“O sentimento e a dor são condições de nossa evolução”

Jones Elias de Oliveira, 34 anos, nasceu em Tubarão e conheceu o espiritismo quando criança. Ele foi iniciado na doutrina por meio de seus pais e frequentou as aulas de evangelização infantil nos centros espíritas da cidade. Atuou algumas vezes na vice-presidência da 15ª União Regional Espírita (URE), na qual hoje é presidente, função que ocupa há dois anos.  Jones é casado com Daniela Vargas Lemos de Oliveira e tem uma filha de 5 anos. Ele é formado em direito pela Universidade do Sul Catarinense (Unisul), na Cidade Azul e trabalha no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.  Hoje cursa a faculdade de filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), em Florianópolis.
 
 
Mirna Graciela
Tubarão
 
 
Notisul – Como surgiu a doutrina espírita?
Jones – Foi na segunda metade do século XIX, na França, por meio da codificação e publicação de uma obra chamada O Livro dos Espíritos. O autor é Allan Kardec, que na verdade é um pseudônimo de um pedagogo francês nascido em Lyon, em 1804. Com 50 anos, cientista e pedagogo reconhecido em diversas obras publicadas nas universidades e centros de estudos franceses, ele teve contato com um fenômeno muito atual que chamava a atenção das pessoas: as mesas girantes. Na verdade isso começa um pouco antes. Em 1848, nos Estados Unidos da América, em um vilarejo chamado Hydesville, em Nova York, uma família chamada Fox foi, de certa maneira, palco de um acontecimento muito peculiar. Eles moravam em uma casa com fama de ser mal assombrada. Na noite do dia 31 de março daquele ano, batidas insólitas começaram a partir das paredes da casa. E inicia-se um diálogo. A mãe das crianças pergunta quem era. Esse ser invisível, por meio das batidas, convencionadas pela quantidade relacionada a letras, fala o seu nome, que era Charles B. Rosna, um mascate que havia sido assassinado naquela casa. Essa situação causou um verdadeiro frenesi na época, na localidade. As meninas, filhas do casal, são estudadas por cientistas e juízes da suprema corte americana. Depois, há uma migração para a Europa e não somente por meio de batidas, mas das mesas que giravam. Era muito comum as pessoas reunirem-se para isso e terem suas perguntas respondidas. O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, esse era o nome de Allan Kardec, convidado por um amigo, participou de uma dessas reuniões. Em um primeiro momento, ele foi um pouco séptico, achava que encontraria explicações nos fenômenos magnéticos para ter uma explicação física, mas percebe naqueles fatos a presença de uma inteligência diferente dos membros físicos da reunião. E que ali poderiam estar as chaves para as grandes dúvidas humanas: De onde viemos, para onde vamos. Ele percebe que quem respondia as perguntas não eram as mesas, mas esses seres. Homens que tinham habitado o corpo físico e agora,  através dos médiuns, conseguiam agir sobre a matéria. Depois ocorreu um aprimoramento e os médiuns começaram a falar, a escrever. Então, a comunicabilidade entre os dois planos foi mais rápida, objetiva e completa, pois as dúvidas começaram a ser documentadas. Ele publica, no dia 18 de abril de 1857, O Livro dos Espíritos. O espiritismo surge como doutrina na França, em Paris, muito embora os fenômenos espíritas encontraremos em toda a história da humanidade. 
 
Notisul – E no Brasil?
Jones – É interessante que, em pouco tempo, surge no Brasil porque muitos intelectuais ou filhos de pessoas abastadas em nosso país estudavam em países da Europa, especialmente na França, e traziam esta noticia. O espiritismo desde o seu surgimento chamou muito a atenção na Europa. Pulverizou-se com uma rapidez impressionante. As obras vinham, normalmente em francês, porque era uma língua muito falada aqui. Mas, o primeiro núcleo espírita formalmente organizado, no Brasil, surgiu em 1865, na cidade de Salvador, na Bahia. Foi fundado por um senhor chamado Luiz Olímpio Teles de Menezes. Em 1869, ele publica o 1º jornal espírita no Brasil. Quando surgem os movimentos no Brasil, Allan Kardec ainda estava vivo. Ele nasceu em 1804 e desencarna em 1869. Seis anos depois, já tínhamos as obras de Kardec publicadas em português. Em Santa Catarina, temos uma casa espírita em Laguna, é o segundo centro espírita mais antigo do estado, existe há cerca de 105 anos, fundado oficialmente no início do século XX. O primeiro foi um pouco antes, em São Francisco do Sul. 
 
Notisul – Como foi o processo em Tubarão e hoje quantos centros espíritas existem?  
Jones – Em 1948 ocorreu a fundação do primeiro centro espírita em nossa cidade. Encontrou um pouco de resistência na comunidade porque não sabiam do que se tratava, mas, aos poucos, recebeu aceitação da sociedade. Hoje, são seis casas espíritas, nos bairros Oficinas, Passagem, São João Margem Esquerda, Humaitá e Centro. O espiritismo é muito bem organizado em nossa região. A 15ª União Regional Espírita (URE) envolve as cidades vizinhas, como Capivari de Baixo, Armazém, Gravatal, Braço do Norte e Jaguaruna, que possuem núcleos espíritas. A região englobada pela 15ª URE é maior, mas essas possuem os núcleos. Essa é uma divisão feita pela Federação Espírita Catarinense, divisão territorial onde trabalhamos no sentido de levarmos orientações e darmos apoio aos núcleos espíritas que iniciam (função básica).    
 
Notisul – Qual é o papel da doutrina espírita na sociedade? 
Jones – O espiritismo tem como proposta a educação do ser humano para que ele possa se modificar intimamente e tornar-se uma pessoa melhor, uma homem do bem. A proposta é que diante destes princípios tenhamos condições de atuar na sociedade de maneira positiva transformando as instituições e tornando a sociedade um lugar melhor. Mas isso se dá por meio das modificações de nosso mundo íntimo. Na medida em que nos tornamos pessoas melhores, consequentemente o mesmo ocorre em nossa atuação. Uma das bandeiras máximas do espiritismo é de que ‘fora da caridade não há salvação’. Durante muito tempo vigorou nas religiões e em pensamentos filosóficos e científicos de que ‘fora da verdade não há salvação’. O espiritismo não tem essa proposta, não promete salvação de quem quer que seja, não é uma doutrina salvacionista, é uma doutrina de educação e conscientização. Então, cada um de nós, de posse destas informações, vai buscar essa prosperidade. E fora da caridade não há salvação porque justamente através do processo caritativo, da ação em favor de nossos semelhantes, é que vamos realmente desenvolver virtudes antes não possuídas. Ela seria como um bip: benevolência para com todos, indulgência para com as faltas alheias e perdão das ofensas. Este seria o entendimento de caridade conforme o espiritismo vislumbra. Se aplicarmos isso em nossas vidas, provavelmente seremos pessoas melhores e proporcionaremos à sociedade um mundo melhor. Porque teremos o respeito, pensaremos primeiro no próximo, seríamos mais severos conosco e não com o outro, essa é a ética espírita.   
 
Notisul – O que significa o casamento e por que está difícil hoje manter esse sacramento?
Jones – O casamento é uma instituição que demonstra um progresso da humanidade. Quando o indivíduo opta por isso, é uma prova de que está menos egoísta porque já começa a desenvolver certas virtudes, valores, pois compartilha com o outro e desenvolve a necessidade do relacionamento sério, com cuidado e atenção com alguma pessoa. O casamento tem essa proposta de educação. A família é a célula máter da sociedade. De fato, estamos flexibilizando muito as relações, mas isso não é culpa do casamento e nem da família, mas da maneira como estamos encarando essas propostas. Obviamente que nossas escolhas geram efeito, portanto o casamento tem uma função indiscutível. As pessoas de modo geral falam do ‘não casamento’, mas na prática está muito presente. É fato que a família desenvolve um papel importantíssimo porque se conseguirmos incutir valores morais em nossos filhos, encontraremos pessoas que poderão atuar na sociedade macro com muito mais consciência e respeito ao próximo. Se isso não ocorrer, obviamente encontraremos dificuldades e não poderemos lamentar, responsabilizar a Deus ou a outra pessoa se os nossos filhos, no futuro, não demonstrarem coerência, comportamento respeitável porque não tiveram isso como referência em casa. Isso é interessante porque na sociedade, dentro das escolhas atuais que estamos fazendo, e poderemos pagar por isso obviamente, é que nossos filhos acabam sendo criados e educados por outras pessoas, em razão de estarmos trabalhando, transferimos nossas responsabilidades para os professores ou profissionais em nossas casas. E quando deparamos com uma situação futura, percebemos que fomos pais, mas ausentes. Muitas crianças são educadas como órfãos de pais vivos, o que é muito prejudicial. Que tenhamos uma preocupação com nossa questão econômica e bem estar, sem problema algum, mas que nosso bem maior seja o processo de educação de nossos filhos. A escola desenvolve um papel de instrução e, muitas vezes, educa também, mas a educação básica deve ser feita pelos pais.  
 
Notisul – Existe vida após a morte?
Jones – Sem dúvida, o espiritismo tem como um dos seus princípios a imortalidade da alma. Allan Kardec nos seus estudos chegou a essa conclusão através de provas patentes. Vejam que antes do espiritismo se falava do ponto de vista teológico, dogmático, afirmando a imortalidade da alma. Eram bases de fé, das religiões, encontraremos vários filósofos que abordaram isso. Mas o espiritismo faz uma apresentação empírica porque nas reuniões mediúnicas, através das manifestações dos espíritos, temos a comprovação de que eles próprios retornam para nos falar acerca da vida após a morte, dizendo como se encontram, qual o seu estado, se são felizes ou não. E percebemos exatamente que pela maneira como nos comportamos aqui é que seremos felizes ou não após a morte. Mas o fato é que a imortalidade da alma está demonstrada de tal maneira que não há como se negar. Existem provas a respeito disso, catalogadas por cientistas famosos, inclusive, onde o espírito  mostra-se materializado e as pessoas podem tocá-lo. Existe um ponto de vista geral, onde o corpo morre e desencarnamos, deixamos a parte física e retornamos para o mundo espiritual, que não é um lugar geograficamente localizado mas é uma dimensão. Então estamos o tempo todo nos tocando, mas em proporções diferentes. Então retornando ao mundo espiritual podemos estar próximos aos que amamos, mas também em trabalhos, em reuniões. 
 
Notisul – O que é o céu e o inferno?
Jones – Dentro da proposta espírita e até diante da reencarnatória, não existem as figuras de céu e inferno geograficamente localizadas. Na proposta do Cristo que falou que nenhuma das ovelhas que o pai lhe confiou seria perdida, toda a humanidade alcançará a condição de espírito puro, mesmo os que, aparentemente hoje, apresentem alguma dureza no coração ou um instinto de violência, são nossos irmãos em um processo evolutivo. Isso não quer dizer que o indivíduo que cometa um ato criminoso não deva sofrer as sanções humanas, uma coisa não tem nada a ver com outras. Na proposta espírita, céu e inferno são mais estados de consciência. Não é o local que determinará nossa condição de bem estar. Mas para atingirmos isso após a morte, temos que agir bem hoje. Um exemplo, vamos imaginar uma situação: tenho uma filha e na minha morte fui para o céu. Mas ela, apesar do meu esforço, fez escolhas infelizes. Então, vai para o inferno. Como eu poderia  estar feliz no céu ao saber que minha filha querida está penando no inferno? Como ser humano, eu não conseguiria enxergar isso como justiça.    
 
Notisul – Como são tratados o aborto, o homossexualismo e a pena de morte?
Jones – Dentro da visão espírita, a reencarnação inicia na concepção, onde temos vida orgânica e inteligente. É o espírito ligado ao corpo. Todo o ato que praticamos em desfavor dessa criança, desobedecemos a lei de Deus. Somos a favor da vida! Não existe uma justificativa para o aborto exceto nos casos em que a vida da mãe é colocada em risco. Nesta situação prioriza-se a vida de quem já está encarnado. O homossexual deve ser encarado com muito respeito. Os conceitos devem ser bem definidos. O homossexual em si não é sinônimo de uma perversão. Encontramos muitos heterossexuais que têm uma vida sexual muito mais a ser recriminada do que alguns homossexuais. A questão não está na escolha, mas na maneira como nos comportamos. Nada justifica a quantidade infindável de parceiros, de não termos responsabilidades. Não estamos aqui incentivando, de maneira alguma, esta ou aquela prática. Mas sim trabalhando com respeito e amor, conforme o próprio Cristo nos recomendou, de amar a todos indistintamente. A pena de morte não tem sentido até porque não existe morte. Então, seria um engodo. Alcançamos o corpo, mas não o espírito, não a alma. Porque, ao deixar o corpo físico, o espírito leva consigo as suas tendências, o que pode influenciar a humanidade da mesma forma. O espiritismo trabalha com a ideia de buscarmos a educação e a pena de morte não traz nada em benefício da sociedade. Dados estatísticos mostram que, em diversos estados norte-americanos onde a pena de morte existe, não diminuiu a incidência de crimes hediondos. 
 
Notisul – Quem é Deus e quem é Jesus?
Jones – Deus é o objeto da primeira questão do Livro dos Espíritos. Allan Kaderc começa a obra com este questionamento: que é Deus. Até então, seria quem é Deus. Quando se pergunta quem, já condiciono a resposta a uma pessoa. Do contrário, transcendemos isso. O homem fez Deus a sua imagem e semelhança, diferente do que está escrito em Genesis, de Moisés. Nós é que fizemos. A grande parte o imagina como um velhinho, de barbas brancas, que tem sentimentos e pode amar, pois o ser humano é capaz de amar, mas como o ser humano odeia, muitos acham que ele é duro, pode punir e se vingar, que são sentimentos nossos. A resposta é a seguinte: Deus é a inteligência suprema, a causa primária de todas as coisas. Claro que, acima de tudo, é pai, amor, conforme definiu Jesus. Deus é o criador de tudo. Não existe nada antes dele, pois é a causa primeira. Jesus é um dos espíritos que alcançou a posição de espírito puro, é o responsável pelo nosso planeta, é nosso irmão maior, portanto é o guia e modelo da humanidade, quem nos leva com segurança em algum lugar. Se aplicarmos o evangelho dele em nossa vida moral, teremos um ganho significativo. Jesus é modelo e deve ser copiado, mas não podemos fazer isso sem entender o porquê ele fez e como se comportou.
 
 
"As crianças são hoje de uma inteligência incomum. Não basta afirmarmos a necessidade de agirmos bem, de termos bons comportamentos, de pautarmos a nossa existência e levar em consideração o próximo. Se o nosso comportamento nos desmente, os filhos percebem que nossas falas são apenas retóricas e sem consistência e os perdemos para o mundo, onde a internet e as questões tecnológicas são muito atrativas. Às vezes, estamos em casa e não conseguimos o diálogo com eles. Não nos preocupamos com o que pensam, as dificuldades enfrentadas. Tudo está diferente de quando fomos criados. Então é preciso estarmos o tempo todo nos atualizando, sem flexibilizar alguns conceitos, valores, esses têm que ser muito firmes".
 
"Parece-me que há uma ausência espiritual religiosa nos corações das pessoas e isso tem feito com que muitos tomem decisões pautadas em questões materiais".
 
"É preferível que casais não estejam juntos do que unidos e em conflito permanente. Eventualmente até com violência. Veja, não estou aqui incentivando a separação".