenida Marcolino Martins Cabral, em Tubarão, no cruzamento da esquina do Banco do Brasil, e observar o trabalho da dona Angela Maria de Souza, 60 anos, é como ‘levar um tapa na cara’. Sim, isso mesmo! É refletir sobre a vida e o que ela nos proporciona. É pensar em como enfrentamos os problemas do dia a dia e, muitas vezes, as reclamações se tornam a única saída.

Então vamos à luta, pois ficar parado e viver de lamentações não vai tirar ninguém do lugar. Para muitos isso não é fácil, mas tentar já é um bom começo. É isso que esta mulher, a exemplo de tantas brasileiras, mostra sempre que coloca seu banquinho no canteiro central da avenida e inicia sua jornada, atividade que faz há cerca de oito anos, sempre às segundas e sextas-feiras.

Disposição para enfrentar esta maratona, ela tem. Porém, por trás da máscara se esconde um rosto com as marcas de tristeza das lições que a vida lhe pregou. E continua…

Angela está muito triste. Ela fez uma cirurgia no tornozelo, no Hospital Nossa Senhora da Conceição, há 40 dias, após cair de uma escada quando limpava as janelas de sua casa, no bairro Humaitá de Cima.

O vai e vem deste tipo de trabalho é constante. Os motoristas param, Angela vai na janela de cada veículo e percorre alguns metros da avenida, o sinal abre e ela retorna ao ponto de origem. Usando muletas e com dor, o trajeto vira um tormento.

“Eles passam aqui e gritam que as muletas são pra impressionar, que é mentira. Imagina. Daqui a 15 dias começo a fazer fisioterapia, o médico disse que é preciso, vai ajudar, e são seis meses para eu largar as muletas”, conta.

Mesmo nessa situação, Angela afirma que não pode abrir mão desses dois dias, e o jeito é ter força de vontade e suportar. “Esse dinheiro me ajuda muito, tem dias que consigo R$ 100, já ganhei R$ 200 em um dia inteiro. Daí, posso ir no açougue, no mercado, e comer um pouquinho melhor”.

Uns criticam, outros nem abrem a janela, porém, há os que colaboram e ainda perguntam como está o seu pé. Ela não possui renda mensal, foi no INSS, mas terá direito à aposentadoria somente depois dos 65 anos. Quem quiser ajudá-la é só ir ao seu encontro, pois ela não tem celular.

Uma vida de luta

Angela se separou do marido muito jovem, com 22 anos, e criou três filhos sozinha. Os motivos prefere não divulgar. Na época, um era criança e outros dois adolescentes.

“Eu fazia faxina e  levava eles comigo, não poderiam ficar em casa”, conta. Além deste tipo de atividade, também trabalhou em uma pizzaria no período da noite e em uma loja, em Laguna, já como estátua.

A vida para ela sempre foi uma grande batalha. Há 15 anos, foi surpreendida com a morte de um dos filhos. “Ele morreu em um acidente de moto naquela estrada que vai pra Braço do Norte”, lamenta, com os olhos cheios de lágrimas. Ela ainda não superou a dor da perda e diz que isso não vai acontecer.

A estrada à qual Angela se refere é a SC-370, antiga SC-438, rodovia onde muitos morreram em acidentes. Esta mulher ainda teve garra para adotar uma criança, um dos três. Hoje, os filhos estão adultos, têm suas vidas, e moram em Florianópolis. De vez em quando, visitam a mãe.

O que a estátua espera da vida?. “Esperar a velhice, mas com dignidade”, responde. A tristeza nas marcas da expressão do rosto, mas também um sorriso a cada pessoa que abre a janela do carro, lhe cumprimenta e colabora com uns trocados. A vida é assim… Cada um tem a sua (e faz) história!

Publicada às 19h27min desta sexta-feira (24/03/17)