“Os brasileiros esperam que alguém faça tudo por eles”

Amanda Menger
Tubarão

Notisul – Como surgiu a intenção de ser advogado e de se dedicar à defesa dos direitos do consumidor?
Fabrício Benedet
– Eu sempre quis cursar direito e, durante o curso, voltei-me mais para o direito comercial, fiz habilitação em direito comercial e, por ter passado alguns problemas como consumidor com compras de produtos e serviços, optei por me especializar nesta área. Durante o curso, conheci a dona Reneuza Borba (presidenta licenciada da Adocon) e fizemos uma amizade muito sólida. E vou confessar que foi muito difícil fazer parte de uma associação de donas de casa (risos), isso feria os meus brios masculinos. Mas há um tempo, conseguimos alterar o nome da entidade para Associação das Donas de Casa, Consumidores e Cidadania.

Notisul – Você foi eleito pelos sócios da Adocon como vice-presidente. Como foi isso?
Fabrício Benedet
– Eu já participava há alguns anos. Quando teve a última eleição, Reneuza foi reconduzida à presidência e eu, a vice, e agora estou como presidente interino. Todas às sextas-feiras pela manhã, das 9 às 11 horas, eu atendendo gratuitamente os consumidores na Casa da Cidadania, na sede da Adocon.

Notisul – E esta mudança no nome da Adocon teve influência sua?
Fabrício Benedet
– Eu diria que não. Porque, extra-oficialmente, já era chamada assim, e aí foi só a formalização do nome. Porque, dentre os objetivos da Adocon, sempre estiveram os direitos do consumidor e da cidadania.

Notisul – Neste período que você está na Adocon, verificou mudanças no comportamento do brasileiro? Ele procura mais os seus direitos?
Fabrício Benedet
– Acredito que está sim, e não só pelo trabalho da Adocon, mas de todas as entidades que trabalham pela defesa dos consumidores e que fazem parte do Fórum Nacional de Defesa do Consumidor, pelo qual a Adocon faz parte junto com outras 21 instituições. Todas são reconhecidas como de utilidade pública municipal, estadual e nacional, e têm como foco do trabalho, a educação para o consumo e deixar um pouco o exercício do direito para o cidadão mesmo, não que nós não fazemos ações civis públicas e coletivas – já fizemos várias vezes.

Notisul – Em quais ações?
Fabrício Benedet
– Um bom exemplo é o posto de atendimento ao consumidor da Brasil Telecom em Tubarão. A Adocon ajuizou uma ação civil pública e ganhou, como ocorreu também em Lages. Outro caso que podemos citar é a refrigeração de carnes, que antes eram expostas à temperatura ambiente. Foi feita uma ação conjunta entre Adocon, Ministério Público, vigilância sanitária e produtores. Fomos inclusive ameaçados de morte. Nosso grande papel é educar. Porque o brasileiro tem que ter alguém que faça por ele, infelizmente. Quando dizemos que a pessoa precisa entrar com uma ação na justiça, ouvimos que é muita incomodação, que não vale a pena, e acaba pagando a mais porque não quer incomodar-se. De mil lesados, apenas um ou dois reclamam. Aí fica muito fácil para as empresas, porque, para elas, o prejuízo é muito pequeno e continuam a cometer irregularidades.

Notisul – Que outros instrumentos o consumidor tem para se defender?
Fabrício Benedet
– O boicote. Quem não lembra da greve dos caminhoneiros, que pararam o país e o governo teve que reduzir o preço do diesel? Se está muito caro, tem que deixar de lado, não compra. Se o problema é a marca, troca por outra. Na Inglaterra, a Coca-cola precisou distribuir o produto de graça há alguns anos porque teve problemas na produção e os consumidores deixaram de comprar. E no Brasil ainda precisamos avançar neste sentido. Agora, o feijão está caro, o arroz subiu muito também. O jeito é comprar bem pouco, só o necessário ou mesmo não comprar, porque muitos supermercadistas, ao saberem da alta, reduzem a quantidade do produto nas prateleiras para aumentar ainda mais o preço.

Notisul – Quais são as principais queixas que vocês recebem? E por quê?
Fabrício Benedet
– Telefonia, bancos e operadoras de cartão de crédito. Porque os serviços são mal prestados, são empresas que não seguem o código de defesa do consumidor e as leis ordinárias que regulam estas atividades. E, se as pessoas não reclamam, é como se o problema não existisse. Tem que falar mesmo.

Notisul – A Adocon também trabalha com a cidadania. Os brasileiros sabem o que é cidadania?
Fabrício Benedet
– Não, ainda não. Eles confundem cidadania com direito ao voto e com a nacionalidade, sem saber que é um conceito mais amplo, envolve todos os direitos e deveres do cidadão. Este é um dos nossos maiores trabalhos.

Notisul – A entidade surgiu como associação das donas de casa. Eram elas que se reuniam e faziam pesquisas de preço, comparavam os produtos. Por que a dona de casa foi o foco inicial dos trabalhos?
Fabrício Benedet
– Porque são elas que decidem o que a família vai comprar, como comprar. Quando a gente fala em boicote, quem é que vai poder efetivamente fazer isto? A dona de casa. Aquela dona de casa da família simples, que soma 99% dos consumidores. Porque quem tem um bom poder aquisitivo não está nem aí para o preço do feijão e do arroz, ele tem dinheiro para isso. Mas, para a dona de casa que administra o lar, faz muita diferença que o saco de 5 quilos do arroz vai dobrar de preço. É uma forma de valorizar e de unir as donas de casa, para que deixem de ser donas de casa no sentido pejorativo de “empregada” do marido e dos filhos.

Notisul -Na próxima semana, comemora-se o Dia do Trabalho. E ainda hoje a dona de casa não é vista como uma trabalhadora. Isso pode mudar?
Fabrício Benedet
– Acho que mudou um pouco a visão do papel da dona de casa. Isso porque a sociedade mudou e as mulheres conquistaram mais espaço. Sempre brinco com a minha esposa que nós, homens, vamos acabar dominados pelas mulheres (risos) e isso não demora muito não (risos). E acho que esta visão mudou porque as mulheres decidiram e lutaram para que isso ocorresse. Com relação à aposentadoria, o mesmo caso dos trabalhadores rurais deveria ser válido para as donas de casa, se contribuírem para o INSS. Não tem por que não se aposentarem. É um trabalho muito, muito digno.

Notisul – Você teme comparações entre o seu trabalho e o da dona Reneuza? Você continuará a participar dos programas nas rádios, TV e jornais?
Fabrício Benedet
– Não. Já há algum tempo, a própria Reneuza procurava distanciar o seu nome da entidade, ou seja, a Adocon é uma instituição que cuida dos direitos e Reneuza Borba é a presidenta. A participação que era feita pela Adocon continua, irei participar, sim, junto com outros sócios da entidade. Em relação ao programa na UnisulTV, Cidadania, este programa não é da Adocon, e sim da própria TV, mas acredito que não terá grandes modificações.

Notisul – E como é ser presidente da associação das donas de casa? Você entende alguma coisa das “prendas do lar”?
Fabrício Benedet
– Alguns amigos têm me dito que, enquanto eu estiver à frente da Adocon, o nome tem que mudar para associação dos donos de casa (risos). Eu não sou dono de casa (risos), a única coisa que sei fazer bem é cozinhar, gosto bastante, do resto não entendo muito não (risos).