“O Hercílio é um gigante adormecido”

Joceli dos Santos é técnico do Hercílio Luz, de Tubarão. No futebol há 39 anos – 17 como goleiro profissional e 22 como treinador -, o ‘manezinho da ilha’ de 57 anos fala o que pensa. Na última terça, anunciou a sua saída do Colorado e só voltou atrás após receber garantias de melhores condições de trabalho. Linha dura para muitos, paizão para outros. Do seu jeito, conseguiu ascender à Série A do Estadual por três vezes, façanha que lhe rendeu o apelido de “Rei do acesso”.

 

 
Cleber Latrônico
Tubarão
 
Notisul – Você já treinou dois clubes de Tubarão. Como foram essas experiências?
Joceli – Em 2007, o Atlético Tubarão era o Cidade Azul. Lá, fui campeão da 2ª divisão. Em 2008, recebi um convite do Hercílio Luz. O clube tinha feito sete jogos sem ganhar nenhum. Vim, fiz um clássico com o Próspera, onde ganhamos de 5 a 0 e depois fomos jogar fora, contra a Camboriuense, e perdemos por 1 a 0.  Depois, veio a virada do turno onde tínhamos traçado um planejamento para reformular o plantel. Recebi um telefonema dizendo que eles não teriam condições de bancar os atletas que viriam e nem de me pagar. Disse que não teria problema. Saí e eles me pagaram. Então, foram apenas dois jogos pelo Leão. Foi mais para apagar um incêndio.
 
Notisul – Você acha que a cidade tem condições de manter dois clubes profissionais?
Joceli – Eu tenho uma opinião formada sobre isso. Imaginem que os dois subam. Se neste momento já está difícil de buscar recursos, imaginem só na 1ª divisão. Teria que ser um clube só. Porém, a coisa tem que ser bem feita, não de boca. Ah, mas com a rivalidade não dá certo. Como é que deu certo em Joinville e em Criciúma, onde entre Metropol e Comerciário era a maior guerra. Hoje, tem um Criciúma e uma torcida forte. A richa entre Ferroviário e Hercílio acabaria em oito ou dez anos. O Anibal Costa é um estádio maravilhoso, confortável, que comporta qualquer tipo de jogo. Treinaria lá embaixo (Domingos Gonzalez) e jogaria aqui. E a cidade se voltaria para o novo clube que levaria o nome da cidade, logicamente. Cores? Esqueçam cores. Faz com uma cor diferente e pronto. O Criciúma não fez uma cor diferente?
 
Notisul – Na última terça-feira, você chegou a anunciar a sua saída do clube e só mudou de ideia depois do presidente lhe dar algumas garantias. Quais foram os seus reais motivos? 
Joceli – A grande verdade é que na outra semana já não estava legal. Eu disse à diretoria que não tinha medo de não receber. Tenho certeza que receberei no final do mês e os jogadores também. O problema é estrutura, é o dia-a-dia de trabalho, era a cozinha, outro dia não conseguiram ônibus, jogadores morando em hotel com família. Pedi pra alugar quitinetes, pois uns têm bebês e precisam lavar as roupas deles. Acho ridículo o profissional morar embaixo de arquibancada. Para a base, tudo bem. Então, tudo isso bate no treinador. Eu tenho que ter condições de trabalho, e eu não estava tendo. E tudo isso culminou na terça-feira, quando chegamos e não tinha café por causa de uma briguinha de funcionários. Como é que vou treinar os atletas se não tomaram café? Ali foi a gota d’água. E eu disse: vamos parar por aqui que é melhor. Contratem outro profissional que aceite isso. Hoje, o clube está tentando dar a volta por cima. Todos os dias, cinco, oito, dez dirigentes estão aqui em busca de algo pro clube. Isso deveria ter sido feito há mais tempo. O futebol tem que ser profissional. Acabou o tempo do amadorismo. O clube hoje precisa de um gerentão para que o treinador só pense em treinar. Meus jogadores estando bem eu também estou bem. Eu não quero apartamento. Eu quero que arrumem para os jogadores. Eles é que têm que vir para cá, vestir o uniforme com vontade de e sentir-se bem. Isso reflete em campo. 
 
Notisul – Qual a sua expectativa para os clássicos?
Joceli – Confesso que, com o acúmulo de coisas aqui, eu ainda não parei para pensar nisso. Sei que vão ter no mínimo dois clássicos e a rivalidade é grande. Mas vamos deixar para pensar nisso quando estivermos com o grupo definido.
 
Notisul – Qual a sua opinião a respeito dos empresários que, desde muito cedo, assediam jovens atletas e muitas vezes vendem ilusões?
Joceli – Tem empresário e empresário. Uns exploram e outros ajudam. O que ajuda é aquele que, quando o atleta fica desempregado, o camarada paga, ajuda na formação, na aquisição de bens. Têm outros que só botam o jogador no clube para ganhar os 10% e depois esquecem o cara. Esses, para mim, não deviam existir.
 
Notisul – O que você pode prometer à torcida hercilista?
Joceli – Eu estou há 39 anos respirando futebol e nunca prometi nada para ninguém em nenhum clube que passei. Agora, trabalho, dedicação, vestir a camisa e buscar o melhor para o Hercílio, isso sim. Não posso prometer nada. Trata-se de jogo. E jogo você sabe, é loteria.
 
Notisul – Quanto à Série A do Estadual passar a ter 12 clubes, você é contra ou a favor?. 
Joceli – Estou vibrando com essa possibilidade. Burros foram os que assinaram há três anos para ser com dez clubes. E esses que assinaram, já caíram para a 2ª divisão. Avaí, Figueriense, Criciúma e Joinville botaram na cabeça deles de que tinha que ter somente dez ou oito, isso porque eles só pensam neles. Mas, e os clubes do interior? E os outros? Então, eles que façam um quadrangular entre eles e o estadual com os outros clubes. Seriam mais dois técnicos, dois roupeiros, dois auxiliares técnicos, enfim. E são quantas famílias? Já que são 25 atletas para cada clube. Agora, tem que ser o que está escrito. Os dois que caíram este ano têm que disputar a divisão especial. Mas isso vai depender dos clubes. Eles aprovaram 12 times. Então, que subam quatro equipes da 2ª divisão e se respeite o estatuto do torcedor. Apesar de que eu acho esse estatuto o maior ‘migué’. A Chapecoense caiu no ano passado e voltou esse ano. 
 
Notisul – Qual é o segredo para se conseguir tantos acessos e títulos? E qual a receita para se ter um grupo “na mão”? 
Joceli – Não tem segredo não. Se tivesse, seria trabalho. E acho que a receita para se ter o grupo na mão é ser parceiro. Mas esse meu jeito carrancudo é onde eu consigo trazê-los para meu lado. Eles vão pra dentro de campo e correm pelo clube e pelo treinador. 
 
Notisul – O que mais te irrita no futebol?
Joceli – Desorganização. 
 
Notisul – E o que mais te agrada?
Joceli – É chegar a um lugar e ter tudo para trabalhar. Não precisa ser coisa de 1º mundo. Mas que tu pegues o material, mesmo velhinho, mas que cheire bem, limpinho. Ser pobre não é defeito, mas ser pobre e porco daí é complicado.
 
Notisul – Você tem algum sonho no futebol catarinense? 
Joceli – Sim. Eu tenho um sonho e está aqui comigo. Eu sei que ainda vou ser campeão do estado, mas, para isso, eu preciso treinar um time de ponta e começar o trabalho. Assim, sei que consigo. E o time que Joceli sonha para esta conquista está bem aqui pertinho, é o Criciúma.
 
Notisul – Você tem algum clube no coração?
Joceli – Eu era Figueirense quando moleque, por incrível que pareça. Mas hoje eu sou muito grato ao Avaí. Lá, eu me tornei jogador profissional, depois corri o mundo e, quando voltei, me tornei treinador no Avaí. Então, eu torço muito por ele. 
 
Joceli por Joceli
Deus: É tudo.
Família: Suporte de tudo.
Trabalho: Sem ele não se vive.
Passado: Coisas boas.
Presente: Trabalhar no que gosta. 
Futuro: A Deus pertence.
 
"A verdade é que hoje Joceli dos Santos carrega um nome. E, quando eu anunciei que viria para o Hercílio, 
muita gente me questionou. Mas eu digo que estou em um clube dos mais antigos do estado e que precisa se estruturar. 
E poderá ser um time grande se organizar-se".