Gari vai dar palestra para estudantes de arquitetura da Uerj

Valdenise Brandão Ferreira, 36 anos, é uma dessas mulheres capazes de revolucionar o mundo se tiver a oportunidade. Trabalhando como gari há 11 anos, ela tem mudado a vida de muita gente no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Como? Projetando e construindo praças onde brinquedos, bancos, mesas e jardins feitos de materiais reciclados dão lugar a antigos lixões.


Val, como é conhecida, trabalha varrendo as ruas da Maré. Ela viu surgir sua primeira chance de fazer a diferença em 2017, em uma área da comunidade que virou ponto de descarte de lixo. Todos os dias, ela e seus companheiros de trabalho na Comlurb precisavam retirar cerca de três toneladas de materiais descartados indevidamente naquele local. Parecia impossível eliminar o que havia se transformado em um lixão.


Foi quando seu antigo gerente teve a ideia de construir no local uma praça. E, sem imaginar, despertou em Valdenise uma paixão e um novo talento: transformar entulho em mobília, brinquedos e jardins. “Recolhemos calotas de pneu, pintamos e fizemos bonecos e canteiros para plantas. Pegamos em praças abandonadas escorregador e balanços quebrados e reformamos”, lembra Valdenise.


De lá pra cá, Valdenise passou a construir uma praça atrás da outra. “O pessoal da comunidade passou a me procurar: ‘cadê a Val, aquela menina que mexe com plantas?’. Falavam de outros pontos de descarte de lixo e pediam para transformarmos em área de lazer”, conta a gari, que muitas vezes tira dinheiro do próprio bolso para comprar tinta e pincel.




Com dicas encontradas na internet, Valdenise aprimora seu trabalho. “Seguindo o passo a passo, aprendi a construir bonecos dos ‘Minions’ que fazem o maior sucesso com as crianças”, diz. E também aprendeu e se envolveu muito com projetos de reciclagem do lixo e plantio de árvores.


Ela tem estimulado moradores da comunidade a juntar o lixo orgânico e os ensina a fazer a compostagem. “São dois benefícios: menos lixo para os aterros e ainda produz adubo para colocar nos nossos canteiros”, explica.


Com tantas boas ideias, Valdenise foi convidada a falar sobre a reurbanização do bairro em um evento realizado pela Redes da Maré, organização social que atua na comunidade. Foi lá que sua história se esbarrou com a da arquiteta e urbanista Carolina Hartmann Galeazzi. Ela cursa doutorado na UFRJ, com tema que envolve meio ambiente na Maré.


Desde então, as duas viraram parceiras. “Ela gostou do trabalho e agora me ajuda a desenhar as praças e dá dicas sobre como e o que plantar. Sempre que tenho uma ideia pergunto a ela: ‘Carolina, o que acha de fazer assim tal canteiro…’”, diz Valdenise.


Da parceria surgiu o convite inesperado: dar uma palestra para alunos da Faculdade de Arquitetura da Uerj, em Petrópolis (RJ), em agosto. “Estou nervosa até agora”, conta Valdenise. Ela lembra que ao ser convidada ficou uns três dias em êxtase: “Meu sonho era estudar arquitetura e agora eu vou falar para os estudantes do curso, para os futuros arquitetos. Olha que legal!”, diz.




Seu sonho, aliás, persiste: estimulada com o sucesso das praças, Valdenise voltou a estudar depois de dez anos longe dos bancos escolares. Ela está no primeiro ano do Ensino Médio. Quer chegar à universidade e ampliar ainda mais seu projeto. “Dentro da arquitetura posso fazer praças junto com biólogos e agrônomos”, diz.


Mas, enquanto isso, à frente do projeto Jardins Sustentáveis, da Comlurb, usa a própria criatividade para eliminar lixões e levar lazer aos moradores da Maré. E já tem novos planos: “Quero fazer uma praça toda de bambu.”


Conteúdo do Rio de Boas Notícias, site parceiro do Razões.