“O que o aluno sabe ao sair da escola?”

Amanda Menger
Tubarão

Notisul – Depois de 40 anos em sala de aula, como o senhor observa a educação?
Wilson
– Observo uma grande mudança. A educação tem avanços e alguns estrangulamentos. Tem avanços à medida que novas tecnologias são incorporadas, que professores aperfeiçoam-se, buscam titulação e, com isso, desenvolvem teorias e tentam aplicá-las à prática, avaliar melhor e conduzir melhor o processo de aprendizagem. Tem gargalos, sim, e observamos isso na comparação de resultados. Um deles é o Pisa, programa internacional de avaliação de estudantes, do qual o Brasil participou em todas as edições desde 1997 (ocorre a cada três anos). É um teste aplicado com jovens de 15 anos e não é baseado em memória, e sim em aplicação de conhecimentos. Os resultados são comparados entre os países que participam. O Brasil não se sai bem nestes testes, já melhorou, mas ainda está longe do ideal. Este é apenas um parâmetro. O que o jovem que passou pela escola sabe? Como ele lê um livro, um jornal? Ele sabe fazer cálculos? Sabe calcular juros? Como ele escreve? Nós percebemos de um modo geral que a escrita apresenta problemas na estrutura frasal, de clareza de ideias, de grafia. Se o jovem passou oito, dez anos na escola, supõe-se que ele soubesse se expressar melhor em sua língua. Outro ponto que mudou muito e os professores queixam-se bastante é das atitudes.

Notisul – Como assim?
Wilson
– Nós migramos de uma sociedade em que havia hierarquia. Havia respeito aos mais velhos, às autoridades constituídas, e o professor em sala de aula era uma autoridade, os alunos o respeitavam. O professor dava orientações, cobrava e o aluno respeitava isso. Hoje, se vê casos de alunos que não respeitam o professor, não o consideram autoridade, o rejeitam e quando não o agridem. Vejo que essa é uma mudança para pior. A prática da profissão piorou bastante. E para isso não se vê uma solução a curto prazo. É preciso uma reeducação de valores. Uma conjugação de esforços entre a escola e a família. Não basta só a escola querer educar se a família não der limites, não der os princípios fundamentais.

Notisul – O senhor falou sobre as dificuldades que os jovens têm hoje de ‘ler’ o mundo, mesmo passando pela escola. Onde está o problema?
Wilson
– É uma boa pergunta e uma resposta difícil. Em primeiro lugar, a com a tecnologia, os instrumentos apelam mais para o lazer do que para o dever. O tempo que se dedicava no passado à leitura, hoje, dedica-se ao lazer mais superficial, a consultar a internet. Mas é navegar na superfície, sem profundidade. Lê-se duas, três telas, não mais do que isso. A informação fica na aparência. A leitura exigiria mais tempo e isso não ocorre hoje. Jovens de outras gerações tinham na leitura um passatempo, não tinham internet, nem televisão. A leitura era um bom passatempo e um meio instrutivo e formador. Hoje, somos mais levados à superficialidade. Como mudar isso? Não é fácil. As mudanças não vêm e voltam. Elas vêm e vão adiante, como novas ondas. É preciso resgatar valores fundamentais.

Notisul – O senhor tem participado de diversos congressos, no Brasil e no exterior. Com a globalização, as angústias também se globalizaram?
Wilson
– Tenho assessorado o governo do estado em alguns projetos de interesse da secretaria de educação e convivido com palestrantes de outros pontos do mundo. Depois de alguns dias, parte-se para conversar entre as pessoas e muitos falam de suas preocupações, desejos, conquistas, aflições. E me chama muito a atenção em como o homem é parecido. Eram profissionais da Austrália, da Suíça, da Noruega, Finlândia, França, Hong Kong, México, Inglaterra, Canadá e as pessoas são muito preocupadas com a família, com a correria da vida moderna, com o estresse, com as novas tecnologias e com a educação. A queixa é universal. A Finlândia tem se saído muito bem no Pisa, então, todos querem ir para lá saber como eles atuam.

Notisul – E como eles atuam?
Wilson
– Não há nenhum segredo. A educação para ter resultado precisa de bons professores, bem remunerados; ter boas escolas, bem equipadas; um bom planejamento de ensino e executar; ter ordem, disciplina, cobrança. E aí os jovens naturalmente são bem educados. Deixar à vontade de cada um mostrou-se infrutífero. Agora, só ter o desejo de ter uma educação boa, sem investir nela, efetivamente não dá. O professor que receba dois, três salários mínimos jamais terá condições de ter uma boa formação, um bom equipamento. Escolas caindo aos pedaços, chovendo dentro, crianças amontoadas em galpões, não tem um ambiente propício, não há uma sala de aula confortável, de silêncio. Fazer discurso sobre educação é muito fácil, mas praticar efetivamente a educação como prioridade e traduzir esta prioridade em investimentos concretos, tanto na formação docente, oferta de infraestrutura, de ensino para o estudante, para o estudante que esteja bem alimentado, bem transportado e bons métodos de ensino. Para isso, o professor precisa estar atualizado, instrumentalizado e satisfeito com a sua profissão.

Notisul – O professor também precisa ser avaliado? A estabilidade às vezes é um problema?
Wilson
– A estabilidade é uma questão muito controversa. O professor que é aplicado, bom, não precisa de uma proteção, ele garante-se pela sua capacidade, pelo seu empenho, pelo seu esforço. Aí está a garantia de trabalho. A avaliação deve ser constante, nós sempre somos avaliados, em tudo, em nossa aparência, em nossa profissão. Professor deve ser, assim como qualquer outro trabalhador, avaliado, assim como ele avalia os alunos. Por que não premiar o professor que os alunos têm bons resultados? Já há algumas experiências no Brasil, algumas muito positivas em São Paulo.

Notisul – Sei que o senhor tem um interesse bastante grande pelas novas tecnologias. Como isso surgiu na sua vida?
Wilson
– Sempre fui curioso. O menino pobre que saiu da roça foi estudar porque era curioso (risos). Aquilo veio desde a infância. Quando surgiram as tecnologias digitais, sobretudo a internet, eu fui muito feliz, porque fui desafiado a coordenar a equipe que ia implantar a informatização da Unisul. Ou seja, íamos trocar as máquinas de escrever por computadores, de forma gradativa. Isso foi em 1988/1989. Ainda não tinha internet disponível na época, tanto é que, alguns anos depois, nós tivemos acesso à rede Bitnet, que nem se fala mais nisso hoje. Era um fiozinho que ligávamos no computador, de tela verdinha (risos) e levava a manhã inteira para carregar um programa (risos). A Unisul foi evoluindo e nós pegamos uma boa assessoria para montar a internet, e o backbone – a espinha dorsal de fibra ótica – implantada na época, está até hoje. O que mudou foi a ponta. Nós começamos com grandes computadores e hoje é rede de micros e vemos que a tecnologia de computadores pequenos tomou conta. Para isso, foi preciso pesquisar, conversar com muitas pessoas e aprendi muito. No começo, havia muita resistência.

Notisul – E qual era o medo das pessoas?
Wilson
– Um era o medo pessoal. Estavam acostumados com a máquina de escrever, eu bato e fica aqui. E, se faz no computador, não sei o que ocorrerá depois. Outro medo era de segurança: vou bater as notas e aí todos vão ver? Vamos passar a parte financeira para a internet? Aliás, esta foi uma resistência imensa, porque achavam que ficaria público, e as pessoas poderiam alterar, dar baixa em suas mensalidades sem pagar, iriam alterar as notas (risos). Hoje, tem as ameaças virtuais, as invasões de hackers. E o terceiro medo era o da mudança mesmo. Mas isso foi superado. O uso do computador, da internet, não é mais questionado. Pode se questionar métodos, equipamentos, softwares, mas a internet e a informática tomaram conta do mundo. Ela tem pontos positivos e negativos. Entre os positivos, está o acesso à informação, por exemplo, das contas públicas. Acredito que, com a informação disponível, o controle sobre aquilo que gasta com o dinheiro de todos nós é maior.

Notisul – E os pontos negativos?
Wilson
– O fato negativo é os maus elementos que se aproveitam da tecnologia para enganar, para mandar mensagens falsas ou maliciosas para captar informações pessoais, ou denegrir a imagem. Mas, a par disso, tem um dado muito positivo, e a tecnologia evolui, dos grandes computadores, hoje aos portáteis. Eu estou vendo agora (ele mostra um IPhone) o site do Notisul e posso ler o que foi publicado lá, na palma da mão. Assim posso ler o New York Times, e outros jornais do mundo inteiro.

Notisul – É assim que o senhor informa-se hoje?
Wilson
– Eu uso esse de mão quando estou em viagem ou estou esperando alguma coisa. Tem os jornais, os livros, chamados e-books. Raramente vou a banco, faço todas as minhas transações financeiras pela internet, não vejo grandes problemas se você tiver cuidados básicos. Consultar sempre a sua conta, seu cartão de crédito. Precisa ter cuidados, é como praticar sexo sem proteção. Expor-se tem risco. A grande vantagem da internet é ter acesso à informação.

Notisul – E o professor diante de tudo isso?
Wilson
– O meio não faz a mudança. O que faz a mudança é a essência, são os valores, a prática. Teve muita gente que achava que o retroprojetor, o projetor de slides, o projetor multimídia seria a solução e já estamos passando por isso. A utilização da tecnologia deve ser instrumental. Qualquer assunto o aluno encontra na internet. Qual é a função do professor? É orientar, mostrar qual o peixe deve ser pescado neste mar de informações que é a internet. O professor deve estar informado, saber pesquisar, para depois orientar. É possível usar este material para interessar os alunos, tornar as aulas mais dinâmicas, atrativas. Ainda assim, tem o conteúdo a ser trabalhado, mas estará melhor ilustrado, mais palpável, mais próximo do aluno. E isso em todas as disciplinas.