‘A gente bateu em dez portões e ninguém quis atender’, diz jovem vítima de estupro

Ainda abalada e com medo, a estudante de psicologia de 21 anos, moradora em Cabo Frio, na Região dos Lagos, que disse ter sido sequestrada, ameaçada e estuprada por três homens, durante quatro horas, contou os momentos de terror que passou entre o fim noite de quinta-feira e o começo da madrugada de sexta-feira. Ela disse que após se livrar dos algozes buscou ajuda em várias casas e ninguém quis socorrê-la. A jovem estava com um amigo, que foi colocado no porta-malas do carro.

A universitária disse que após conseguir abrir o compartimento do veículo e fugirem, ela e o amigo bateram em pelo menos dez casas, mas não tiveram ajuda. Eles estiveram ainda em um bar, onde o socorro foi negado. A dupla acabou deparando com uma viatura na estrada e pediu ajuda aos policiais, que levaram a estudante para o hospital e o rapaz para a delegacia. A jovem prestou depoimento no dia seguinte.

— A gente bateu em dez portões e ninguém quis atender. Até que escutamos o barulho de um rádio e um senhor veio até o portão, mas também não quis ajudar. Provavelmente por medo. Ele mandou a gente ir até o final da rua onde disse que tinha um DPO para pedirmos ajuda à polícia. Mais adiante encontramos um bar, fiquei aliviada de poder avisar minha família e chamar a polícia, mas a mulher também não quis ajudar, nem água quis dar. Quando estávamos quase desistindo deparamos com um carro da polícia, que finalmente nos ajudou— relatou a jovem, que ainda tem medo de voltar para a casa onde mora com uma sobrinha.

Como os suspeitos ainda estão livres, ela teme que eles possam voltar. Por isso buscou abrigo na casa da mãe, que no sábado a acompanhou ao Instituto Médico Legal de Araruama para fazer o exame de corpo de delito. A estudante contou que teve muito medo de morrer, porque teve uma arma apontada para ela o tempo todo. Além disso, quando abandonou o carro num rua escura com ela e o amigo no porta-malas, o trio teria ameaçado atear fogo no automóvel.

— Foi livramento — disse, aliviada, sobre a desistência deles — Naquele momento tinha a certeza de que ia morrer— diz, sem entender direito a razão para eles terem desistido de atear fogo no carro, já que um deles chegou a pedir um isqueiro.

Os dois ainda ficaram mais cerca de dez minutos presos no compartimento do veículo e só tentaram sair de lá após se certificarem de que os criminosos já tinham ido embora. Além de levar todos os pertences dos dois jovens, eles jogaram fora a chave do carro, segundo a estudante.

A jovem contou que se preparava para sair com o amigo, para comer fora, quando por volta das 21h30 foram abordados na porta de casa pelo trio, que ocupou o banco traseiro. Apontando armas para as cabeças deles teria dito, segundo ela, para os levar para onde eles quisessem.

— A gente pediu calma. Eles pediram para passar celular e tudo que tivesse. O meu celular estava na minha mão e coloquei entre as pernas. Teve uma hora que acendeu uma luz do aparelho e fiquei com medo de eles perceberem que eu estava escondendo e me matar.

Num determinado momento pediram para entrar numa rua escura com matagal, mandaram parar o carro, deram uma coronhada na cabeça do amigo da jovem e o colocaram no porta-mala. A jovem diz que quando viu o sangue brotar da cabeça do rapaz achou que ambos iriam morrer ali. Mas não foi isso que aconteceu.

Um deles foi para o banco do motorista e assumiu o volante. Ela estava no banco do carona. Em seguida iam se revezando nos abusos, sempre com o carro em movimento. Segundo a estudante, os três estavam armados, mandaram que ela tirasse a roupa e, como ela relutou, fizeram ameaças. Como a jovem tremia muito disseram que se ela desmaiasse ou passasse mal iria morrer.

Ela disse que nesse meio tempo eles pararam para abastecer o veículo. Nesse momento, com ela já no banco traseiro, um dos homens pediu que ela se deitasse no colo dele e cobriu o rosto dela e a arma com os cabelos da vítima, para não chamar a atenção do frentista.

Depois eles teriam ainda praticado dois roubos — a um grupo supostamente de adolescentes e a uma lanchonete —, com as vítimas ainda no automóvel, que foi abandonado numa rua escura, em cujo lugar a jovem não se lembra bem, pouco antes das 2h da madrugada de sexta-feira. O caso veio a público, na sexta-feira, após uma postagem da própria universitária em sua rede social. Ela disse que fez questão de expor o seu drama como forma de autoproteção e também para ajudar outras mulheres.

— Naquele momento era como se eu estivesse sofrendo todas as dores de outras mulheres que passaram por isso. Foi horrível. Achei que fosse morrer, por tudo que passei. E pensei um pouco sobre isso (expor ou não o drama). Tem muita gente que passou por isso que tem medo de se expor achando que eles (os criminosos) vão voltar. Acho que a gente falar bota um pouco de medo neles. Se não falar, além de não terem medo vão continuar fazendo o mesmo com outras pessoas. Acho que isso (expor o drama) ajuda outras mulheres. Se os mesmos caras que fizeram isso comigo tivessem feito com outra pessoa antes e essa pessoa tivesse falado, exposto o problema, certamente que eles pensariam duas vezes em fazer o mesmo comigo. Ficariam com medo — acredita.

Desde então ela diz ter recebido muito apoio. Mas, mesmo assim, nesta manhã, foi obrigada a recorrer novamente à rede social para se defender de pessoas que duvidaram do seu relato. Ela disse ter ficado triste com esse comportamento e lamentou que as pessoas ainda duvidem das vítimas de estupro.

— Como tinha acabado de amanhecer, quando fui publicar (a primeira postagem), acho que para algumas pessoas não me expressei direito. Algumas entenderam e outras não. Não entenderam direito, podem ter achado que era uma história inventada. Eu não sei direito o que se passa na cabeça das pessoas. É muito complicada essa situação. Fiquei um pouco chateada, mas muitas pessoas me apoiaram. Muita gente não se expõem justamente por medo das pessoas não acreditarem e também por vergonha.

“Algumas pessoas infelizmente estão dizendo que eu poderia ter inventado essa história. Não preciso vir aqui mentir por algo tão sério algo que acontece todos os dias com as mulheres que merecem todo apoio do mundo, eu vivi isso e não desejo nem pro meu pior inimigo, se escrevi de forma errada, tentem me entender, tinha acabo de acontecer, então fica difícil até eu decifrar o que de fato se passa na minha cabeça”, diz a postagem.

A universitária ainda não reencontrou o amigo que estava com ela, desde o ocorrido. Ela diz que gostaria de agradecê-lo, pois acha que assim como ele conseguiu abrir o porta-malas quando tudo acabou, poderia ter feito isso antes e se livrado dos marginais. Na sua opinião, o rapaz preferiu não se arriscar para proteger a vida da amiga, permanecendo com ela até o fim.

Segundo Sérgio Caldas, delegado da 126ª DP (Cabo Frio), onde o caso foi registrado, o amigo da vítima disse ter ouvido os gritos da jovem enquanto ela foi estuprada. Ao chegarem em uma região mais deserta do município, próximo ao bairro Jardim Esperança, os bandidos também prenderam a jovem no porta-malas e abandonaram o veículo no local.