“Uma tragédia como a enchente de 1974 pode se repetir”

Maycon Vianna
Tubarão

Notisul – Como é o trabalho da defesa civil de Tubarão e quais são os procedimentos?
Rafael Marques – O trabalho da defesa civil de Tubarão começa com o monitoramento diário, acompanhamos a evolução de todos os sistemas atmosféricos por meio de imagens via satélite do radar, temos um profissional que está se formando em agronomia na Unisul que acompanha diariamente dos sistemas atmosféricos. Além disso, temos o nosso sistema particular que é a nossa estação meteorológica, que mede as condições do tempo local e também a medição do nível do Rio. Acabamos de instalar também o monitoramento do sistema que mede o nível do rio em Orleans e a quantidade de chuvas, em tempo real, via telefonia celular, as informações saem direto na secretaria. Em São Ludgero, que já é outro afluente do Rio Tubarão correspondente ao Rio Braço do Norte, o mais importante, temos um sistema que mede o nível de chuvas e nos próximos dez dias já deve começar a medir o nível. Vamos ter uma noção de como está se comportando o nível do rio na Bacia. Então, este é o trabalho de rotinha que fazemos. Caso estas situações saiam da normalidade, temos um grupo pequeno da defesa civil de Tubarão, aliás, somos nove funcionários para atender os telefonemas e as demais eventualidades aqui do município. Certamente, o nosso quadro não é o suficiente para casos de emergência, por isso, trabalhamos com o apoio das demais secretarias, temos um trabalho conjunto feito com os responsáveis de cada pasta, principalmente com os secretários de infraestrutura e de segurança, desenvolvimento econômico e assistência social, porque caso precise de algum apoio para as pessoas mais vulneráveis em casos mais graves ou interromper algum local utilizamos os equipamentos e máquinas deles. Na quarta-feira passada, dia 8, tivemos algumas residências que tiveram problemas em seus telhados, acolhemos estas pessoas e levamos para locais adequadas, além de disponibilizarmos lonas para realizar a cobertura das casas como medida paliativa. As assistentes sociais do município prestam ajuda aos atingidos na parte também de alimentação. A defesa civil é a ponta do elo no que diz respeito que é toda assistência do município em termos de ajuda para o que a população vir a precisar. O que hoje trabalhamos nesta nova etapa é no sistema de levantamento de dados com estas estações que montamos para começar a diagnosticar. Pretendemos avisar em tempo mais curto possível caso necessite e alguma eventualidade climática em tamanho maior que esteja evidente.

Notisul – Como é o vínculo da defesa civil tubaronense com a estadual e também com a nacional? De que forma é feito este trabalho?
Rafael – Temos, no estado a secretaria de defesa civil que abrange todos os municípios catarinenses e temos as regionais, por exemplo, em Tubarão estão vinculadas as cidades da Amurel e mais algumas da encosta da terra. Então, temos os coordenadores que nos dão o apoio. Basicamente, damos o primeiro atendimento em termos municipais e se a gente percebe que não dá conta, dependendo da necessidade, acionamos o coordenador regional que automaticamente repassa as informações para a defesa civil do estado. Felizmente, neste primeiro ano de gestão do prefeito Olavio Falchetti (PT), não tivemos algum evento maior que exigisse apoio da regional, em agosto, quando teve um excesso maior de chuvas quando o rio passou dos quatro metros, tivemos o acompanhamento total da defesa civil por telefone, além das parcerias com as secretarias já citadas na pergunta anterior. Para que todos saibam, a resposta imediata para o povo quem faz é o Corpo de Bombeiros, pois eles têm técnicas de resgate, técnicas de salvamento, temos uma parceria muito boa com a corporação tubaronense. O primeiro atendimento é sempre com os socorristas. Além disso, temos uma parceria com a Polícia Militar da cidade para a questão de ordem e segurança e, muitas vezes, também para ajudar na questão de socorro. O trabalho da 3ª Companhia do Exército é importante, nas chuvas de agosto do ano passado, eles estavam conosco prestando auxílio. Os soldados têm todo o primeiro e equipamentos necessários que caso haja um grande evento atmosférico na cidade e arredores, possuem barracas e embarcações para salvamento. Em 2013, realizamos diversas ações em conjunto e estamos constantemente trocando informações.

Notisul – Já existe algum tipo de plano de evacuação da cidade em casos de grandes catástrofes atmosféricas?
Rafael – Chamamos de plano de contingência da cidade de Tubarão que está quase pronto e devemos apresentar dentro de 40 dias. Este plano mostra as entidades que trabalharão em grandes acontecimentos, como as secretarias do município, exército, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Celesc, empresas de abastecimento de água, mas detalha a função de cada um deles. Dentro deste plano de contingência, está incluso a evacuação de pessoas. Temos mapeado praticamente 27 locais para abrigar os moradores e um script de quais os trajetos para chegar nestes locais. A evacuação deve ser preferencialmente por estas vias que em breve devemos apresentar para a população. Fizemos este plano com a participação dos órgãos de segurança, em breve, devemos fazer uma reunião com os responsáveis pela Comissão Municipal de Defesa Civil para de fato oficializar este plano. Em fevereiro, já devemos ter ele finalizado e vamos soltar para a comunidade. Logicamente, precisará de aprimoramento, até porque é o primeiro. Surgirão ideias, novos caminhos que venham melhorar este plano.

Notisul – Uma das grandes tragédias que assolou os tubaronenses foi a enchente de 1974. Existe a possibilidade de ocorrer novamente e em proporções maiores?
Rafael – Sim, infelizmente pode ocorrer de novo. Os dados históricos de toda climatologia da chuva na região nos mostram que são cíclicos as fases do clima. Então, já tivemos semelhante à enchente de março de 1974, registros de inundações no final do século 19, em 1894, houve uma grande cheia. Em 1928, houve também uma inundação que causou sérios problemas no município. E, posteriormente, o fatídico ano de 1974, com 99 mortos e prejuízos incalculáveis. As condições atmosféricas que propiciaram aquela chuva em 1974 não se repetiram até hoje, conforme o tempo vai passando as chances de isso ocorrer aumentam. Ações precisam ser feitas e uma delas como a redragagem do Rio Tubarão. Ele tinha muitas curvas, isso fazia com que a vazão da água fosse bastante pequena e muito estreita. Com a retificação terminada em 1982, a vazão do rio aumentou consideravelmente, em torno de dois mil metros cúbicos por segundo, antes era em torno de 400 ou 500 metros cúbicos. Em 1974, a vazão chegou a 3,9 mil metros cúbicos, mesmo com toda a retificação se ocorrer novamente não vai aguentar toda água. O projeto atual de redragagem do Rio Tubarão está quase pronto, isso é um ponto importante. Agora, a secretaria de defesa civil do estado prepara o estado de impacto ambiental desta obra. Esperamos que daqui um ano, as obras de redragagem comecem e isso vai certamente minimizar em casos de grandes cheias, pois o nosso rio já perdeu um pouco de sua capacidade em função do assoreamento. Vale destacar que só isso não resolve o problema. Uma série de outras obras precisa ser feitas. Após a tragédia de 1974, foi levantada a hipótese de represas, diques, ou canais extravassores que liguem o Rio Tubarão ao oceano. Há uma série de alternativas que precisam ser estudas, mas que ainda não foram. Estamos em contato por meio dos integrantes da defesa civil estadual com uma empresa japonesa que fez um trabalho no Vale do Itajaí. Precisamos mobilizar a comunidade, órgãos de segurança pública, além de forças políticas para realizar um estudo de toda Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão para que no futuro possam ser feitas obras destes canais extravassores, aumentar a largura do rio, diminuir o processo erosivo que existe ao redor. O prefeito Olavio e o vice, Akilson Machado (PT), além dos funcionários da defesa civil, buscam soluções para o sistema de drenagem não especificamente só do rio, como das vias públicas, que são bastante deficientes, da década de 1970, o que ocasionam os conhecidos alagamentos. Devemos em breve implementar algumas obras para diminuir este problema específico, em especial nas ruas da Vila Moema, Oficinas, Andrino. Estamos procurando realizar um grande plano municipal de drenagem, já existe um esboço. Precisamos de uma coisa macro, que tenha um estude todo o município, tanto a parte urbana, quanto à rural. Quando tivermos este grande plano diretor de macrodrenagem, as condições da cidade serão outras. É um projeto ambicioso, para 30 anos e estamos apenas iniciando. É um trabalho caro, mas buscamos parcerias com instituições que mostrem quais as obras que devemos fazer. No final da nossa gestão, em 2016, esperamos começar as licitações para iniciar os trabalhos.

Notisul – Qual tipo de chuva e vento para acontecer uma grande inundação e quais os principais pontos de riscos de Tubarão?
Rafael – Só para ser ter uma ideia, para transbordar (popularmente conhecido como colocar água para fora) o Rio Tubarão é preciso estar acima do nível em torno de 5,20 metros. As primeiras comunidades atingidas são: Bom Pastor, Guarda margem direita, e a região da Madre, onde a população já tem esta convivência com este histórica de cheias. Nos casos de alagamentos de alguns pontos podemos citar a Vila Moema, algumas vias de Oficinas, também do bairro Santo Antônio e no Dehon, próximo a rodoviária e a Unisul. Entretanto, com este obra que é dito como macrodrenagem, aquele problema deve minimizar. Com alguns trabalhos feitos em novas tubulações e também equipamentos para fazer o bombeamento da água, na Vila Moema deve minimizar os alagamentos. As áreas suscetíveis a deslizamentos de terra são o bairro Congonhas, São Martinho, Fábio Silva. São as residências que estão nas encostas, já realizamos um trabalho de conscientização. Já monitoramos estes locais e começamos a dialogar com a comunidade para se prepararem. Precisamos de um geólogo para realizar este trabalho. Em relação ao transbordamento do Rio Tubarão no centro, é preciso que o nível chegue próximo a 7,8 metros. Precisaria ter uma precipitação de chuva em torno de 500 milímetros, em 1974, em um dia choveu 240 milímetros e o rio já havia transbordado em algumas localidades (Passo do Gado, Campestre, quilômetro 60). Na noite do dia 24 de março, pelos registros, houve uma bomba d’água que não teve como não colocar água para fora do leito. Vale ressaltar que não é só a chuva que cai na cidade, mas sim nos municípios da região, principalmente no Vale do Braço do Norte, Orleans, Lauro Müller, São Martinho. A saída da Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão (5,9 mil quilômetros quadrados) é o Molhes da Barra, em Laguna
Nesta enchente, o Rio Tubarão chegou a 9,5 metros acima do nível do mar. No centro, veio a aproximadamente 70 centímetros acima da calha, ou seja, cobriu a cabeceira da ponte nos dois lados. Sempre às margens do rio são os locais mais altos. Quem vai ser menos atingido é quem mora a beira-rio em termos de quantidade de água. Próximo a antiga Souza Cruz, algumas residências tiveram 12 apenas centímetros. Cada enchente traz um pouquinho mais de areia e a margem vai ficando mais alta ao longo dos anos.

Notisul – Com o sistema que vocês possuem na defesa civil é possível prever quanto o rio transbordará?
Rafael – Não, este sistema nos ajuda, mas não é o suficiente. Temos dois pontos de monitoramento em Orleans e São Ludgero. Precisamos incrementar a rede, colocar alguns pontos em Grão-Pará, por exemplo, mas nas últimas chuvas mais fortes em agosto do ano passado já conseguimos verificar o pico máximo do rio em Orleans, com um período de diferença de oito horas em relação a Tubarão. Já pretendemos aprimorar isso.

Notisul – Existe algum sinal de alerta ou de perigo para avisar a população caso o Rio Tubarão esteja no nível máximo e próximo de transbordar?
Rafael – Não existe. Neste novo plano de contingência de Tubarão, vamos contar com os órgãos de comunicação, principalmente rádio, televisão e jornais para comunicar os moradores. Ainda não existe este mecanismo, pretendemos utilizar nas áreas mais suscetíveis. Em 1974, não tinha um sinal de alerta. Queremos utilizar um aviso via celular, existe esta possibilidade, pois hoje em dia todos possuem este tipo de aparelho eletrônico. Os sinais de que o rio está enchendo devem ser enviados às pessoas. Não está descartado a utilização de sirenes até porque o sistema eletrônico pode entrar em colapso na hora da tragédia. Além disso, buscamos implantar a comunicação via rádio dentro da secretaria de defesa civil, isso ainda não existe. As nossas estações meteorológicas são interligadas via celular, queremos também colocá-las para funcionar via rádio, pois pode funcionar sem energia elétrica. São etapas que devem ser vencidas. Já temos uma rede de monitoramento que nos dá certa segurança, mas temos que aprimorar para agilizar as rotas de fuga.

"Recuperamos várias comportas da beira-rio e também algumas bombas que estão em pleno funcionamento"

"As tempestades acontecem e não podemos prever quando uma nova tragédia semelhante ou ainda pior do que a fatídica enchente de 1974"

"Tem muitas coisas a fazer dentro da secretaria de defesa civil de Tubarão, mas esbarramos nos demorados trâmites burocráticos "

"Até pode ser que um dia se coloque um megafone para avisar a população de que o rio está próximo a transbordar para auxiliar na evacuação"

"Quem disparou um sinal sonoro em 1974, quando o Rio Tubarão transbordou, foi a Souza Cruz.
Existia uma régua de medição bem em frente."

Perfil
O tubaronense Rafael Marques tem 53 anos, é casado com Vanessa de Carvalho Rosa Marques, pai de Heloísa e Beatriz, tem sua formação inicial em química industrial em 1982, depois cursou engenharia química na Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina (Feesc), hoje Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), e atuou no ramo. Em seguida, decidiu se interessar por geociência, onde fez seu mestrado em geografia física na Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), concluído em 2010. Em 2013, assumiu o cargo de secretário da defesa civil de Tubarão, na gestão do prefeito Olavio Falchetti (PT). “Encarei como um grande desafio na minha carreira profissional assumir esta função. Gosto muito do que faço, fiz um amplo estudo sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão e me interessei sobre as histórias relacionadas à enchente de 1974”, enfatiza.

Rafael por Rafael
Deus – todo poderoso
Família – o mais importante
Trabalho – dignificante
Passado – conhecimento
Presente – desafio
Futuro – aplicação do conhecimento