Explorando as raízes e as paixões por trás de um retrato do Rio Tubarão: o autor e suas motivações

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por Luiz Albertino Nunes (*),

Sou natural de Tubarão, nascido na localidade de Pinheiros, popularmente conhecida como “Km 60”, há muitos anos. Venho de uma família numerosa, sou o décimo segundo filho de uma ninhada de dezessete. Convenhamos, mesmo para a época do rádio, ter tantos filhos não era comum, especialmente se considerarmos os abortos e as tentativas que não vingaram. Graças a Deus, meus pais, muito religiosos, foram praticantes convictos da mensagem bíblica: crescei e multiplicai-vos.

Durante os anos que vivi em Tubarão, antes da enchente de 1974, mantive uma conexão quase que diária com o Rio, desfrutando de banhos escondidos e muitas pescarias. Lembro-me com saudades dos cercos que fazíamos com seixos rolados, para captura de piavas (lambaris) nos meses de janeiro e fevereiro, quando cobrávamos do Rio o nosso quinhão, haja vista a fartura de peixes que subiam o seu leito, não sei se em busca de melhores águas para reprodução, ou se era apenas a mão do Criador replicando a multiplicação dos pães e peixes, na mesa de tantos e necessitados ribeirinhos.

O texto sobre o Rio Tubarão, onde procurei descrever os vários papéis desempenhados pelo Rio, talvez explique a visão singular que tenho do mesmo. É lamentável ver o Rio, que é o coração de nossa cidade, ser ignorado e maltratado, enquanto tantos outros, pelo mundo afora, são enaltecidos, como na frase de Heródoto: “o Egito é uma dádiva do Nilo”.

Espero com essa iniciativa, e no momento em que completarmos 50 anos da maior enchente que já enfrentamos, lançar algumas sementes em solo fértil, para que germinem e deem muitos frutos, e que o Rio venha receber o respeito que merece, pois ele é o quintal de nossas casas, parte do que somos.

Em Marcos 6:4, Jesus diz: “Só em sua própria terra, entre seus parentes e em sua própria casa, é que um profeta não tem honra”. Portanto, sabemos que nada é fácil, mas o vergonhoso não é desistir, é não tentar fazer.

Vamos à reflexão:

RIO TUBARÃO, VIDA E FUTURO!

“Lembro-me ainda da magnífica impressão que tive desta abençoada terra, a primeira vez que aqui cheguei…….. Fiquei extasiado ante a beleza do Rio Tubarão, cujas águas serenas espelhavam o firmamento e as árvores que povoam as suas margens, dando um tom celestial ao panorama assim constituído. Alexandrino Barreto (Xandóca) – Relato da viagem inaugural da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina – set. /1884*

Apesar da minha pouca intimidade com a nossa “Última Flor do Lácio”, espero que todos que tomarem conhecimento destas modestas linhas, possam sentir a importância e os encantos do velho “Tubá-nharô”, na história que permeia o desenvolvimento de nossa região e na vida de cada um de seus conterrâneos.

A bacia hidrográfica do Rio Tubarão abrange 18 municípios e ocupa uma área de aproximadamente 4.800km², na região Sul de Santa Catarina. O Rio nasce nas encostas da Serra Geral, em Lauro Muller, e segue seu destino até se encontrar com a Lagoa de Santo Antônio, “dos Anjos de Laguna”, após percorrer 120 km.

Governo de SC Divulgação Notisul Digital

Rio dos habilidosos canoeiros da grande nação Guarani, nossos primeiros habitantes; das lavadeiras de outrora com seus “painéis” de roupas coloridas enfeitando suas margens, oscilando ao sabor dos ventos em varais improvisados, esperando a natureza evaporar os seus excessos.

Rio, habitat natural de rica diversidade, dos lambaris, carapicus, traíras, cascudos e tantas outras iguarias usadas na dieta dos ribeirinhos; dos bandos de biguás, pescadores implacáveis; do frango d’água e da garça furtiva, na espreita do bote certo em suas vítimas.

Rio cuja navegação facilitou o intercâmbio de produtos entre a Serra e o Litoral, charque, queijo, tecido e sal, dia e noite circulando em seu leito, subindo e descendo seus meandros, fomentando os tradicionais “Secos e Molhados”, bem como a integração e o desenvolvimento de toda região, nos primórdios da colonização.

Rio que durante décadas rivalizou em importância e grandeza com a nossa velha “Maria Fumaça”, que serpenteando as suas encostas e desafiando suas águas, subia até o pé da Serra, transportando pessoas e espalhando progresso, em busca do carvão mineral, seu objetivo maior, verdadeiro maná de sua época.

Museu Ferroviário Divulgação Notisul Digital

Rio de muitos braços e abraços, do Rio da Madre agonizante, de Morrinhos, terra de bravos, de onde partiu Ana Maria de Jesus, que após lutar por nós e pelo mundo, como Anita Garibaldi foi aclamada, nossa eterna heroína.

Rio de muitas alegrias e serventias, da pesca esportiva e do pão de cada dia, do banho refrescante nas tardes de Verão, da brisa que ameniza o calor e a fadiga, da água que mata a sede de pessoas e animais, que é vida e sustento há muitas gerações.

Rio que reflete a beleza da lua cheia e a imensidão azul do céu, que dá nome e adjetiva a nossa “Cidade Azul”, que nasceu dividida pelas águas de seu leito, para que melhor pudéssemos apreciar à passagem de sua majestade.

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Rio que encanta e apaixona corações e mentes, que é lembrado em prosa e verso por “poetas de lua cheia”, buscando nas aragens de seus eflúvios, inspiração para se fazerem mais fortes no coração da pessoa amada.

Rio dos salgueiros-chorões com seus galhos acariciando o seu leito, de frondosas árvores embelezando suas margens, bebendo diariamente da fartura de seu seio, a seiva que sustenta as nossas vidas.

Rio de águas serenas e de graciosas cachoeiras e cascatas que nos proporcionam lazer, turismo, esporte e diversão, verdadeiras obras primas que a natureza lapidou, beleza cênica de difícil reprodução.

Rio ponteado de arcos a cruzarem seu caminho, com suas veredas margeando o seu leito, protegidas pelo entrelaçamento de imponentes árvores, verdadeiras academias a céu aberto, fonte de lazer e bem-estar, para deleite de todos.

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Rio que nos traz a certeza do desenvolvimento de nossa região, seja aproveitando a força de suas águas na geração de energia renovável, ou alimentando e resfriando o ciclo do vapor, no grande complexo termoelétrico situado às suas margens.

Rio que abastece com o néctar de suas entranhas indústrias, comércios e residências, bem como as atividades relacionadas com a agricultura e criação animal, gerando milhares de empregos, diretos e indiretos, impactando de forma significativa a geração de renda e os indicadores sociais.

Rio dos mineradores de areia, argila e seixo rolado, usados como matéria-prima na pavimentação de nossos caminhos, na edificação de nossos lares e na realização de nossos sonhos.

Rio que nas enchentes abandona a sua calha natural, revitalizando todo o seu entorno, trazendo vida nova ao solo e ao leito mineral exauridos, permitindo que as atividades extrativistas continuem sendo praticadas, com reflexos em toda cadeia produtiva.

Rio que externa os efeitos de obras mal planejadas e daquelas necessárias, mas nunca implementadas; que sofre com o assoreamento intensificado pela ação humana devido a ocupação desordenada de sua calha de enchente, e o desmatamento de encostas e nascentes.

Rio que não respeita a propriedade privada quando situada em suas margens, principalmente aquelas edificações que procuram uma intimidade desrespeitosa, ocupando a sua mata ciliar, obstruindo a sua passagem.

Rio que nos lembra tragédia, dor e sofrimento, quando em seus momentos de fúria nos parece cobrar além da conta pelo seu abandono e uso indevido, na diluição e acolhimento de esgotos e demais cargas tóxicas, gerados em toda a bacia.

Rio que traçou o meu destino e de milhares de conterrâneos, impactados pela fúria avassaladora das águas de março de 1974, quando usou para escoar os seus excessos, as planícies de seu entorno, mesmo aquelas nunca antes visitadas.

Rio que nos garante um futuro brilhante na abundância de suas águas, verdadeiro tesouro do século XXI, recurso essencial para a sustentação da vida, cuja escassez alimenta conflitos pelo mundo afora e em muitas regiões do Brasil.

Esse foi o rio que me viu menino, testemunha silenciosa do meu caminhar, e sempre que retorno às suas margens me recordo criança, admirando sua passagem na direção do além, pois não sabia do mar, apenas o que nos foi ensinado: Quem serve a terra, da terra será escravo.

Enquanto houver água, haverá vida, futuro e paz. Viva Tubarão, o Rio, a Cidade e todos Nós!

“A vida é como a travessia de um rio, a gente mira um ponto na outra margem, mas a correnteza nos leva para um lugar bem distante”. Guimarães Rosa

(*) Luiz Albertino Nunes, nascido em 24/07/1954.

P.S.: Quando lembro que a catástrofe de março/74 foi, de certa forma, a mão invisível que me levou para os braços de meus maravilhosos filhos e netos, que vieram à luz em terras distantes, e que daquele cenário de tanta destruição, como a fênix, muitos ressurgiriam mais fortes, penso no Todo-Poderoso, com muita humildade e emoção, tomado do mais profundo respeito e gratidão. Por outro lado, não poderia esquecer das 199 vítimas, que por motivos que fogem a nossa compreensão, tiveram as suas jornadas encurtadas, inclusive muitos inocentes que mal tinham desabrochado para a vida. A todos os enlutados, os meus mais sinceros sentimentos de pesar e solidariedade, pois a passagem do tempo ameniza a dor, mas a saudade é eterna.