“O que existe são ‘picuinhas’ locais bobas”

Zahyra Mattar
Tubarão

Notisul – Como surgiu a Unibave?
Reitor Celso
– Através da Fundação Educacional Barriga Verde, criada pelo município de Orleans, pela lei 528, do dia 31 de março de 1977. A fundação foi a primeira entidade criada na região da Encosta da Serra para fomentar o nosso crescimento. Sou suspeito para falar. Eu estava lá, fiz parte desta história, então tenho muito orgulho em falar neste assunto (risos). Se eu exagerar, chama a minha atenção (risos).

Notisul – Pode deixar (risos). Bom, Unibave é filhote da fundação. Mas o ensino superior já existia na região, antes da universidade?
Reitor Celso
– Não exatamente assim. A fundação foi pioneira da área de educação. Foram muitos trabalhos de qualificação profissional na região, coordenou as escolas municipais, cursos técnicos de contabilidade e secretariado, implantou o curso supletivo, desenvolveu o projeto de Escultura do Paredão, feito pelo artista Zé Diabo, e do Museu ao Ar Livre, implantou um curso de marcenaria e a Escola de Educação Básica Barriga Verde. Isso para citar alguns feitos. Por outro lado, a fundação já nasceu com o propósito de ter ensino superior. Houve inúmeras barreiras, amadurecemos e, em 1998, instalamos o primeiro curso universitário, de administração de empresas, que foi, por duas vezes consecutivas, conceito A no provão do Ministério da Educação e Ciência (MEC). Já estreamos na estratosfera. A qualidade no ensino sempre foi o principal foco. Tanto que o Centro Universitário ficou em primeiro lugar, no estado, na avaliação do Enade.

Notisul – E como o senhor tornou-se reitor?
Reitor Celso
– Bom, iniciei meu trabalho de educação com a fundação. Os projetos para a implantação do ensino superior foram feitos por mim. Tive apoio do professor Júlio Wiggers e da professora Ivete Lombardi. Foram duas pessoas importantíssimas na minha vida e neste processo. Após a instalação do primeiro curso, de administração, implantamos outros cursos e criamos o Centro de Educação Superior Barriga Verde (Febave) e somente depois desenvolvemos o projeto de criação do Centro Universitário Barriga Verde (Unibave). Hoje, são 15 cursos e mais alguns projetos em estudo para a região. O nosso propósito maior, no entanto, não é visar lucro, mesmo porque a instituição é de caráter comunitário-social, e sim formar nosso futuro. Crescer como município, como região, como pessoas.

Notisul – E o futuro da Unibave, como o senhor o vê?
Reitor Celso
– Brilhante. Queremos fomentar o desenvolvimento da região. Orleans está inserida em uma região muito rica, na Encosta da Serra. Somos o presente de casamento da Princesa Isabel e temos que ter orgulho disso. São terras férteis, com uma produção agrícola fantástica, um povo hospitaleiro e educado. Somos uma região de poder econômico bom. Por isso, queremos ser parceiros no desenvolvimento. Com o corredor da BR-101, ficamos isolados, esquecidos, e não conseguimos prosperar. Outro entrave para o nosso desenvolvimento foi a questão energética. Há três ou quatro anos, conseguimos, literalmente, nossa carta de alforria, porque foi implantada a subestação de Orleans. Hoje, temos boas estradas, energia elétrica de sobra e estamos prontos para o progresso, o merecido progresso. Este é o futuro da região e da Unibave.

Notisul – A Unibave está onde hoje?
Reitor Celso
– A sede é em Orleans, temos um campus em Cocal do Sul, onde implantamos o primeiro curso de engenharia cerâmica do Brasil, o segundo do mundo (só existia, até então, na cidade de Aveiro, em Portugal). Também implantamos, em Orleans, o terceiro curso do país em museologia. Acredito que a cultura é o caminho para o crescimento. Temos ainda um projeto de implantação de um curso na área agrícola em Braço do Norte. Este ainda está em fase de negociação. Igualmente, estamos em Imbituba e Gravatal, onde disponibilizamos o curso de administração nestas duas cidades. Nossa filosofia é formar empreendedores. Queremos que nossos formandos busquem o desenvolvimento, não apenas busquem o que está pronto. Nada de comodismo. O olho e o pensamento precisam estar focados no futuro. Não no hoje apenas. A cultura, no Brasil é mandar a criança para a escola para ela arrumar um bom emprego. Isto é errado e ruim. Temos que aprender que a escola não serve para isso, a escola prepara cidadãos, não empregados.

Notisul – Mas o senhor não acha que a escola, em certo ponto, é falha neste sentido porque a própria sociedade impõe ao educador um trabalho que não é dele, é da família?
Reitor Celso
– Sim e não. Existe um comodismo dos dois lados. O que critico e coloco é que a família não pode ser isenta na educação dos filhos, mas os professores não podem apenas ensinar o arroz com o feijão. É preciso incentivo dos dois lados. Precisamos ter outro pensamento em relação à educação. Prego que a escola precisa ir atrás dos pais, discutir qual o caminho para sua comunidade. Mas nem que tenha que bater de porta em porta. A mudança é possível.

Notisul – E esta ideia das cidades do Vale do Braço do Norte e da região dos municípios situados na Encosta da Serra de unirem-se em uma nova associação? De onde surgiu?
Reitor Celso
– Não foi de hoje. Isso eu garanto. Esta ideia nasceu quando o padre João Leonir Dal’Alba chegou em Orleans, por volta de 1970. Ele descobriu que tínhamos um tesouro: a região é o presente de casamento da Princesa Isabel. Eram terras nobres e que isso poderia ser algo extraordinário para o desenvolvimento do turismo. Ele também constatou que estávamos à sombra dos centros maiores, que eram Criciúma e Tubarão. Ele dizia para mim: “Como vocês não conseguem perceber que estão isolados e não vão prosperar nunca se não se organizarem?”. A partir daí, surgiu a vontade de criar uma instituição para amparar estas ideias e mexer com a região. Foi quando criamos a Fundação Barriga Verde.

Notisul – Certo, mas hoje querem desmembrar uma região já consolidada. Só a fundação já não bastava?
Reitor Celso
– A fundação cumpriu e cumpre seu papel, seu propósito de criação. Ainda na década de 70, discutíamos com os políticos da região a formação de uma entidade mais forte para o desenvolvimento regional. Cogitou-se, por exemplo, a criação da Associação do Vale da Banha. Na época, a região era grande produtora de banha de porco. Existiram vários nomes, várias tentativas. Teve a Associação dos Municípios do Patrimônio Dotal, a Associação dos Municípios do Presente de Casamento da Princesa Isabel e a Associação dos Municípios da Encosta da Serra Geral. Agora, chegou o momento. A ideia foi enfim amadurecida e poderá realmente sair do papel.

Notisul – E qual o papel da Unibave nesta discussão?
Reitor Celso
– Justamente discutir esta possibilidade. Este é nosso papel enquanto instituição de ensino e desenvolvimento. Quem vai formar (a futura associação) são os prefeitos. Espero que agora, realmente, os políticos estejam maduros para debater melhor esta ideia.

Notisul – O senhor é completamente favorável a este desmembramento?
Reitor Celso
– Mas não tenha dúvidas. Hoje, nós temos uma parte dos municípios voltados para Criciúma e o restante voltado para Tubarão. Isso não pode continuar assim. No fim, estamos uns de costas para os outros e continuamos à sombra do progresso. Estou feliz da vida, porque agora sou um cidadão que em breve poderei ter uma identidade própria. Serei um cidadão da região da Encosta da Serra de Santa Catarina.

Notisul – Quem formará a nova associação?
Reitor Celso
– Convidamos as lideranças políticas de Lauro Müller, Treviso, Bom Jardim da Serra, Urubici, Orleans, São Ludgero, Braço do Norte, Grão-Pará, Rio Fortuna, Pedras Grandes, Gravatal, São Martinho, Armazém e Santa Rosa de Lima. Destes 14 municípios, oito já decidiram que vão criar a associação: Lauro Müller, Treviso, Bom Jardim da Serra, Urubici, Orleans, São Ludgero, Grão-Pará e Gravatal. Isso não tem nenhuma conotação político-partidária, mas sim política de região.

Notisul – Não existe uma briga política por trás da formação desta associação?
Reitor Celso
– Afirmo e garanto. Eu, mais o prefeito de Orleans, Jacinto Redivo (DEM), e o presidente da câmara de vereadores de Orleans, Osvaldo Cruzetta (PP), saímos, os três, com uma carta-convite na mão e convidamos as 14 cidades para o debate. Não teve nenhum partido envolvido, nenhum deputado, senador. Nada. Foi algo que partiu dos prefeitos. Este debate, repito, iniciou na década de 70. O PMDB não tinha nem o P na frente ainda quando esta ideia foi lançada. Acabávamos de sair da ditadura. Não é um movimento político-partidário. É um movimento para organizar a política regional de desenvolvimento comum.

Notisul – Mas, ainda assim, o que parece é que há um desmembramento político e não apenas para fomentar desenvolvimento regional, como se prega.
Reitor Celso
– Tenho trânsito com todos os partidos políticos, converso com os deputados da Amurel, da Amrec, da Amesc. Nenhum deles manifestou-se contra. Veem isso como algo muito bom a ser feito. O que existe são “picuinhas” locais bobas. Acho que a Amurel e a Amrec deveriam dar a maior força para fortalecer a Encosta da Serra. A formação da associação é o fortalecimento da região sul. Os municípios que se unirão não têm nada a perder, somente a ganhar. É importante quando todos crescem, quando todos prosperam. Existem pessoas que acham que segurar o outro a ficar na pobreza é uma maneira dele mesmo ficar rico. É o contrário. Se todos forem ricos, eu também serei. É assim que funciona.

Notisul – O senhor acredita que é isso que ocorre na região?
Reitor Celso
– Se for, estão errados. Se for para ser assim, uma região crescer em detrimento da outra, temos que ir morar todos em uma região só. E aí não dá. As comunidades construíram-se uma longe da outra porque cada uma tinha algo importante para a outra. Estamos onde estamos por conta do carvão. Será que Tubarão teria prosperado se não existisse o carvão lá em cima (refere-se à região de Lauro Müller)? A ferrovia só passou por Tubarão porque na época a cidade já tinha um poder político mais forte. Também merecemos o progresso, ainda que tardio. Ninguém quer viver na pobreza.

Notisul – A formação da associação, então, pode-se dizer, é algo histórico?
Reitor Celso
– Quando os primeiros colonizadores chegaram à região, o que foi dito: derrubem as matas, queimem e plantem. Foi o que fizeram. Em 40 anos, não tinha mais o que derrubar. Então, eles foram para o oeste de Santa Catarina e do Paraná fazer o mesmo. Na década de 50, perdemos 30% da nossa população para o estado do Paraná, porque lá tinham terras novas para serem derrubadas, queimadas e plantadas. Em 1956, chegou à região a cultura do fumo, que ensinou técnicas para recuperar o solo, especialmente através do adubo orgânico. Olha a riqueza que se transformou toda esta região quando se aprendeu coisas novas. E é isso que ocorre agora: aprendemos coisas novas.

Notisul – Por todos os convidados serem cidades pequenas, será que a entidade pode não nascer tão forte como se imagina?
Reitor Celso
– Uma pergunta: a gente nasce forte ou fraco? Fraco, não é!? Nascemos e somente depois disto vamos aprendendo, conhecendo. A Febave, quando surgiu, tinha 30 funcionários, hoje são 300. Ninguém nasce grande. Nada se constrói do telhado. Será o nascimento de mais de 150 mil catarinenses, residentes nestes municípios convidados. Além disso, em vez de termos três regiões brigando pelo sul, teremos quatro fortes regiões na luta pelo desenvolvimento comum.

Notisul – O senhor falou que a região da Encosta da Serra teria uma nova identidade cultural com a formação da associação. E qual seria a identidade econômica?
Reitor Celso
– Acredito, ou melhor, ainda vejo a região forte na produção de alimentos. Mas também já começamos a despontar na indústria da madeira, do plástico. No futuro, vejo o turismo como a principal atividade. Temos atrativos e história para isso.