“Não é a melhor solução”

São ‘só’ 35 anos como assistente social, um ‘tempinho’ que certamente deu credibilidade para Maria Salete Cavaler Garcia ter sido escolhida para assumir a gerência técnica da Fundação Municipal de Desenvolvimento Pessoal. Uma escolha técnica, sem qualquer vínculo partidário. Também formada em pedagogia (é professora de língua portuguesa), é servidora efetiva da prefeitura de Tubarão há 13 anos e presidente eleita do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). É, ainda, tutora do curso de serviço social da Uniasselvi e professora orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do polo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (Ifsc) em Tubarão.

Zahyra Mattar
Tubarão

Notisul – Quais os maiores desafios do município em relação a programas específicos para crianças e adolescentes?
Maria Salete – A situação de Tubarão é a mesma da maioria dos municípios brasileiros: a demanda é muito maior que a oferta e que os recursos disponíveis para que possamos criar ofertas. Um dos exemplos mais recentes é a questão das creches. Existem muito mais crianças do que vagas na rede pública. Na área de lazer e contraturno escolar, também temos uma demanda muito superior aos projetos atualmente em andamento. O desafio é sempre pensar o que pode ser feito para assistir a demanda crescente. O conselho deferiu (na semana passada) três novos projetos, dois na área esportiva e um no segmento sócio-educacional, para atender crianças e adolescentes a partir do segundo semestre. Juntos, somam um investimento na ordem aproximada de R$ 62 mil.

Notisul – Qual a maior vulnerabilidade em relação a crianças e adolescentes?
Maria Salete –
Não podemos generalizar, claro, mas a droga certamente é um dos principais problemas que gera a vulnerabilidade. Isso porque está nas famílias e hoje falarmos de crianças e adolescentes sem pensar na família é deixar nossa linha de reflexão à margem. A baixa renda, a pouca qualificação profissional e o desemprego também estão nas famílias e, portanto, também geram a vulnerabilidade entre crianças e adolescentes. 

Notisul – Como identificar uma família em vulnerabilidade?
Maria Salete –
A renda é o primeiro critério a ser analisado. Hoje, em Tubarão, temos exatamente 1.070 famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família, do governo federal. Uma das condições para receber o recurso é a família ser assistida no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e as crianças e os adolescentes estarem inseridos na escolas e em programas sociais. Toda a estrutura familiar precisa ser acompanhada e trabalhada para que a criança, no futuro, possa fazer escolhas diferentes e romper o círculo. Isso pode levar anos, por isso que existem famílias que recebem benefícios há dez anos, por exemplo. É o tempo necessário para a criança crescer, desenvolver-se, escolher diferente dos pais. Esta é uma outra visão sobre a necessidade de o ente público assistir, inclusive financeiramente, aquela família. Sei que é difícil enxergar isso. O preconceito ainda é muito grande.

Notisul – Como assistente social, qual a sua leitura da possibilidade da idade penal ser reduzida para 16 anos no Brasil?
Maria Salete –
Não devemos fazer análise simplista. Se pegarmos os números de menores envolvidos na criminalidade, parece que a redução da maioridade penal seria uma solução. Mas do ponto de vista da política pública da assistência social e da proteção à criança e ao adolescente, todos deveriam ter acesso aos serviços e direitos desde a infância. Se estas crianças e adolescentes não tiveram isso, como podemos penalizá-los ao fim de um processo? Nesta linha de raciocínio, acredito que reduzir a maioridade penal sem pensar em um novo modelo de sistema prisional e no que é garantido para a criança e para o adolescentes ao longo deste processo não é o caminho. Não sou a favor da redução da maioridade penal na forma como está sendo feita.  Não acredito que isso, isoladamente, será a solução dos problemas de criminalidade no nosso país. Pelo contrário, na minha avaliação, será muito pior, pois o nosso sistema prisional está mais do que falido. Formaremos bandidos e não educaremos crianças.

Notisul – Você não acha que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está defasado em vista da atual realidade brasileira?
Maria Salete –
O ECA completa, em 2015, 25 anos de existência e ainda é considerado uma das melhores e mais completas leis no que tange aos diretos das crianças e adolescentes. Quando se fala em defasagem, na verdade analiso, inclusive no conselho, a ênfase que se deu, em alguns momentos, aos diretos das crianças e adolescentes como se elas também não tivessem deveres. O ECA enumera os diretos, mas também traz os deveres e as obrigações. Na minha opinião, o que faltou é uma melhor divulgação do ECA em sua totalidade e não de forma segmentada e descontextualizada como foi feito.

Notisul – Os casos de pedofilia são cada vez mais numerosos. O que está acontecendo?
Maria Salete –
Na verdade, se estudarmos um pouco da história, isto sempre ocorreu. O que não tinha era visibilidade de hoje, mas penso que os números são tão alarmantes como hoje. A forma de vida social é tão à vontade que não justifica a pedofilia. É absolutamente uma perversidade da mente humana. As pessoas que convivem e que identificam casos assim teriam, por obrigação, a denúncia, mas muitas vezes naturalizam, dão desculpas e tentam justificar o temperamento do fulano por causa de questões familiares que nem existem. A situação corre solta até que se instala uma situação tão dramática que vira um escândalo. E tudo isso poderia ser evitado com a coragem de denunciar. Um ser, uma criança poderia não ter passado por tamanho sofrimento se houvesse este engajamento rápido. O certo é denunciar na primeira evidência, no primeiro sinal, mesmo que seja uma suspeita. Antes investigar uma suspeita do que um caso confirmado.

Notisul – Você não acha que as crianças estão deixando de ser crianças mais cedo e isso pode ter uma consequência desastrosa na formação delas?
Maria Salete –
De certa forma, a infância está menor. Mas acredito que a formação é algo muito particular e vai depender da orientação dos pais. Hoje, realmente somos freneticamente bombardeados com muitas informações e estímulos de consumo. Os próprios pais batem palma para a criança que fica mocinha logo. A psicologia confirma que a criança tem que viver suas fases. O mundo e a sociedade induzem esta precocidade e a um comportamento de adulto. O mais perigoso de tudo é que isso é feito com o aval das famílias. O poder público, a comunidade e a escola não têm qualquer obrigação de formar os valores e princípios do indivíduo, isto é dever dos pais, da família. Há uma confusão em relação a isso e uma certa transferência para a escola. Quem sabe seja este o mal da modernidade.

Notisul – Como educar e orientar em tempos de internet?
Maria Salete –
A internet nos deixou distantes ao mesmo tempo que nos aproximou. Eu diria que não existe uma fórmula de como educar e orientar. Para mim, o amor e a afetividade devem fazer parte da receita. O restante dos ingredientes é algo de cada família. Se a criança tem um ambiente acolhedor, com amor e afeto, ela vai partilhar seus novos conhecimentos com a família. Caso contrário, terá medo e ficará voltada apenas para o acolhimento da , o qual sabemos não é, nem de longe, o ideal.

"O preconceito é grande adversário. Há quem ache que quem busca ajuda não quer trabalhar. Não é bem assim".

"Querem reduzir a maioridade penal? Ok, mas não antes de rever o modelo prisional e de garantias de direitos".

"O castigo vira violência quandonão há amor. O castigo seguido da  orientação tem efeito educativo".