Pagamento por aproximação pode levar ao fim do cartão de crédito

Aficcionado por novidades tecnológicas, Tiago Lima aderiu aos pagamentos por aproximação, tecnologia de transações financeiras em que não é necessário inserir um cartão plástico nas maquininhas. “No celular também tenho a CNH digital (carteira de motorista) e o meu cartão de crédito. Assim como não me preocupo mais em sacar dinheiro quando estou na rua, já que quase todas as maquininhas aceitam aproximação”, ressalta. Com o celular e o relógio (smartwatch) no pulso, a carteira pode até ficar em casa.

E não são raras as vezes em que acaba auxiliando os vendedores a fazer a transação. “Percebi que nem todos os atendentes sabem como usar; eles argumentam que poucos clientes aproximam o celular para pagar a conta do cafezinho, por exemplo”. O policial militar também diz que a tecnologia facilita a organização das contas. Como gosta de explorar as funcionalidades dos aplicativos do telefone, utiliza as possibilidades para organizar cartões e controlar contas, além de reverter os gastos em milhas e pontuação junto a operadora do cartão de crédito.

A segurança, sublinha Lima, é fundamental. “A partir do momento em que o meu relógio desconecta do pulso, é necessário colocar a senha do cartão de crédito novamente. Creio que assim fica cada vez mais difícil fazer a clonagem. Aderi à tecnologia pela facilidade e segurança”, conta.

De acordo com especialistas, a inovação é mais segura e poderá transformar, em breve, o cartão de plástico em artigo do passado. Cada transação por aproximação inclui um código criptografado válido para uma única transação, o que previne fraudes, conforme ressalta Ailtom Nascimento, vice-presidente da Stefanini, companhia especializada em segurança e tecnologia da informação. “Quando você usa a proximidade, o chip não foi eliminado do processo, mas a tecnologia de transmissão de dados é um pouco diferente. Essa transmissão é cifrada, com chaves que precisam ser combinadas de ponta a ponta. É muito mais seguro do que colocar o chip na maquininha”, sustenta.

Já o gerente de produtos da Visa, Alessandro Rabello, acredita que ainda é cedo para falar em fim do cartão de crédito ou débito de plástico como hoje conhecemos. “Sabemos em que país moramos e que não é todo mundo que pode ter um dispositivo móvel que suporte a tecnologia, mas o cartão físico atinge qualquer pessoa”, salienta.

Testes em transporte da Capital

Essa forma de pagamento facilita também o transporte público. No Rio de Janeiro, todas as roletas das 41 estações do metrô aceitam a tecnologia Near Field Communication (NFC), ou seja, a comunicação é feita através de um dispositivo. Em Porto Alegre, testes foram realizados em dois coletivos da Carris e dois lotações, mas acabaram abandonados. Lotações da linha Menino Deus realizaram testes de pagamento da tarifa com cartões de crédito, débito e pré-pago. Para utilizar o sistema, o passageiro precisava ter um cartão que funciona por aproximação, sem obrigatoriedade de senhas. A meta era aumentar a segurança dos motoristas e usuários com a redução da circulação de dinheiro.

A procura pelo serviço, porém, foi muito baixa, segundo o gerente de planejamento da operação de transportes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Flávio Tumelero. “Mesmo em linhas movimentadas como a do T11, utilizada por estudantes da PUC, poucos usavam o pagamento por aproximação do cartão ou celular. Portanto, a expectativa é de que a tecnologia possa voltar a ser testada futuramente”, sustenta.

Já o reconhecimento biométrico facial, que não muda o emprego do cartão TRI, teve mais sucesso e está evitando parte das fraudes no sistema de transporte coletivo. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), desde setembro de 2017, quando começaram os testes, até julho de 2019, foram identificadas 64 mil ocorrências de suspeita de fraude em Cartões TRI que possuem algum tipo de isenção. Dessas, em 52 mil casos os usuários prestaram esclarecimentos e o cartão foi desbloqueado. Mais de 90% da frota de 1.544 ônibus já conta com o sistema de biometria facial instalado.

Maquininhas habilitadas, pouca utilização

Se mais de 80% das maquininhas estão habilitadas no Brasil, o uso delas ainda é inversamente proporcional. Gerente de uma loja de bolsas e calçados em um shopping do Centro Histórico da Capital, Deyvid Souza, ressalta que são poucos os clientes que optam por esse modo de pagar a conta. “Acredito que a pessoas que não sabem que seus cartões de crédito já têm a possibilidade de serem utilizados sem a inserção na máquina”, diz.  

Para o lojista, faz pouca diferença em termos de finalização da venda. “O tempo utilizado para inserir os dados do produto vendido no sistema, fazer cadastro do cliente e emitir nota fiscal é o mesmo. O pagamento é a última etapa. Creio que o pagamento por aproximação de celular ocorre uma vez por ano, mais ou menos, aqui na loja”, complementa.

Coordenadora de uma loja de chocolates, Taiane Fernandes Fontoura destaca que os equipamentos estão habilitados, mas ninguém solicita o pagamento por aproximação, mesmo que a maior parcela das vendas seja quitada no cartão de crédito ou débito. Com circulação cada vez menor de dinheiro nos pontos comerciais, ela ressalta que os clientes ainda pagam compras no valor de até R$ 50 com dinheiro.

As duas maiores bandeiras de cartões de crédito apontam, no entanto, dados de crescimento da demanda pelo serviço. Na Capital, de acordo com informações da Visa, entre dezembro de 2017 e dezembro do ano passado, o número de transações realizadas com a tecnologia cresceu 17 vezes. Dados da Mastercard indicam que mais de um milhão de portadores diferentes já realizaram pelo menos uma transação por aproximação no país.

Entre janeiro e maio deste ano, mais de 250 mil pagamentos por aproximação foram realizados em Porto Alegre, conforme dados da Mastercard. Este ano, a capital gaúcha vivenciou um aumento de 310% no número de pagamentos por aproximação realizados, passando de 21 mil em janeiro para mais de 86 mil no último mês, demonstrando que o consumidor gaúcho já está incorporando essa forma de pagamento em seu dia a dia.

Os segmentos onde mais se utilizou essa forma de pagamento na cidade foram supermercados, restaurantes e redes de fast food, respectivamente. O ticket médio dessas transações em Porto Alegre é de R$ 60,00 e os dispositivos mais utilizados em maio foram os cartões físicos, representando 73% do total de transações realizadas. A companhia acredita que a Copa América impulsionou o uso da modalidade de pagamento na cidade, considerando o fluxo de turistas. No País, São Paulo é líder nesse tipo de transação.

Adesão dos bancos

No País, pelo menos 4,5 mil cidades já têm maquininhas que aceitam a tecnologia sem contato ou contactless. O Banco do Brasil é a instituição financeira física que mais possibilidades oferece. A projeção é de emissão, até o final do ano, de 5 milhões de cartões com a tecnologia NFC. Com isso, praticamente toda a base de clientes poderá realizar pagamentos por aproximação em meados de 2020.

Segundo o BB, o número de clientes que utilizam o pagamento por aproximação cresceu 400% no primeiro semestre desse ano, e o faturamento das transações teve um incremento de 100% no mesmo período. Foram quase 3,5 milhões de pagamentos utilizando o método de aproximação. A maior parte foi realizada por meio de carteiras digitais.

Já o Banrisul informou que os cartões emitidos pelo banco a partir de junho deste ano passaram a contar com a tecnologia contactless. Desde 2016, a instituição financeira disponibiliza aos portadores de cartões de crédito Visa e Mastercard as carteiras digitais SamsungPay e GooglePay, que permitem o pagamento sem contato através de smartphones compatíveis. Em relação ao Banricompras, cartão de débito e movimentação de conta corrente, está previsto lançamento da carteira “BanriPay” que permitirá o pagamentos por aproximação com telefones compatíveis.

Por outro lado, a Caixa Econômica Federal está bem mais atrasada. O banco informou que possui uma quantidade pequena de cartões com a tecnologia instalada, entretanto, a instituição financeira trabalha com previsão de “expansão da emissão dos plásticos para o próximo ano, com o consequente aumento na utilização”. A empresa está analisando a possibilidade de oferta de carteira digital própria, porém, “está atuando fortemente na consolidação das parcerias existentes, para a disponibilização dos cartões de crédito e de débito nas bandeiras Mastercard, Visa e Elo, junto à Samsung e Google”. O banco também está negociando com a Apple o oferecimento do pagamento digital por aproximação via ApplePay.