“O hospital virou um grande posto de saúde”

Foto:Fotos: Priscila Loch/Notisul
Foto:Fotos: Priscila Loch/Notisul

A psicóloga e administradora hospitalar Patricia de Toledo, 43 anos, assumiu oficialmente o cargo de diretora executiva do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão, há pouco mais de um mês. Com 20 anos de dedicação à área da saúde, a paulista recém-chegada do Rio de Janeiro tem experiência em vários hospitais e há 16 anos iniciou o trabalho com a Associação Congregação de Santa Catarina. O cardiologista e ecocardiografista Cristiano Alexandre Ferreira, 38 anos, novo diretor técnico, está na cidade há mais tempo, quase seis anos. Além do HNSC, o gaúcho de Rio Grande atua também em duas clínicas. 

Priscila Loch
Tubarão

Notisul – Como vocês encaram esse desafio?
Patricia – É realmente um grande desafio, pois o hospital é muito grande, muito complexo, regional. Atendemos em algumas especialidades a região e em outras o estado inteiro. O hospital conta com uma boa equipe, uma boa estrutura física. É claro que ajustes e adequações têm que se fazer, e passam pela formação de equipe. Mas é um desafio bom. O hospital tem muitas possibilidades de crescimento, de desenvolvimento. É um desafio que a médio e a longo prazo pode trazer bons frutos. 

Cristiano – Para mim, é um desafio enorme, mas muito gratificante, porque estou há pouco tempo aqui. Ter meu trabalho reconhecido para mim é muito bom. Fiquei muito feliz com o convite. Sabemos que precisa melhorar muito, avançar muito, porque o sistema de saúde está entrando em falência e as demandas são cada vez maiores, o número de pacientes do SUS é cada vez maior, e precisa dar uma assistência adequada e focar na qualidade do atendimento ao paciente. Essa é minha função. Se eu conseguir melhorar a qualidade, diminuir os riscos a que o paciente é submetido e fazer com que o hospital seja melhor utilizado pela população, com aproveitamento melhor dos leitos, acho que minha missão vai estar cumprida.

Notisul – A mudança da administração do hospital, da Sociedade Divina Providência para a Associação Congregação de Santa Catarina, gerou uma série de dúvidas quanto à manutenção dos serviços, especialmente pelo SUS. As irmãs da Divina Providência sempre fizeram o possível para garantir atendimento a todos, e agiam na maioria das vezes com o coração. O que realmente mudou com a troca de comando?
Patricia – A Associação Congregação de Santa Catarina também é uma associação de irmãs. Temos o mesmo cunho filantrópico. Temos preocupação com o atendimento do SUS, que não está ameaçado de jeito algum. O que talvez mude e já vem mudando é profissionalizar mais a gestão. Estamos atravessando e vamos atravessar um ano de muita crise, e se não focarmos na gestão daqui a pouco desmorona. Um hospital desse tamanho precisa de muitos recursos. Como Cristiano falou, a demanda é cada vez menor e o recurso cada vez menor. Vamos ter que olhar um pouco mais detalhadamente os custos para tudo que envolve a manutenção do hospital, uma instituição que precisa de dinheiro para funcionar. Nos outros anos, pode-se até atuar um pouco mais com o coração. Mas em uma crise é preciso estar focado na razão, para conseguirmos dar o mesmo atendimento, com a mesma qualidade, mesma resolutividade. Estamos aqui para olhar para o paciente. É claro que para conseguir fazer isso com menos dinheiro temos que reduzir custos, olhar um pouco mais para a gestão. Mas, de uma forma geral, o escopo e os serviços não vão mudar. Muito pelo contrário, pretendemos na hora que estruturar ampliar a gama de serviços. Estamos começando a planejar, para que assim que possível ampliar. O perfil do hospital, o atendimento ao paciente não vão mudar.

Notisul – Quais os principais problemas enfrentados pelo HNSC no momento?
Patricia –
O principal é a demanda do pronto-socorro. Fizemos uma reunião recentemente com os prefeitos eleitos da Amurel, porque nosso pronto-socorro atende uma demanda gigantesca e o grande problema é que a maioria dos casos não tinha que estar aqui, poderia ser resolvida em uma unidade básica ou um pouco mais avançada, dentro de seus próprios municípios. Temos dentro do hospital um infartado do lado de um com dor de cabeça, ou dor nas costas. Sem olhar isso em volume, acaba prejudicando o que está grave. Porque há um volume imenso, tem que cuidar de todo mundo. Fazemos uma classificação de risco que a própria população não entende. Hoje, esse é nosso maior problema. Na verdade, não temos um repasse proporcional ao volume, que é inesgotável. Precisamos tentar equacionar isso, por isso chamamos os prefeitos.

Notisul – Além da gestão no hospital, essa solução passa também pela gestão do setor da saúde nos municípios…
Patricia –
Exatamente. Sem a gestão pública, não vamos conseguir evoluir. Por mais que façamos uma ótima gestão aqui, se não conseguirmos essa parceria com as prefeituras do entorno, com o governo do estado, não evoluiremos. Somos um hospital regional.

Notisul – A Unidade de Prontoatendimento (UPA), cuja construção está parada, apesar de não ser mais projetada para funcionar 24 horas, ajudará a resolver esse problema?
Cristiano –
A tendência é que melhore. Porque 80% dos atendimentos realizamos na emergência não necessitariam estar na emergência, poderiam ser resolvidos nos locais de menor complexidade. Isso corresponde a um universo de 4,5 mil pacientes por mês que poderiam estar fora da nossa emergência e nós tratando os outros 1,5 mil que realmente precisam. Temos dois calcanhares de Aquiles: a emergência, com uma população que não para de chegar e não damos conta de absorver; e a UTI, que temos bastante leitos – 20 conveniados pelo SUS, 10 particulares (cerca de 60% são invadidos pelo SUS), temos a UTI Neonatal, com mais dez leitos. Mas esses leitos não são suficientes para a região. Esperamos que a questão da emergência consigamos resolver com as prefeituras, para que nos deem um aporte financeiro para diminuir o prejuízo e estruturar melhor para receber os pacientes, que são responsabilidade deles. O hospital virou um grande posto de saúde. E ao mesmo tempo vamos tentar buscar recursos, com o estado, para investir no aumento do número de UTIs, reforma do pronto-socorro, com possibilidade de mudança de local dentro do hospital. 
Patricia – As condições da emergência não são as ideais. A nossa pretensão é trocar de lugar, para melhorar as condições para os pacientes. 
Cristiano – Outra questão muito importante é a nossa busca por apoio dos empresários, através da Associação Mãos que Salvam Vidas (Amav), que está se reestruturando e é através dela que a população vai poder contribuir com o hospital, com qualquer quantia. Hoje, não há essa interação. Tem um grupo enorme de voluntários, cerca de 300, que ajudam muito. Porém, também precisamos de recursos que podem vir através dessa associação. Temos o projeto de fazer uma campanha para que a população e os empresários colaborem financeiramente para que possamos ampliar serviços, melhorar instalações.

Notisul – Hoje, o prejuízo é de aproximadamente R$ 365 mil ao mês na emergência. E como se paga essa dívida?
Patricia –
Como somos filantrópicos, a empresa não tem lucro e o dinheiro gira dentro do próprio sistema. As casas da associação – são 32 no total – que têm resultados positivos sustentam as casas que têm resultados negativos. Como estamos negativos, recursos da associação estão sendo direcionados. Precisamos pelo menos ser autossustentáveis, não precisa dar lucro. Além disso, temos que fazer investimentos. A tecnologia avança rápido. Aparelhos médicos custam uma fortuna. Precisamos ser sustentáveis e ter uma reserva para ir trocando e acompanhando as tecnologias.

Notisul – Falando em investimentos, que projetos existem a curto, médio e longo prazo?
Patricia –
Inicialmente, a emergência. A mudança para o primeiro piso deve custar R$ 5 milhões. Temos uma área nobre do hospital ocupada com a parte administrativa. Precisamos melhorar ainda nosso parque tecnológico, temos planos de fazer alguns investimentos a médio e longo prazo. Para isso, precisamos de uma recuperação financeira. E talvez alguns serviços, mas ainda estamos avaliando. É tudo uma cadeia. Se conseguimos melhorar a estrutura do pronto-socorro, conseguimos agregar mais algum serviço. Hoje, algumas estruturas não têm condições nem de agregar um serviço. A ideia é crescer.

Notisul – Hoje, qual a estrutura do HNSC?
Patricia –
Temos 1.328 colaboradores, 160 médicos, 33 residentes, 400 leitos.

Notisul – Os prefeitos não contribuem financeiramente como deveriam, é verdade. Uma das justificativas é a falta de recursos. Acreditam que os novos gestores podem fazer melhor com relação a isso?
Cristiano –
Tubarão contribui, mas está atrasado. As prefeituras estão com graves dificuldades financeiras, acho que grande parte deles tem boa vontade de contribuir, dentro de suas limitações, mas não tomou pé ainda da situação das prefeituras. A grande contribuição que eles podem dar é a influência política. Pegar os 18 prefeitos da região e ir lá bater na porta do governo do estado ou conseguir alguma verba federal às vezes é mais importante que contribuir com R$ 5 mil, R$ 10 mil por mês. O Joares (Ponticelli, prefeito eleito de Tubarão) se comprometeu, ele é bem engajado, tem bom relacionamento político e pode conseguir formas de pelo menos minimizar o prejuízo.
Patricia – E todos os prefeitos eleitos que participaram da reunião se mostraram bastante disponíveis. Eles estão chegando, não sabemos se terão condições. Alguns não tinham ideia de quanto os seus municípios usam no hospital. Foi uma interação importante. E uma coisa que dissemos na reunião e que volto a repetir é que neste momento de crise, se a gente não se unir, ninguém vai sobreviver. Temos que fazer parcerias com a sociedade, com o empresariado, com os políticos para nos sustentarmos conseguirmos passar por essa crise. O momento é de dar as mãos.

Notisul – E chegou a ser definido um segundo encontro com os eleitos, para depois que assumirem?
Cristiano –
Vamos visitar cada prefeito depois individualmente, para alinhar com eles e secretários de administração, de gestão sobre valores baseados no número de atendimentos. Tem algumas cidades que usam pouco até. Mas tem muitas que usam demais. Tubarão é a cidade que mais usa, é lógico. O hospital nunca esteve tão alinhado com o poder público como agora. A chance de ter algum furto positivo é bem grande. 

Notisul – Voltando à questão da emergência, há frequentes reclamações por parte dos pacientes. Percebe-se que em algumas situações falta humanização. Como é trabalhado este tópico?
Cristiano –
A questão da humanização passa primeiro por treinamentos dos funcionários que estão na linha de frente, por redução de estresse dos funcionários. Isso vem de várias formas, como dando um ambiente decente para ele trabalhar, diminuindo a pressão em cima dele e com a melhora do ambiente e da velocidade de atendimento para o paciente. Porque se a pessoa fica três horas esperando fica mais doente. O paciente e o médico ou enfermeiro às vezes viram inimigos, pois é uma panela de pressão. Por isso que acho que a perspectiva de uma reforma ou de uma modificação de lugar já traz um traço de humanização importante. E tem a questão da enfermagem também, estamos fazendo algumas modificações no pessoal da gestão do setor e educação continuada, com treinamento para que saibam atender o cliente. Tem que se saber que o doente sempre tem razão e não tem culpa de estar doente. É difícil chegar ali embaixo (emergência), é um local em que já se chega com medo, fragilizado.
Patricia – Isso também passa pela estruturação ou da educação em saúde dos municípios. Quando se faz uma classificação de risco, não tem jeito e os verdes – que são os menos graves – ficam muito bravos. Porque a dor que a pessoa está sentido é sempre maior que a do outro. Mas daí tem o vermelho, amarelo, laranja, que são de casos bem mais graves. Então, se conseguirmos de alguma forma redirecionar o menos grave para unidades de complexidade menor conseguiremos priorizar quem está realmente mais grave, num tempo menor, com mais humanização. Não adianta! Não se consegue humanizar com seis, sete mil atendimentos. A não ser que se tenha um batalhão para atender, o que financeiramente é inviável. Vai passar sim por treinamento, reestruturação de equipe, se Deus quiser por reestruturação de área física e vamos humanizar o máximo possível. Mas não vejo como isso vai ter um resultado muito bom se não passar por essa questão da estruturação dos municípios.

Notisul – O resultado da humanização no hospital depende muito também da humanização nas unidades de saúde. É preciso mudar esse sistema de quantidade determinada de fichas por dia.
Cristiano –
O atendimento nos postos de saúde deveria ser por livre demanda, o médico atender o que vier.
Patricia – Vamos ter que nos aproximar do próximo secretário de saúde para tentar fazer um trabalho conjunto.

Notisul – Como estão as dívidas do estado e dos municípios da região com o hospital?
Patricia –
O estado tem algumas coisas atrasadas, mas não está aquele problemão como temos visto em outros estados. Está indo. A gente enxuga gelo.
Cristiano – O município de Tubarão tem uma dívida de quatro anos atrás, de R$ 400 mil, que está ajuizada, e a atual administração tinha uma dívida, parcelou e vem pagando em dia. Era R$ 40 mil ao mês e o prefeito está pagando R$ 60 mil. Capivari de Baixo também fez um parcelamento e está pagando em dia. Tem também um valor ajuizado de administração anterior. Para fazer jus ao número de atendimentos que tem, a prefeitura de Tubarão teria que contribuir com R$ 200 mil, R$ 300 mil por mês. Cerca de 70% dos atendimentos são de Tubarão.

Notisul – Que projetos desenvolvidos e atendimentos oferecidos merecem destaque e quem sabe até podem ser expandidos futuramente?
Cristiano –
A cirurgia bariátrica tem uma certificação internacional e existe uma esperança de que possamos credenciar o serviço pelo SUS. Hoje, é só por convênios e particular, mas é um serviço de excelência. Nosso setor de cardiologia também merece destaque, talvez seja a melhor do estado. O nível de atendimento que se presta ao paciente cardiopata é muito alto. O tempo de atendimento de um infarto aqui supera Florianópolis, Porto Alegre. Temos uma estrutura muito boa, com serviço de hemodinâmica, cateterismo, UTI coronária, cirurgia cardíaca – com resultados excelentes e índice de mortalidade muito pequeno, enfermaria cardiológica. Temos também os ambulatórios de alta complexidade, que dão o suporte a essa rede que falta nas prefeituras. Tenho bastante orgulho desse hospital. Já trabalhei em muitos e esse é um hospital de alto nível.
Patricia – É um hospital muito bem estruturado, com um corpo de médicos muito competentes. 

Notisul – Como está o projeto de expansão do serviço de oncologia, já que o HNSC oferece apenas quimioterapia e quando precisa de radioterapia o paciente precisa ir até Criciúma?
Patricia –
Temos um projeto que já está aprovado no Ministério da Saúde para termos radioterapia. Só que tem toda uma burocracia. Tem que liberar a construção. 
Cristiano – O prédio da radioterapia vai ser no terreno da frente do hospital e toda a oncologia vai para lá. Estamos aguardando as definições. A nossa oncologia também é um serviço de referência. 
Patricia – O projeto vai custar R$ 3.585 milhões. Acredito que saia no decorrer de 2017, porque o investimento já está aprovado. É só uma questão de liberação. As irmãs da Sociedade Divina Providência doaram o terreno para a implantação. As irmãs ainda estão muito presentes, continuam aqui dentro.
Cristiano – A presença das irmãs é fundamental pela credibilidade que elas têm, pelo carinho da população.