“Precisamos colocar Deus no centro de nossa vida”

Com 35 anos dedicados à religião, Dom João Francisco Salm nasceu em 1952, em São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, onde fez o primário. Em 1965 entrou no seminário, em Antônio Carlos, onde ficou dois anos. De lá seguiu para Brusque e estudou Filosofia. Depois, na capital, cursou teologia no Instituto Teológico Santa Catarina (Itesc). Após concluir a faculdade, foi ordenado padre. Em 1980, começou os seus trabalhos no Seminário de Azambuja, em Brusque. Em 1984 se tornou reitor. Em 1992, em Florianópolis, foi o formador reitor do Seminário de Teologia da Arquidiocese, onde ficou por 17 anos. Além disso, ainda exerceu várias funções ao trilhar a vida católica, inclusive como administrador diocesano na capital. Assumiu como bispo, em Tubarão, no dia 24 de novembro do ano passado.
 
 
Mirna Graciela
Tubarão
 
Notisul – Qual a sua avaliação deste um ano como bispo em Tubarão?
Bispo João Francisco Salm – A melhor impressão possível. Fui recebido pelo povo de forma muito mais positiva do que poderia imaginar. Uma acolhida afetuosa, fraterna, simples. Neste ponto tenho muito a agradecer. Assim como também aos padres, a aceitação por parte de todos foi ótima, isso tudo me fez um bem grande e me ajudou a entrar na diocese. Tenho uma imagem bonita da população e do clero. Depois, é uma diocese que tem uma linda história, claro, como dificuldades e lutas como qualquer família e grupo humano. Há um grande desejo de acertar, um enorme esforço de colaboração. É uma igreja viva! Este ano, além de tudo, tivemos essa motivação toda da Jornada Mundial da Juventude. Os jovens se mobilizaram bastante aqui, foram 800 para o Rio de Janeiro. Isso não é pouco e não foram outros que os levaram, eles tomaram a iniciativa, fizeram promoções, e conseguiram envolver grupos diferentes, as pastorais, os movimentos. Houve uma grande integração da juventude com a comunidade como um todo. São todos sinais muito bonitos. Então, minha avaliação ao longo deste ano é positiva e de motivação para continuar trabalhando com alegria. E sou agradecido por isso.  
 
Notisul – Como o senhor vê a importância da juventude na Igreja Católica?
João Francisco – A juventude enquanto etapa da vida é uma fatia muito grande da comunidade, da sociedade, da população. Para nós significa a geração nova, a quem temos que transmitir a fé. Dizia o papa João Paulo II que a igreja tem muito a dizer aos jovens porque são dois mil anos de existência com muitos desafios, situações e culturas diferentes, de experiências muito grandes. Esse longo período em diferentes lugares significa uma grande riqueza de experiências. Quantos enganos, quem sabe quantos erros, mas também acertos. Homens e mulheres de valor se formaram porque acreditaram em Jesus Cristo, pois assumiram ativamente a vida da igreja. Muitos deixaram escritos seus ensinamentos e além do que é ensinamento bíblico, literalmente falando, aquilo que se aprendeu ao colocar tudo em prática. Tudo isso leva as pessoas a adquirirem uma sabedoria. É comum dizermos que os de mais idade têm uma sabedoria que o jovem não possui porque experimentou, enfrentou, sofreu e tira lições que os mais novos não têm. Por outro lado, o papa também disse que a juventude tem muito a dizer à igreja porque tem outro olhar, deseja criar, partir para o novo. Então, não tem ainda aquela tendência a acomodar-se como, em certa idade, pode ocorrer. Eles são de uma importância capital. Para nós tem sido motivo de muita alegria o modo como se manifestaram. É notável em todas as jornadas que os participantes formam uma juventude diferente, eles não aparecem nas colunas sociais, nos quadros das celebridades das televisões e nas páginas policiais. É uma grande esperança para o futuro. O jovem pode fazer tanto, tem tantas habilidades e capacidade. Ao longo da história tem sido assim. Muitos saíram de casa aos 18, 20 anos, para prestar serviços mundo afora e anunciar o evangelho. E essa possibilidade continua hoje.   
 
Notisul – A Igreja Católica em Tubarão surgiu como?
João Francisco – Em Laguna houve um primeiro trabalho missionário logo no início dos anos 1500. Então, são séculos que o evangelho é anunciado aqui nesta região. É uma história longa, bonita, os imigrantes trouxeram a fé, vieram os missionários. Naquele tempo se comunicavam, assim como no Brasil, com a chegada dos missionários, com a expedição de Pedro Álvares Cabral já havia o padre, a celebração da primeira missa no país. 
 
 Notisul – Qual é o papel da Igreja Católica hoje na sociedade?
João Francisco – É importante entendermos que o ensinamento de Jesus, aquilo que era o projeto dele, recebido de Deus pai e que nos trazia, não é algo somente de um religioso por ser religioso. Mas é a vivência do evangelho de tal forma que a vida das pessoas se torne aquela que realmente se sonha para transformar a sociedade, as relações e criar uma cultura nova, um modo diferente de pensar, de agir, de nos relacionar. A igreja reconhece, assume o seu papel de ser evangelizadora, é uma missão educativa, informativa. Ajudar o ser humano a se dar conta de quem é, o significado de sua vida, de como podemos viver para ter uma existência harmoniosa. Viver a fé católica não é somente algo de dentro da igreja como se fosse da sacristia, um momento de celebração. Esta é um dos aspectos de nossa vida. Temos as verdades em que acreditamos, as que celebramos e também o modo como vivemos tudo isso. O modo de viver do cristão deve ser coerente com aquilo em que ele acredita. E, para isso, não precisa se tornar, como se diz, uma beata ou carola, não é necessário. A pessoa pode viver com alegria, normalidade dentro do que ela é, mas de modo diferente. Convivendo, dialogando com os outros, promovendo o bem, como Jesus diz, um reino de justiça, amor e paz. Não sou um membro da igreja, católico, por causa de uma prática, de uma religião, mas porque acredito e sei de fato que, pensando dessa forma, o mundo fica melhor, as relações são outras, com a gente, as pessoas, a natureza e Deus. 
 
Notisul – Quando se fala em religião, o casamento está acima de quase tudo. É difícil manter esta instituição nos dias atuais?
João Francisco – A igreja continua tranquilamente acreditando, com toda a certeza, que a família é necessária, indispensável, é um bem que precisamos. A criança nasce e necessita do pai, da mãe, dos irmãos, dos tios e dos avós. É um conjunto de relações que formam o ser humano. Se a gente se desenvolve no individualismo, não aprende a sentir o outro, a ser solidário, é mais difícil. Tanto é que uma criança crescida no meio de mais irmãos, ela tem já por experiência de vida uma abertura maior a partir dessa que viveu sozinha. Esta vai aprender também, mas é mais difícil. Então, a família é fundamental, faz parte da natureza humana viver assim, o ser humano é um ser social e precisa estar com os outros. Hoje existe muito isso, um individualismo forte, as pessoas pensam bastante em si, existem gestos bonitos de solidariedade, de atenção, mas há uma tendência de cuidar muito do ‘eu’, do que eu gosto e me dá prazer. E essa volta da pessoa sobre si mesma a faz ter que defender muito o seu pedaço e, para isso, tem que se armar e se torna agressiva. É o mundo que temos aí, que promove pequenas e grandes guerras.    
 
Notisul – Existe vida após a morte?
João Francisco – Sim, essa é uma certeza que temos e sem essa convicção a fé cristã não existiria, não teria nenhum sentido. Para nós é simplesmente essencial crer na vida para além da morte. Não há como ser cristão não vivendo e tendo em vista a vida eterna. São Paulo diz que se não houvesse a ressurreição, seríamos os mais dignos de pena – nós cristãos – de todos os homens e mulheres da terra porque estaríamos acreditando e vivendo uma vida que não faria sentido se Jesus não tivesse ressuscitado e se não houvesse para nós a ressurreição.  
 
Notisul – Qual o conceito de céu e de inferno?
João Francisco – As duas realidades dizem respeito à vida para além da morte. O céu é a vida plena de comunhão com Deus para sempre. O inferno é viver pela eternidade afora sem mais poder viver a comunhão com Deus. É como sentir-me privado do seu amor, não porque Deus me rejeita, mas porque eu não o quis. Deus nos ama sempre, essa é outra verdade fundamental. Não faria nenhum sentido para nós a vida cristã se não acreditássemos em seu amor. A grande descoberta que o ser humano pode fazer é de que ele é amado por Deus. Como é importante isso em relação às outras pessoas, que os outros nos querem bem, um filho saber que é amado pelo pai e pela mãe. Dá para imaginar o drama que é, em certa altura, perceber que perdeu o amor de Deus em definitivo porque não o quis? Chega uma hora que a pessoa faz essa opção definitivamente. Como isso é, o juízo, o encontro final com Deus, a gente não sabe. Mas Jesus fala disso, que haverá um momento em que a gente se decide finalmente, favor ou contra. 
 
Notisul – O livro base é a bíblia. Qual o poder que a obra tem na vida de cada católico?
João Francisco – A Bíblia tem duas grandes partes, uma que diz respeito à história do povo de Israel antes da vinda de Jesus. Então, o livro, são vários na verdade, essa escritura é muito rica pois conta, resume a história da experiência que o povo de Israel teve de Deus na sua vida e como Deus se fez presente. É muito interessante ler e perceber isso, como Deus se relacionava com esse povo e ao contrário, as infidelidades do povo, enfim a experiência que fizeram. E também nesta história, do antigo testamento se anunciava, se falava da vida de um salvador, uma história bonita, como os profetas falavam disso. E temos o novo testamento, então o que diz respeito a Jesus e o que vem depois dele. O antigo se torna claro, compreensível como o novo – não dá para separá-lo – e o novo também se torna mais claro se a gente tem presente o antigo velho testamento. Dessa escritura a gente tira tudo, na palavra de Deus está revelado o que tem a nos manifestar. Também é verdade, para nossos católicos isso é muito importante. O que eles ouviram de Jesus não foi tudo escrito nos livros, então temos também aquilo que eles nos ensinaram, chamada a sagrada tradição. São ensinamentos que vem de Jesus Cristo pelos apóstolos que não constam ali. Essas duas coisas têm que se completar, uma não pode contradizer a outra. O que está nos evangelhos e também nos outros escritos, atos dos apóstolos, nas cartas do apocalipse, não pode contradizer aquilo que é a tradição. Uma ajuda a explicar a outra. A sagrada escritura é fundamental, nos orienta e o interessante é que a gente vai comprovando na vida que é verdadeiro. 
 
Notisul – E as pessoas que não acreditam em Deus?
João Francisco – Primeiro temos que ter o respeito por cada pessoa. Agora que, evidente, para nós que acreditamos, achamos que estas pessoas perdem algo de muito importante em suas vidas. Agora, cada um sabe de suas dificuldades, da sua luta. Muitos dizem que gostariam de acreditar, mas não conseguem. As pessoas têm dificuldade de crer. Existem aquelas que se orientam pelas que acreditam. Tenho um exemplo de um padre que conheço muito. Um casal – ela cristã e ele ateu – foi pedir que ele realizasse o casamento deles.  Esse padre disse olhando para o jovem: ‘Mas tu diz que é ateu. Como desejas que eu faça o teu casamento?’. Ele disse: ‘Eu não consigo acreditar, mas creio no senhor, que crê’.   
 
Notisul – Quem é Deus e quem é Jesus?
João Francisco – Deus é a santíssima trindade, o pai, Jesus e Espírito Santo. Jesus é a segunda pessoa da santíssima trindade. Temos um Deus somente, em três pessoas. Isso Jesus nos revelou. Deus é uma comunidade de três pessoas. 
 
Notisul – Como a religião define temas como aborto, pena de morte e homossexualismo?
João Francisco – Desde o momento da concepção ali tem uma vida humana e nós não temos o direito de tirar a vida de ninguém. Ela deve ser respeitada. Se existe um embrião que somente precisa se desenvolver, é uma pessoa humana. A mulher não tem direito sobre o seu corpo? Tem, mas não sobre o da criança. Ela deve ter uma alegria por gerar. Não aceitamos o aborto. A pena de morte é a mesma linha. Sei o que muitos criminosos fazem e muitos acham que se morresse não faria mais mal a ninguém. Por outro lado, é um ser humano, um dia poderia cair em si e mudar. E, mesmo assim, não temos o direito de matar. É claro que se alguém é atacado violentamente e, a pessoa para se defender, resultou na morte da outra, é diferente. Agora colocar alguém no corredor da morte é muito violento. São temas difíceis. O homossexualismo é assim. Primeiro é importante distinguir algumas coisas. Saber viver o que chamamos de castidade. Cada um no seu estado de vida respeitar o seu corpo e o do outro, as várias relações, tratar o outro objetivamente como ser humano, alguém de quem eu não posso me servir simplesmente pelo meu prazer, mas sim amar e ser amado. A Igreja Católica quer respeitar a pessoa com suas tendências, mas não pode aprovar uma vivência de prática do mesmo sexo porque não vê respaldo no evangelho e também não está de acordo com a natureza. No entanto, temos que respeitar a todos. Vivemos um tempo de tantas inquietações, aflições, tantas pessoas tentando acertar. Como vamos julgar alguém que procura Deus com sinceridade? Nossa igreja não fecha as portas para ninguém enquanto celebração. 
 
Notisul – Uma mensagem final.
João Francisco – Que nós tenhamos muita esperança, precisamos sempre acreditar que não estamos sozinhos neste mundo. Deus está conosco, ele guia a história e a celebração do Natal renova esta certeza que ele veio para ficar conosco. Jesus disse: ‘eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Então, a gente, permanecendo unido e acreditando nele, supera todas as dificuldades e encontra a vida. Então, muita esperança, confiança, coragem e alegria!
 
João Francisco por João Francisco 
Deus – É tudo
Família – Experiência fundamental
Trabalho – Necessário, dignidade
Passado – Assumir
Presente – Viver intensamente
Futuro – Empenhar-se com a esperança
 
"Quando esse altruísmo é vivido com disposição cristã, como quem deseja dar a vida, então essa pessoa se torna amadurecida. É alguém que todos gostam de lidar. É um ser humano capaz de passar a vida fazendo o bem, ninguém lhe diz obrigado e ele ainda pensa: ‘Ninguém me deve nada, ainda agradeço porque me deram a oportunidade de amar’. Agora, se faço o bem para alguém e reclamo porque não me agradeceu, não significa que fiz o bem, na verdade fiz porque necessitava que alguém olhasse para mim com um sorriso. Não se trata de uma negociação. Isso não é altruísmo. A gente tem que, em qualquer momento da vida ou no fim, pensar: ‘Tudo o que fiz foi de graça, minha vida é um presente de Deus, fiz porque quero amar meu criador e as pessoas. Ninguém me deve nada". 
 
"No isolamento, a gente se torna hostil, agressivo e não sabe conviver". 
 
"Cremos que o evangelho é colocado em prática, e temos muitas provas que isso muda totalmente a vida de uma pessoa". 
 
 
A série de entrevistas sobre religiões iniciou em março. Já foram abordadas a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os Mórmons, publicada na edição de 9 e 10 de março; Testemunha de Jeová, em 30 e 31 de março; A Igreja Evangélica A Verdade que Liberta, em 20 e 21 de abril; a instituição Nosso Lar, em 18 de junho; a Assembleia de Deus em 29 e 30 de junho; a Assembleia de Deus Independente em 27 e 28 de julho; A Igreja do Nazareno, em 17 e 18 de agosto. A Igreja do Evangelho Quadrangular, em 7 de setembro; A Igreja Adventista do Sétimo Dia, em 26 de outubro e A Doutrina Espírita, em 15 de novembro.