“Pior que o tráfico é não fazer nada”

O único pedido da presidenta do Conselho de Segurança Pública (Conseg) do bairro Passagem, que abrange ainda outras 11 comunidades de Tubarão, Carla de Souza Rosa, 47 anos, era para que a entrevista não abordasse a sua vida, mas sim os problemas da comunidade da Passagem, onde ele vive há 20 anos. Sem medo, Carla conta como é viver na localidade onde está inserida uma das áreas de risco mais preocupantes do município: o Jardim Floresta (Área Verde). Também secretária da Associação dos Moradores do Jardim Floresta, ele busca ajuda para transformar a realidade. E Carla não está sozinha nesta luta. Muitas pessoas do bairro preocupam-se com o futuro. O Conseg que Carla preside, atua, além da Passagem, junto das comunidades  do Campestre, Passo do Gado, Recife, Vila Moema, Aeroporto, Andrino, Santa Lúcia, Praia Redonda , Santa Rita, Mato Alto e Madre.

 

Karen Novochadlo
Tubarão

 
Notisul – Como você e a comunidade do bairro Passagem enxergam a iniciativa do município com o programa ‘Mãos Amigas’, realizado na comunidade do Jardim Floresta (Área Verde)?
Carla – (Risos) É complicado. Não tenho o conhecimento completo do programa Mãos Amigas de Tubarão. Conheço o modelo feito em Sergipe. Se funcionar aqui funcionar como lá, será ótimo. No Sergipe, o ‘Mãos Amigas’ capacita as pessoas para o trabalho, para gerar renda. É uma espécie de ressocialização. Se em Tubarão tivermos uma iniciativa semelhante, será um trabalho louvável. No momento, o programa não supre as necessidades da comunidade. Seria maravilhoso se este movimento fosse feito para unificar a comunidade, como faz o Conseg. Por que toda a comunidade da Passagem não foi chamada para participar? Por que as ações foram feitas somente para os moradores do Jardim Floresta?
 
Notisul – O que mais você sente falta no bairro?
Carla – De esporte, lazer, cultura e trabalho. Começamos o projeto de Cozinha Industrial, com a Unisul. A prefeitura doou o terreno e a Alcoa uma verba para a construção do espaço. Começou muito bem, todos ficaram animados. Mas tivemos que parar por falta de incentivo. Este é o problema. Do que adianta ir para lá fazer um trabalho social que é momentâneo? O que a comunidade quer é campo de futebol, quadra de vôlei, pista de skate, cursos profissionalizantes.
 
Notisul – Como a questão da violência é tratada pela comunidade? Você acha que se nenhuma providência for tomada as coisas tendem a piorar?
Carla – Com certeza as coisas vão piorar. As outras cidades crescem e Tubarão não se desenvolve. Veja os trabalhos feitos em Criciúma na área social. Lá, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) é associado ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps-ad). Ou seja: é um trabalho feito em rede. O governo federal tem verba para isso. A questão da violência deve ser trabalha por meio da prevenção. Não adianta fazer projetos momentâneos. É preciso de clínicas e um acompanhamento integral. Trabalhos sociais não podem ser feitos por um grupo apenas, têm que envolve toda a sociedade.
 
Notisul – Quais os projetos do Conseg hoje?
Carla – Começamos um na escola Martinho Ghizzo, onde a diretoria tinha uma “coleção” do Boletins de Ocorrência em virtude do vandalismo. Pedimos ajuda ao Conselho Municipal de Segurança e fomos lá fazer palestras. Também fizemos uma horta comunitária, em parceria com a Unisul, e começamos a montar, junto com o Rotary Club Leste, um turma de música. Estas pequenas ações transformaram a Martinho Ghizzo em uma escola aberta para a comunidade. A situação melhorou muito. Mas por questões políticas o diretor da escola foi retirado e quando isso ocorre, temos que começar tudo de novo.
 
Notisul –  Você mora há 20 anos no bairro Passagem. O que você viu mudar neste período?
Carla – Quase nada. Começa pelo calçamento. Parece que tudo para ali na rótula da avenida Marcolino Martins Cabral. Parece que o pessoal da Passagem não paga imposto. Quando o prefeito Manoel Bertoncini venceu a eleição, depositei nele todas as minhas esperanças. Até porque ele percorreu todos os bairros da cidade para conhecer a realidade de cada um. Pensei que naquele momento seria feito um plano estratégico para solucionar os problemas de Tubarão, até porque a violência não existe só na Passagem. Mas parou por ali.
 
Notisul – Como os moradores sentem-se a respeito da comunidade?
Carla – Todos estão descrentes. Só na hora da eleição que ocorre algum movimento político, uma melhoria aqui, outra ali.
 
Notisul  – A igreja católica tem se esforçado para melhorar a realidade. Como você vê a iniciativa?
Carla – O padre Edison e as irmãs fazem um belo trabalho social. Na verdade, as igrejas, independente de religião, fazem muita diferença. Se a prefeitura fizesse uma parceria com eles, o trabalho seria excelente. As igrejas dão assistência, recursos, cestas básicas, materiais, abrigos, e tentam internar as pessoas que querem se livrar do vício da droga e do álcool. Temos uma lista enorme de pessoas que pedem para serem internadas. Querem melhorar, serem pessoas melhores. Mas vamos fazer o quê? Levar para onde? Não tem clínica.
 
Notisul –  Como é o trabalho que a Associação dos Moradores do Jardim Floresta realiza?
Carla –  No momento participam do Conseg e do Conselho de Saúde local. Eles têm conhecimento de que a associação pode ser mais atuante e desenvolver projetos. Sabem onde o calo aperta. O problema é que as pessoas estão perdendo a vontade de mudar. Um dos maiores pedidos é escola boa e área de esporte. Mas não adianta só construir um campo de futebol. As crianças precisam de orientação. Que tal construir o campo e fazer torneios? Quem sabe trazer o pessoal da Unisul para ensinar um esporte novo? Nossas crianças não têm mais sonhos. Qual o futuro queremos para elas? Que cidade vamos ter em 20, 30 anos? Hoje, não é preciso começar uma guerra para destruir um país, basta distribuir drogas. Estes dias vieram contar-me como a praça em Capivari de Baixo ficou bonita. Quem nos dera ter uma igual, aqui na comunidade.
 
Notisul – Na sua avaliação, como estão os jovens na comunidade?
Carla – É triste vê-los sem qualquer perspectiva de futuro. É preciso que a cidade crie políticas públicas para não deixá-los entrar no mundo das drogas. Pior que as questões do tráfico são as políticas públicas que não são feitas. Pior do que tráfico é não fazer nada.
 
Carla por Carla
Deus: Tudo.
Família: Tudo.
Trabalho: Prazeroso.
Passado: Maravilhoso.
Presente: Esperança.
Futuro: A Deus pertence.
 
"Os moradores não acreditam mais que possam haver recursos ou melhorias voltadas para a região do bairro Passagem. No Rio de janeiro, as autoridades vão na comunidade, urbanizam estes locais e a comunidade passa a ser um bairro de qualidade. Na Passagem, os moradores não têm mais esperança que isso ocorra. Tudo o que começa não vai para frente, como a cozinha industrial, ou regride, como o posto, que antes era uma policlínica. Todos estão descontentes. E têm razão".