“O Brasil precisa conhecer a sua história”

A professora Deise Scunderlick Eloy de Farias é coordenadora do Grupo de Pesquisa em Educação Patrimonial e Arqueologia da Unisul há 11 anos. Atualmente, faz o estudo sobre peças encontradas, no fim do mês passado, no fundo do mar da costa sul da Ilha de Santa Catarina. Também coordena escavações em sítios arqueológicos de sambaquis na Amurel. Deise é formada em história, com mestrado e doutorado na área de arqueologia pela Pontifícia Universidade Católica do RS.

Karen Novochadlo
Tubarão

Notisul – Você mencionou uma vez que a região é rica em sítios arqueológicos.
Deise
– Temos na região uma ocupação antiga muito grande. Vai de dez mil anos atrás, até o contato com o europeu. Os sambaquieiros são os grupos que conhecemos como os mais antigos. Existe a possibilidade de encontrarmos grupos mais antigos no interior.

Notisul – Quais os trabalhos que o Grupo de Pesquisa em Educação Patrimonial e Arqueologia esteve envolvido?
Deise
– Nós fizemos alguns trabalhos pontuais na Casa de Anita, pesquisas históricas. No Memorial Tordesilhas, fizemos um projeto arqueológico. Temos o projeto de arqueologia pré-histórica dos sítios “Sambaquis e Paisagens”, que envolve mapeamento e escavação de sítios arqueológicos do complexo lagunar sul. Não envolve somente o município de Laguna, como também Tubarão, Jaguaruna e Capivari de Baixo. No último trabalho que fizemos, envolveu Treze de Maio. E temos também o projeto Arqueologia na Mata Atlântica (AMA), que envolve os 17 municípios da Amurel.

Notisul – No que consiste este AMA?
Deise
– O projeto tem o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Trabalhamos há cinco anos com ele. Mapeamos e escavamos vários sítios arqueológicos. Um destes que trabalhamos detalhadamente fica em Rio Fortuna, na comunidade de Rio Facão. Há algumas datas no sítio, o que demonstra que na região houve uma ocupação intensa e antiga. O projeto tem como o objetivo entender a ocupação humana na Amurel, desde a pré-história. E também a evolução paleoambiental. Nós temos estudos da flora e da dispersão de espécies vegetais pela região.

Notisul – O que vocês descobriram com este estudo?
Deise
– Temos várias descobertas. Uma delas é que não são de grupos nômades. Mas grupos sedentários e estáveis, que estão há muitos anos vivendo no mesmo lugar. Isso caracteriza um ambiente com muita riqueza, para ser explorada tanto em recursos alimentares, quanto em artesanais, medicinais. Também há a questão de madeiras e plantas utilizadas no tingimento de tecidos. Todo ambiente daquele entorno faz com que o homem queira ficar ali um por muito tempo. Eles não precisam circular para coletar o alimento. Além disso, também há a questão cultural. Os grupos escolhem os ambientes também pela forma que se afeiçoam ao espaço. Um exemplo é o cemitério, que é uma marca cultural importante em uma sociedade. Ali, estão enterrados os ancestrais, pessoas que ajudaram a construir aquela história.

Notisul – Você tocou na questão paleoambiental. A vegetação muda com o tempo?
Deise
– Sim. Há mil anos, o clima ficou mais úmido e com muita chuva. Houve uma expansão das florestas. A araucária começa a se expandir mais para o leste. Tem uma relação muito grande entre as mudanças ambientais climáticas com a vegetação. E, automaticamente, com a fauna e grupos humanos.

Notisul – Eu desconhecia que a arqueologia também tratava de outros aspectos além da atividade humana…
Deise
– A arqueologia é uma ciência que procura entender as sociedades humanas do passado. As sociedades ágrafas, que não têm escrita e, para você compreendê-las, é necessário entender com os homens se relacionavam entre si e com o ambiente. Para você entender isso, precisa compreender a dinâmica ambiental. Na arqueologia, você estuda a evolução da paisagem a partir dos carvões. O carvão vegetal pode indicar, por exemplo, se o grupo cortava ou coletava árvores para fazer as fogueiras. Podemos indicar o tipo de árvore que encontravam. Temos estudos que mostram, nos sambaquis do litoral, que havia muito pintangueira nessas áreas. A madeira queimada era este tipo de árvore. Então, é um indicador de como era o ambiente há 5 mil anos. Isso tudo a arquelogia estuda, porque precisa entender a relação do homem com o meio-ambiente.

Notisul – Quando você consegue compreender o passado, pode fazer previsões para o futuro? Quanto às questões ambientais, por exemplo?
Deise
– É interessante, nos países ricos principalmente, que sofrem com a questão ambiental, existe uma preocupação grande em entender os erros do passado para não cometê-los no presente. Isto não ocorre no nosso país. A gente percebe a cada dia que passa que as pessoas preocupam-se em resolver seus problemas hoje. Você pode pegar outros países. A Austrália hoje passa por dificuldades para combater animais que foram levados da Inglaterra, como a lebre, que é um animal que cresce sem controle no país. Esses países começam a se preocupar em saber como era antes, como as pessoas viviam e chegaram a destruir tais áreas. A partir deste ponto, começam a rever e fazer planejamento ambiental, de gestão, urbano, social. Se você pegar o litoral sul catarinense como exemplo, a forma de ocupação desordenada.

Notisul – Você participou de várias escavações. O que mais lhe chamou a atenção?
Deise –
Todas as coisas que encontramos são interessantes. Mas o que chama a atenção da população é quando se encontra esqueletos. Não sei por quê. O interessante de escavar um sepultamento é que ele dá ideia das relações sociais entre os grupos. O esqueleto mostra a hierarquia, a alimentação do grupo ou indivíduo. De que forma? Existe um mobiliário funerário em volta do morto. Você pode dizer quando é o enterro de um rico ou de um pobre. O mobiliário funerário de alguém com status social é acompanhado de muitas coisas, como artefatos em pedra polida, fogueiras, restos alimentares. Mulheres com adornos, conchinhas trabalhadas como colares, bandanas nas testas e quadris. Enquanto outros há poucas coisas ou nada. Isso já caracteriza uma hierarquização social.

Notisul – Tem como determinar, pelo esqueleto, a ocupação que da pessoa ou outra característica?
Deise
– Às vezes sim. Alguns esqueletos têm marcas de estresse repetitivo. Alguns ossos, com o movimento contínuo, ficam marcados. Por exemplo, o movimento contínuo de remo provoca marcas nos ossos. A musculatura desenvolvida vai cavando o osso e deixa sulcos no osso. Quer dizer que ele tinha muita força. A gente encontrou na Ilha de Santa Catarina esqueletos em que o osso do ouvido se desenvolveu, para evitar que entrasse a água. Isso é comum em mergulhadores por apneia, o desenvolvimento de calo ósseo para evitar que água fria penetre.

Notisul – Tem como determinar a idade daquele indivíduo ou a idade média daquele grupo?
Deise
– Existe um cálculo aproximado pelas fissuras que temos no crânio. À medida que envelhecemos, as fissuras vão fechando. Quando a criança nasce, ela tem a moleira. Quando o cérebro para de expandir, fecha. É o mesmo para as fissuras. E as medidas entre cada fissura indicam um padrão de idade.

"Nós estudamos dois ou três meses sobre as pirâmides do Egito e Mesopotâmia,e quantas aulas as crianças tem sobre os sambaquis, que são grandes monumentos? Uma, duas, três?"

"O que sabemos é que várias sociedades humanas no passado se autodestruíram pela pela devastação ambiental. Na Ilha de Páscoa, os humanos cortavam as árvores para construir grandes estátuas para adorar seus deuses. O que aconteceu depois é que se esgotaram os recursos e se extinguiu a população."

Deise por Deise

Deus: Energia para movimentar o homem.
Família: É tudo.
Trabalho: Satisfação.
Passado, presente e futuro: A partir do presente você estuda o passado e constrói um futuro melhor.