‘Fiquei careca por doença, mas superei a vergonha e virei namoradeira’

Dados da Sociedade Brasileira do Cabelo revelam: 50% das mulheres têm algum problema relacionado à queda de cabelo. E 5% têm queda mais acentuada, com quadro de calvície.

Se só de ler isso sua espinha gelou, imagine o que é receber o diagnóstico de alopecia areata, doença inflamatória que provoca a queda de cabelo. Foi o que enfrentou a auxiliar jurídica Juliana Fernandes, 38 anos, de São Paulo. .

Ela tinha dez anos quando sua mãe notou, ao fazer um rabo de cavalo, que tufos caíam da nuca, que ficou parcialmente pelada. Na época, a garota não foi informada pelo médico do que estaria por vir. 

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a alopecia areata não é contagiosa, mas o quadro da doença pode ser desencadeado ou agravado por fatores emocionais, traumas físicos e infecções. Setembro é o mês de conscientização dessa doença autoimune, que pode causar queda parcial ou total dos pelos do corpo. Esta última condição, mais rara, é a alopecia areata universal, diagnosticada em Juliana, que compartilha aqui a sua história: 

“Faz 20 anos que enfrento a alopécia areata universal, que atinge todos os pelos do corpo. É uma disfunção autoimune, como o lúpus. O primeiro episódio aconteceu quando eu tinha dez anos. Minha mãe foi fazer um rabo de cavalo e percebeu uma falha redonda, bem característica, na nuca, que ficou pelada. Ela achou estranho e marcou um dermatologista. 

O médico examinou e foi bem direto: ‘É alopecia areata, causada por estresse, com fundo emocional’. Disse que algum trauma teria desencadeado. Saímos de lá sem saber o que era realmente. Passar por algo traumatizante ou estressante é somente o gatilho para quem já tem predisposição. Mas, na época, a gente comprou o que o especialista disse, pois eu tinha perdido uma prima muito próxima, de 14 anos, atropelada. Achamos que aquilo era a causa.

Ele receitou uma loção, que ardia muito, e os fios nasceram de novo. A gente se esqueceu do assunto, não tínhamos noção de que eu poderia ficar sem pelo nenhum.

A cada estresse, uma queda mais acentuada 

Uns três anos depois, uma tia próxima se separou e meu primo morou um tempo com minha família. Aquilo me afetou, a gente brigava como irmãos. O cabelo ao redor da orelha caiu e voltei a fazer o mesmo tratamento. Menos de um ano depois, meus pais se divorciaram e passei pela mesma coisa -queda dos fios no mesmo lugar, visita ao mesmo médico e repetição da loção.

Até, então, nossa visão sobre o problema, pela falta de informação, era até inocente. Mas, aos 17 anos, a alopecia parcial bateu de verdade na minha porta. Meu namorado me traiu com a minha prima. Como se não bastasse o sofrimento ainda tinha que ficar vendo os dois, que acabaram namorando.

Começaram a cair tufos no travesseiro, no chão e fiquei com rodelas carecas em toda a cabeça, nuca e ao redor das orelhas. Foi assustador. Trabalhava como recepcionista em um escritório. Me apavorei, pois era meu primeiro emprego e eu era a primeira pessoa com quem todo mundo falava quando chegava à empresa.

O que eu fiz? Voltei ao mesmo médico e fiz o tratamento, mas, dessa vez, sem o mesmo resultado. Tinha fios compridos e cortei para dar volume e disfarçar. Tomava injeções na região pelada, uma vez por semana. Doía muito. Tomei remédio e nada. Tentei tratamentos alternativos e cheguei a ingerir, durante um tempo, 29 comprimidos de fitoterápicos por dia. 

Eu amava meu cabelão 

Depois de três meses, cansada de ver o cabelo cair, resolvi raspar tudo. No trabalho, colocava um lenço combinando com a roupa e meu chefe me dava força para assumir a cabeça lisa, dizia que era linda. Eu estava lidando até bem com os olhares na rua. 

Meu mundo caiu mesmo quando eu procurei um outro especialista que foi direto ao ponto. Ele me mostrou um livro com a foto de uma mulher careca, uma foto horrível, amarelada pelo tempo. Me explicou que não ia nascer mais nenhum fio, que o problema era 100% físico e que não havia remédio. O chão se abriu, um baque. 

Aí, entendi que os episódios eram só o começo, havia uma predisposição genética. Mesmo com essa perspectiva, continuei com a aplicação de injeções duas vezes por semana. Foi ficando caro e, então, decidi que iria gastar o dinheiro comigo, com roupa, e não mais com algo que não tinha jeito.

Foi uma fase complicada, pois as pessoas desconhecidas me perguntavam se eu estava doente, se tinha câncer. Já as pessoas da minha família me abraçavam e choravam quando eu contava. Eu falava: ‘Calma, gente, estou saudável, é só o cabelo’. Eu amava meu cabelão, era lindo, longo, preto. Ficava bem triste, mas é aquela coisa: quando a gente vê a dor do outro, acha que não aguentaria e, quando é com a gente, aguenta, sim. 

A alopecia não me define 

Eu era testemunha de jeová na época e acho que a religião me acalentou. Ouvir que havia gente vivendo com fome ou passando por guerras faz sua dor parecer menor. Eu ia tentando levar. Achava que não ia namorar nunca mais, pois os caras sempre me falavam: ‘Você é bacana, gosto de ser seu amigo’. Cheguei a ir a um psiquiatra, tomei remédios, mas, mesmo assim, não me sentia cem por cento.

Por conta da queda de imunidade, passei a apresentar algumas questões de saúde, e uma ginecologista me indicou, urgentemente, terapia. Ela mesma encontrou alguém com preço bom para que eu pudesse arcar com as sessões.

A terapia foi fundamental, pois passei a entender mais os gatilhos emocionais que faziam meu cabelo cair e melhorei minha autoestima.

Depois de três anos, uma tia me ligou e falou de uma palestra sobre alopecia que aconteceria no Hospital São Paulo, com Enilde Borges Costa, dermatologista e referência na área. Foi um divisor de águas. O evento não estava cheio e rolou uma sintonia. Conversamos muito e decidimos, ali mesmo, fazer encontros mensais.

Sempre tinha gente nova, um amigo do amigo, um médico conhecido, e a gente via que cada um tinha um jeito diferente de lidar com sua história. Depois de dez anos desses encontros, formamos o Grupo de Apoio aos Pacientes com Alopecia Areata (AAGAP). Criamos uma rede linda e indicamos tratamentos e médicos, além de darmos apoio emocional a quem enfrenta a doença.

Com o tempo, a terapia, o grupo e a vivência do problema, passei a enxergar tudo com leveza. Perceber as pessoas me olhando na rua já não incomodava. De envergonhada, passei a ser marcante. Também voltei a ter relacionamentos amorosos e virei namoradeira. 

Descobri que havia, na internet, grupos de homens que amam mulheres carecas e comecei por lá. Para eles, eu era rainha e passei a me considerar assim. Depois, parti para me relacionar com homens fora desse grupo específico e rolou, passei a fazer sucesso com todos. Eu namoro, saio, me divirto como qualquer pessoa. A alopecia areata universal não me define. Depois de anos de luta, descobri que ela não limita ninguém, é só estética.”