“O Eca nunca foi colocado em prática como deveria”

Rafael Andrade
Tubarão

Notisul – Qual a sua avaliação em relação à comarca de Tubarão na área da promotoria da infância e da juventude?
Osvaldo Cioffi
– A cidade me oferece a possibilidade de uma atividade muito interessante, mas temos necessidade de uma atuação mais forte, de todos os poderes e entidades públicas, no que diz respeito ao atendimento de crianças e adolescentes, onde incluo também o Ministério Público. Essa deficiente falta de atenção à criança e ao adolescente não é uma realidade só daqui, mas de todo o cenário nacional.

Notisul – Tubarão tem aproximadamente 100 mil habitantes e este ano já ocorreram sete homicídios, cinco deles cometidos por adolescentes. Isso chama a sua atenção ou é uma realidade de outros municípios brasileiros?
Osvaldo Cioffi
– Não é exclusividade de Tubarão. A maioria das cidades tem envolvimento de adolescentes com a prática de ato infracional. Há, sim, falta de investimentos, é notório vermos os adolescentes fora da escola, sem atividade de lazer, sem poder praticar esportes. Não há cursos profissionalizantes nem complementares disponíveis gratuitamente. Eles ficam à mercê do tráfico de drogas e, em consequência, praticam atos inflacionais. Isso é uma situação que sempre existiu e vai continuar existindo. O que podemos fazer é investir para que isso ocorra com menos frequência.

Notisul – O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está bem adequado ou há necessidade de uma reavaliação nas leis?
Osvaldo Cioffi
– O Estatuto existe desde 1990 e até hoje não foi colocado em prática como deveria. Vários direitos não são observados e respeitados, há falta de vagas em creches e escolas. Nos postos de saúde, o atendimento é inadequado em todo o Brasil. Não há como fazer uma avaliação, sendo que as leis não são aplicadas corretamente. O ECA é muito moderno e é referência para a criação do estatuto de outros países, como Suíça e Suécia, por exemplo, os quais se baseiam pelas nossas leis de proteção às crianças e adolescentes.

Notisul – A sua atribuição é apenas com adolescentes infratores?
Osvaldo Cioffi
– Atuamos com tudo o que for afeto à criança e ao adolescente, como modificação de guarda, destituição do poder familiar, processos de adoção e atos infracionais.

Notisul – Como funciona o processo de adoção?
Osvaldo Cioffi
– A criança é encaminhada para adoção porque os pais entregam espontaneamente. Há casos de destituição do poder familiar – quando os pais não cuidam dos filhos corretamente. Quem tem interesse em adotar precisa preencher um formulário, apresentar uma série de documentos e, posteriormente, aguardar na fila de espera. O cadastro é consultado e a criança encaminhada. Qualquer outra forma de adotar diferente disso é ilegal.

Notisul – Há muitas pessoas interessadas na adoção?
Osvaldo Cioffi
– Isso é sigiloso, não posso revelar exatamente o número, mas é impressionante como as pessoas têm interesse na adoção.

Notisul – Onde ficam as crianças que aguardam adoção em Tubarão?
Osvaldo Cioffi
– Existe na cidade um programa chamado Família Acolhedora, os quais o casal fica com a criança por um período de seis meses, enquanto se discute se há retirada ou não do poder familiar dos pais biológicos e providencia-se a adoção. A partir do momento que se consulta o cadastro e a família tem interesse na adoção, inicia-se o período de convivência.
Notisul – Quem pode adotar uma criança?
Osvaldo Cioffi – Tanto pessoas casadas quanto solteiras. Idosos também podem adotar. Família é a relação que existe de preocupação, de auxílio mútuo, de amor, carinho e afeto. Ou seja, não necessariamente a criança ou o adolescente ficará com um casal.

Notisul – Existe algum caso que chamou mais atenção durante a sua vida profissional?
Osvaldo Cioffi
– Até agora, foram duas situações. Uma delas foi o segundo júri que participei, em Itajaí. Foi um caso muito polêmico, um homicídio, onde a vítima saía de uma boate com a noiva e foi morta. Ele estava de casamento marcado e sua noiva grávida. O plenário estava cheio e foi muito difícil lidar com o júri. O julgamento começou de manhã e terminou no meio da madrugada do outro dia. A outra situação que mexe comigo e sempre ocorre é quando presencio pais vindo até o fórum fazer uma ‘entrega’ espontânea. Deixam os seus filhos para adoção. São crianças com 2 anos ou mais, que já têm um conhecimento de pai e mãe e, de repente, os veem indo embora para nunca mais serem vistos. A criança fica chorando… isso é de arrebentar o dia de trabalho de qualquer um. Arrepia.