“Ninguém aguenta mais corrupção neste país”

Na magistratura desde 1995, Cleusa Maria Cardoso é um exemplo de experiência. Nascida em Florianópolis, ela já atuou como juíza eleitoral em cidades como Fraiburgo e Indaial. Também passou por Joaçaba, onde atuou em eleições presidenciais. Ela está desde 2009 em Tubarão, é a titular 99ª zona eleitoral desde o segundo turno do último pleito. 

 
Thiago Oliveira
Tubarão
 
Notisul – Neste período que antecede o pleito, o trabalho da justiça eleitoral aumenta muito. Qual é a estrutura para dar conta de tudo isto?
Cleusa – Quando eu assumi a 99ª zona eleitoral, em 2010, nos tínhamos uma estrutura cartorária bastante precária. Tínhamos um chefe de cartório que se ausentava com bastante facilidade, pois tinha problemas de saúde. Além dele, tínhamos serventuários cedidos pela prefeitura. Então, nós fizemos um remanejamento. Fizemos pedidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TER). Hoje, temos uma estrutura fixa, uma equipe formada de dois servidores efetivos da justiça eleitoral, três funcionários cedidos e mais um estagiário. Isso é suficiente para a demanda de uma eleição municipal, por exemplo. Eu fico bem satisfeita. Trabalhamos para que hoje pudéssemos ter essa estrutura. Até porque eu sei de cartórios que hoje tem um funcionário, ou dois.
 
Notisul – O que mudou de 2010 para cá?
Cleusa – A questão de pessoal. Trabalhamos muito a questão de gestão de pessoas, gestão de cartórios, distribuir tarefas, fazer toda uma logística voltada para as eleições, para este ano. O chefe de cartório é um rapaz que já assessorou juízes, então, tem toda uma noção, além da prática de cartório, a parte processual.
 
Notisul – Quantas cidades o seu juizado eleitoral abrange?
Cleusa – A 99ª zona eleitoral abrange cinco municípios: parte da margem esquerda de Tubarão, Capivari de Baixo, Armazém, São Martinho e Gravatal. 
 
Notisul – Quais as principais regras definidas para as eleições deste ano?
Cleusa – As principais nunca mudam. Elas, na verdade, são elásticas, acabam aumentando em alguns aspectos e reduzindo em outros. Há muito pouco tempo, tínhamos a propaganda em postes, em semáforos, e hoje está muito reduzida. Não é mais permitido isso. Só em locais que não atinge nenhuma dificuldade para a população, para os veículos em geral, que não atrapalhe o serviço público, as escolas, hospitais. Antes, existia um certo abuso, na questão de santinhos, de cavaletes. Tudo isso continua. Mas as questões mudaram. O que melhorou muito para a justiça eleitoral? A propaganda na internet. Parece-me que a propaganda na internet é muito buscada, é rápida, de certa forma limpa visualmente, pode atingir milhões de pessoas, então, é a novidade. 
 
Notisul – Falando em internet, houve uma explosão do uso das mídias sociais para as propagandas políticas. Como a justiça eleitoral trata desta questão?
Cleusa – Esta matéria é da 33ª zona eleitoral. Mas, a princípio, o que é permitido? A propaganda que não é paga. Eu não posso, por exemplo, fotografar um periódico, postar na internet o mesmo e cobrar. Tem que ser gratuito. O permitido é postar no e-mail, ou no perfil dele, propagandas desde que não sejam cobradas. A gratuidade é essencial neste caso.
 
Notisul – Então, se não cobrar, pode fazer o que quiser na rede?
Cleusa – Não. Sendo candidato, pode pedir voto. Isso é o básico. Mas tem limites. Em relação às questões de órgãos públicos, por exemplo. É uma limitação essa questão do órgão público. Não pode postar tudo que entende. Basicamente, pode pedir voto. Pode divulgar as qualidades. O que fará, o que não fará. Em resumo, é isso que pode.
 
Notisul – A senhora acredita que a legislação vai mudar muito nesta área?
Cleusa – Vai sim. Muito. Porque hoje o jovem adulto não telefona mais. Ele está no celular com o Facebook, manda e-mails. Vejo isso como uma evolução muito grande da última eleição para essa, e vai crescer cada vez mais. A rapidez das informações tende a crescer cada vez mais. E, com isso, são necessárias regras.
 
Notisul – Nestes anos em que a senhora atua na justiça eleitoral, lembra de algum caso relevante que mereça destaque?
Cleusa – Não posso comentar casos específicos. Até porque não gosto de tecer comentários sobre as minhas decisões. O que eu tenho para dizer eu digo no momento em que estou fundamentando. Procuro julgar com a minha consciência. Sem pressão externa, sem amizade. Sem qualquer ponto. Foco naquilo que eu realmente acredito.
 
Notisul – Existe muita pressão externa?
Cleusa – Acredito que exista. Em tudo existe na vida. Não posso ser ingênua de dizer que não aconteça. Entendo como normal, pois somos seres humanos. Mas aí cabe ao juiz ter a clareza de que deve julgar com imparcialidade, não vendo quem é quem, nem tentando direcionar para um lado ou para outro. Precisa julgar com a consciência. Esse é o mais importante.
 
Notisul – A justiça eleitoral evoluiu bastante nos últimos tempos. Entre os exemplos, estão os comícios com shows, que foram proibidos. Em sua avaliação, houve evolução nestes últimos anos?
Cleusa – As urnas foram melhoradas. Também tivemos vários cursos sobre como fazer certas audiências com os partidos. A geração de mídias. Inclusive, o horário eleitoral veio todo esquematizado. O sistema gerou todo o horário das coligações, dos candidatos. E foi uma forma democrática de resolver. Conseguimos fazer com que todos interagissem de forma conjunta. Antes, havia a possibilidade de o juiz ter que definir os horários. Mas hoje é limpo, no sistema. O candidato vê tudo, passo a passo. Isso deu uma transparência muito grande.
 
Notisul – E o que poderia evoluir?
Cleusa – A questão dos mesários. Lamentavelmente, ainda convocamos dezenas de pessoas para trabalhar no dia das eleições, e dezenas de pessoas pedem para sair por motivos dos mais inusitados. Quando as pessoas tiverem mais consciência do seu papel, mais elas vão aceitar participar deste momento político, que é de todos os cidadãos.
 
Notisul – Então, falta consciência dos eleitores?
Cleusa – O voto é mais uma obrigação que um direito. Não é como nos Estados Unidos, onde para começar, no hino nacional, colocam a mão no peito e cantam com orgulho. O brasileiro não tem isso. É uma cultura. Vai evoluir na medida em que as pessoas pensarem diferente. Só vai mudar o quadro do país quando as pessoas evoluírem politicamente. Quando se interessarem. E nesse ponto a internet ajuda muito, pois é muito democrática. Tem acesso em todos os lugares. Vem muito ajudar a justiça eleitoral neste aspecto. Que as pessoas se cidadanizem.
 
Notisul – A compra de votos ainda é uma prática muito comum?
Cleusa – Eu vejo que ela existe. Eu acredito que deva existir. Não creio que seja comum. Está muito mais coibido. As próprias pessoas não toleram mais isso. Ninguém aguenta mais corrupção neste país. Ninguém mais quer. E essa é uma forma de corrupção das mais graves. Pegar o direito de voto de uma pessoa e vincular com o pagamento é muito grave.
 
Notisul – Já chegaram para a senhora casos assim?
Cleusa – Olha, para essa eleição ainda não. Mas tenho conhecimento de casos de eleições passadas que eu já analisei. É um caso muito sério.
 
Notisul – A votação em cédulas de papel era muito complicada?
Cleusa – Como eram muitas seções, dividiam cada uma em duas pessoas. A responsabilidade era do juiz titular e do auxiliar. E, quando abriam a seção, e ficava alguma dúvida, o presidente da junta e os juízes decidiam se o voto era válido ou não. E víamos de tudo. Coisas riscadas, palavras de todo o tipo. Era um Carnaval. As pessoas tinham muita criatividade. Hoje, a eleição é bem mais limpa. Não dá margem para isso. Colocavam papel picadinho sem nada escrito. Só para fazer volume. Dava muita margem à corrupção. Anular uma seção era muito fácil. Hoje, não é mais.
 
Notisul – Ainda hoje tem muita gente que duvida da segurança da urna eletrônica. Existe chance de falha?
Cleusa – O sistema é seguro. É um dos mais seguros do mundo. É um computador. Foi criado a partir de um computador. Funciona como um caixa eletrônico. E só têm acesso às urnas as pessoas que são de confiança da justiça eleitoral. Fizemos várias audiências. Fizemos uma de verificação de foto. Vamos fazer mais uma para gerar toda a mídia. Esses dados vão ser passados para o sistema de candidatura e teremos mais um teste interno para verificar os dados antes de oficializar. E o TRE ainda escolhe uma seção para simular uma votação, para comprovar a segurança da urna. Inclusive, esse ano, as urnas usam pen drives, e não disquetes. São mais rápidos e mais seguros. A apuração vai ser feita no próprio cartório eleitoral. Vamos montar todo um esquema no fórum. Com a mudança da forma da mídia, o tribunal solicitou que fizéssemos isso nos próprios computadores da justiça eleitoral. Antes, fazíamos no da justiça comum. E isso pode agilizar a apuração.
 
Notisul – E os jovens, a senhora acredita que eles estão mais conscientes?
Cleusa – Estão mais ligados, mais ativos. Mais atentos. Acredito que eles estão cada vez mais conscientizados. Mas é em decorrência de vários fatores. Como a internet, que cria muitos hábitos. O acesso é mais fácil e mais interessante. Quem antes iria até o cartório se informar? Hoje, está no site. É mais interessante para o jovem. E isso gera um aumento de cidadania.
 
Notisul – Depois da eleição, qual é a rotina da justiça eleitoral?
Cleusa – Depois da eleição, recebemos as justificativas de quem não foi, do eleitor, dos mesários. E nos preparamos para a diplomação dos eleitos, que será no dia 19 de dezembro. Mas o trabalho de uma eleição é contínuo. Ele se concentra nesta época, mas não para. É um sistema que está sempre se aperfeiçoando. O trabalho é constante.
 
Notisul – E o que a senhora espera destas eleições?
Cleusa – Espero tranquilidade. Espero que os candidatos tenham tranquilidade para fazer a sua campanha e no dia da votação que respeitem o eleitor, o seu espaço. E que o eleitor vá às urnas, vote com consciência, volte para casa tranquilo, não haja aglomero. O que se espera de um país civilizado. Espero tranquilidade e respeito de todos. Dos partidos, dos eleitores, autoridades.

Cleusa por Cleusa
Deus – É algo que acredito incondicionalmente.
Família – É tudo.
Trabalho – Muito importante. Meu sonho e minha realização.
Passado – Nem lembro mais.
Presente – O momento, o que eu sinto.
Futuro – Uma esperança. Uma fé.

"A justiça eleitoral deixou de ser aquela mãe. Tudo ela abraçava para si. Qualquer coisa que ocorria ligavam no cartório eleitoral, fosse partido, pessoas do povo, enfim. Hoje, descentralizou isso. A prova é o manual do candidato e o manual de propaganda, colocados à disposição de todos, seja no site do TRE ou nos cartórios. Os manuais têm noções rápidas de tudo o que pode e o que não pode. Tem todas as regras sobre propaganda, sobre registro de candidatura. Noções bem básicas, com os números das resoluções. Esse foi um grande avanço. Assim, o candidato sabe quais são os seus deveres. É toda a questão da Constituição. Nós todos temos direitos e deveres. Eu não posso só saber meus direitos. Tenho que saber meus deveres também. E eu acho que isso ocorria muito na justiça eleitoral. Ela ditava tudo. Hoje, é o elástico que eu falei no início. Eles democratizaram toda a informação. E isso é positivo. As pessoas tornaram-se mais cidadãs, mais conscientes. A informação está mais perto das pessoas hoje".

 
"Em 2008, a internet era muito menos usada para propaganda que hoje. E eu vejo nisso uma grande evolução.”
 
“Tem espaço para todos. E a justiça eleitoral está aí para delimitar, para que não existam abusos”.

"Tivemos muitos pedidos de título eleitoral para jovens entre 16 e 18 anos, cujo voto não é obrigatório. É uma forma de demonstrar interesse, conscientização política".

"Todas as pessoas querem que a justiça eleitoral evolua, que a eleição seja limpa, transparente, mas quando têm que dar a parcela delas, muitas vezes se encolhem. Dizem que estão cansados, estão doentes. São motivos justificáveis. Mas por um dia só? Falta patriotismo".