“O museu precisa muito de ajuda para não precisar fechar as portas”

Sempre bem humorado e com inúmeras histórias para contar, o carioca da Urca, nascido em 18 de março de 1933, formou-se em medicina. Seguiu a carreira de anestesista, especialidade que o trouxe, além os bons amigos, a Tubarão, lugar que encontrou reconhecimento e a esposa Marlen. Da Cidade Azul nunca mais mudou, teve dois filhos e agora, já com netas, confessa que mesmo aposentado tem sempre muitos compromissos, aliás, assim é sua agenda diária. Nas artes, a literatura e a fotografia são paixões muito próximas, descritas nas páginas de seu último livro, Caminhos da Natureza. Outro destaque do ‘jovem’ de 81 anos é sempre planejar seu futuro. Escreve no fim de cada ano uma lista das coisas que ainda irá realizar e continua a surpreender, como fez no passado ao ser um atleta de halterofilismo e jogador de basquete, apesar de não ser alto, mas, para José Warmuth, estes e outros fatores, que para alguns possam ser um impedimento, para o tubaronense de coração e sotaque carioca a vida ainda lhe reserva inúmeras aventuras.

Silvana Lucas
Tubarão

Notisul – Como um médico recém-formado do bairro da Urca, no Rio de Janeiro, veio trabalhar em Tubarão?
José Warmuth Teixeira – Sempre me dediquei à minha profissão de anestesista. Naquela época não existia um curso específico para estas e outras áreas, o que se aprendia era por meio do conhecimento de alguém mais experiente, que passava de um profissional para outro. Desta forma, iniciei meus estudos e trabalhar nas cidades interioranas foi sempre meu sonho de médico. Em 1960, meu grande amigo, também médico e carioca, Pedro Augusto Mena Barreto, veio trabalhar na Companhia Siderúrgica Nacional, em Siderópolis, e como sempre estivemos em contato, contou-me que o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão, precisava de um anestesista. Gostei da ideia, vim aqui e um mês depois já morava e trabalhava na Cidade Azul, lugar que nunca mais pensei em sair.

Notisul – O senhor está aposentado?
José Warmuth –
Somente como  anestesista. Ainda continuo e pretendo continuar a trabalhar. Atualmente, sou médico auditor do Plano de Saúde Conceição, do HNSC, professor para os residentes do hospital e presidente da Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor (Salv), entidade do Museu Ferroviário, além de membro da Academia Tubaronense de Letras (Acatul) e outras atividades que não deixo de realizar.

Notisul – Qual a sua ligação com a criação do Museu Ferroviário?
José Warmuth –
Sou como dizem, ‘o pai da criança’. Observei o interesse que os forasteiros, pessoas de fora tinham pelos nossos trens, porque a Teresa Cristina foi a última ferrovia a desativar as locomotivas a vapor, praticamente no mundo todo. Foi uma das últimas a não usar este transporte no trabalho corriqueiro. Talvez,  a China tenha utilizado um pouco mais este sistema, fator que contribuiu com o interesse de estrangeiros em nossa história. Onde já tivemos visitantes australianos, fora os europeus, americanos e demais povos. Sempre notei que havia muito interesse externo pelas maria fumaças e, como estas estavam desativadas, resolvi ajudar à construção de um museu, na verdade, temos um tesouro em nossa cidade, pouco valorizado na região.

Notisul – O que temos no acervo do museu?
José Warmuth –
Umas 20 locomotivas a vapor, um acervo fantástico e gigante da história do país. Temos 12 locomotivas recuperadas e restauradas, mas também temos outras espalhadas que aguardam reforma. Temos um trem de turismo reformado, para realizar  passeios com a comunidade pela região e um acervo riquíssimo de documentação, além de peças e objetos típicos da ferrovia.

Notisul – O que falta ao museu atualmente?
José Warmuth –
Recurso. O museu precisa de muita ajuda. Os materiais são magníficos. Fazemos um novo galpão. Quando fecharmos esta estrutura, aliás, a empresa Tereza Cristina nos ajuda muito. Inclusive colabora na conclusão deste espaço, além de nos auxiliar quando o nosso trem de turismo tem algum problema no trajeto. A empresa prontamente nos socorre, sem custos para o museu, além de nos franquear a linha, trabalho que em outros centros são cobrados alugueis pelo uso, também nos emprestam as oficinas, já reformaram duas locomotivas e trabalham na reforma dos vagões dos trens de turismo. Temos muito apoio por parte desta concessionária. Em meu livro, sobre a ferrovia, há um capítulo que fala sobre os documentos, onde encontramos 32 relatórios realizados por ingleses, com descrições detalhadas do trabalho da ferrovia, onde constam também os tipos de produtos transportados, como suínos, madeira, sal, mandiocas, carvão e tantos outros elementos. No relatório também há registros de números de imigrantes transportados por mês em nossas terras.  

Notisul – Quantas pessoas trabalham no museu?
José Warmuth –
Este também é uma dos nossos maiores problemas. Nosso efetivo é muito pequeno. Atualmente, quem toca o local é a Silvana, a Lorilza e eu, que sempre que posso estou por lá. Antes tínhamos o Dorival, um artista plástico, que nos ajudava. Frequentemente, temos que ir a Florianópolis, em órgãos como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), no patrimônio da união e em outros diversos locais para tratar de assuntos burocráticos. Levar e trazer uma papelada necessária para tentar captação de recursos, na qual realizamos com meu carro. Contribuo também como representante do museu em diversas ações pelo país. 

Notisul – Onde o Museu ainda pode chegar?
José Warmuth –
Nosso museu ferroviário pode ser o mais importante do sul do Brasil, em função do acervo que possui. Há uma contrariedade nossa, uma frustração, é que tanto o povo quanto o poder público, não se dão conta da importância deste local para história de Santa Catarina.

Notisul – Como é o funcionamento atual e há visitações no local?
José Warmuth –
Algumas escolas levam alunos para conhecer, até temos um pouco de constrangimento porque o local está incompleto. Por isto, quando vocês passam pela frente do museu o portão sempre está fechado. Precisamos terminar o galpão, precisamos de outra estrutura para poder dispor os objetos de uma forma mais correta e apreciável. Temos que organizar tudo conforme leis destinadas a exposições de materiais históricos, leis de segurança e leis de acessibilidade. Enfim, cumprir com muitas regras, das quais algumas já realizamos, mas são inúmeras as obrigações. Precisamos também de uma reserva técnica, ou seja, são peças de locomotivas a vapor que não se fazem mais, que estão ao tempo, como rodas, cilindros, enfim um grande número de materiais que precisam de um abrigo e de segurança. Há alguns dias tivemos que colocar arames farpados nos muros, porque vândalos entravam para roubar peças raras, de valores enormes,  que supostamente eram vendidas em ferros-velhos, por trocados. 
 
Notisul – Além da medicina e o trabalho no Museu, o senhor se identifica na região ao participar de atividades culturais. Quais são elas?
José Warmuth –
Diria 100%, escrever. A literatura e também a fotografia. Como minha esposa e eu gostamos de viajar e já conhecemos 62 países, tentamos conhecer, sempre que possível, museus e galerias. São inúmeros já visitados e obras de arte famosas conhecidas, como a Mona Lisa, de Da Vinci, o Pensador de Rembrandt e tantos outros. Nestes passeios, a fotografia, além de ser um registro, vira um momento de dedicação ao meu olhar temático.

Notisul – O senhor já se envolveu com algum partido político? Tem alguma filiação? 
José Warmuth –
Nunca me envolvi com partidos. Eu poderia ter sido prefeito de Tubarão, isto há tempos a trás. Eu fazia meu trabalho de anestesista, e um dia um colega também médico e político da cidade, me fez um convite. Chegou bem sério e me disse você quer ser prefeito? Eu falei candidato? Não respondeu ele, prefeito de Tubarão. Pedi um tempo para pensar na proposta. Se eu tomasse esta decisão, iria me tomar muito tempo de minha vida profissional, além disto, eu também exercia atividades intelectuais e associativas intensas. Escrevia muitos artigos para revistas científicas, revistas de anestesiologia e de medicina. Eu também era na época presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologistas, então agradeci, mas não aceitei. Além de eu não ter tempo, eu me imagina na esquina da rua São Manoel, no centro, onde antes existia o antigo Pastelão, em pé fazendo campanha. Pensei bem e vi que realmente este não era meu mundo. Continuo sem partido e voto em amigos, sempre vou pelo candidato. 

Notisul – Além da parte cultural, o seu nome também é muito lembrado no esporte. Qual a relação?
José Warmuth –
Quando eu era jovem, no Rio de Janeiro, participava muito de competições esportivas e já cheguei a ser representante do Clube Botafogo de Futebol e Regatas, lugar onde treinei, como halterofilista. Para os que não sabem, este esporte tem categorias, muito parecidas com o boxe, com as diferenças de peso, e eu é claro, pertencia a categoria dos levantadores mais leves. Também sempre gostei de basquete, que também não era para mim. Era armador, mas não consegui participar na equipe profissional do clube carioca. Ao chegar a Tubarão, continuei com minha paixão pelo basquete e por aqui, fui convidado na época, pelo ex-prefeito Irmoto José Feuerschuette  para ser o coordenador da Comissão Central Organizadora (CCO) dos Jogos Abertos em Tubarão. Resolvi  também pouco tempo depois, promover o basquete na cidade, onde criei uma escola para prática deste esporte, onde anos depois fiquei como dirigente e conseguimos vários tipos estaduais. Fui também por quatro anos presidente do Atlético Clube Ferroviário e médico do time. Fiquei na direção e realizei diversas melhorias no local. Tínhamos no clube, um bom time de Futsal feminino, fizemos quadra de bocha, tínhamos times de vôlei. 

Notisul – Como o senhor observa ter o seu nome em um ginásio esportivo que está em péssimo estado de conservação? 
José Warmuth –
Há algum tempo me diverti muito a ouvir uma conversa entre dois locutores esportivos… comentavam sobre a situação dos ginásios de Tubarão. Onde ao falar dos locais, somente se dirigiam ao nome.  “O Otto Feuerschuette o vento levou os telhados e o José Warmuth este está um caco”. Dei muitas risadas. Atualmente, a administração da área é bem indefinida, porque antes pertencia à antiga Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, já extinta, agora, talvez, seja da prefeitura, não sei ao certo. Fato que ninguém assume definitivamente a conservação.  Quando construímos o ginásio, à época, modéstia parte, era um destaque, tinha sauna, teve as primeiras tabelas de vidro da região, construímos palco para apresentações, cabines para radialistas transmitirem jogos, local reservado para autoridades na arquibancada, vestiários caprichados e também uma sala que eu praticamente gostava  muito. Reuni todos os troféus que o clube tinha conquistado, reformei os que estavam danificados e construí um armário, expositor de vidro para expor as premiações. Era um ótimo ginásio de esportes.

Notisul – Se fosse para escrever a sua história, o que senhor mudaria ou manteria? 
José Warmuth –
Completaria. Estou com 80 anos, tenho uma vida longa e muito cheia de histórias para contar, desde a minha infância, a bancos da universidade e em minha vida no hospital. Já escrevi seis livros e tenho mais de 700 crônicas prontas, que talvez eu as transforme em uma publicação de crônicas. Faço aulas de francês, somente para conversação e sempre que posso estou com minhas netas, acho que não conseguiria ficar parado esperando o tempo passar.

Warmuth por Warmuth
Deus
– Aceito com ressalvas
Família – Importante
Passado – Rico
Trabalho – Afinco
Presente – Realidade
Futuro – Programado

 "O olhar por meio da câmera fotográfica é apaixonante".

"Peças de museu são vendidas em ferro-velho. Infelizmente isto é Brasil".