“Não adianta ter um ensino integral que é depósito de crianças”

Foto: Priscila Loch/notisul
Foto: Priscila Loch/notisul

Perfil
Responsável pela gerência de 40 unidades em sete municípios da região de Tubarão, Jaime vê o ensino integral como uma necessidade da educação, mas avalia que não adianta implantar o sistema sem a estrutura adequada, para que os estudantes realmente sintam vontade de frequentar as aulas e considerem a escola uma extensão de suas casas. Ele também fala sobre o início do ano letivo na rede estadual, na última quinta-feira, e conta que foi preciso adiar o início das aulas em três unidades que passam por reforma. Além disso, outras escolas devem passar por obras em breve, algumas com problemas ainda decorrentes do vendaval de outubro de 2016, que causou grandes estragos em toda a região.

Priscila Loch

Tubarão

Notisul – O novo ano letivo iniciou esta semana na rede estadual de ensino. Nos sete municípios de abrangência da Regional de Educação em Tubarão, os alunos de todas as escolas voltaram às aulas?
Jaime –
Temos em torno de 18 mil alunos. Apenas 1,5 mil não retornaram. Temos 40 escolas e 37 retornaram. Não voltaram duas em Sangão – a Maria Duarte Vasconcelos, no bairro Morro Grande, que inicia agora dia 19, e a Bernardo Schmitz, no Centro, que inicia dia 26 -, que passam por reformas no telhado que não ficaram prontas a tempo, já que choveu e atrasou um pouco. A reforma da Bernardo Schmitz já era prevista em função do vendaval de 2016. Mas outro vendaval ocorreu em Sangão recentemente e piorou a situação da escola, assim como detonou o ginásio. Outra escola com problema é do Indaial, em Gravatal, a Fernando José Cardoso, que não temos precisão para iniciar. A reforma está atrasada e não tem nenhuma ala que possa ser utilizada, nem o salão paroquial da comunidade pode ser utilizado, porque também estão reformando. A obra vai levar no mínimo mais umas quatro semanas e não podemos comprometer o ano letivo. Encontrei uma escola em Tubarão, no bairro Morrotes, que tem uma parte ociosa e creio que vou trazer os alunos. É mais próximo trazê-los para Tubarão do que irem para outra localidade de Gravatal.

Notisul – O tempo de deslocamento dos estudantes até essa escola não seria muito?
Jaime –
Acredito que uns dez minutos. São em torno de 90 alunos e vamos fretar ônibus para buscá-los. Isso por no máximo 30 dias. É uma empreiteira muito comprometida, está com bastante pessoas na obra e creio que vamos terminar num prazo inferior. Enquanto isso, no Morrotes, tem um local adequado. Quero resolver isso o quanto antes para não comprometer o ano letivo. Temos que começar logo.

Notisul – Você citou o vendaval de outubro de 2016. Ainda existem resquícios nas escolas?
Jaime –
Sim. O vento não provocou estragos só em Tubarão e Capivari de Baixo, mas em toda a região. Decretar estado de calamidade pública possibilitou iniciar algumas obras com maior rapidez. Em Tubarão e Capivari de Baixo, foram feitas essas obras de forma mais rápida. Nos outros municípios que sofreram algum destelhamento, agora é que se conseguiu lançar as licitações por parte do estado para arrumar as escolas. Estão nessa situação quatro em Gravatal (Hercílio Bez, Antônio Knabben, Geraldina Maria Tavares e Fernando José Cardoso) e três em Sangão (Maria Duarte Vasconcelos, Bernardo Schmitz e Alice Júlia Teixeira).

Notisul – Isso significa que, apesar do início das aulas, essas unidades ainda necessitam de reforma no decorrer do ano.
Jaime –
Sim. Na Bernardo Schmitz, por exemplo, vai ficar uma ala pronta para iniciar as aulas, mas falta a outra ala ainda. Tivemos que refazer toda a parte elétrica, a parte hidráulica também, porque a chuva quebrou encanamentos. Temos escolas que já estão com 100% dos professores, e isso é uma coisa inédita. Nos anos anteriores, não tínhamos um número tão grande nos primeiros dias. Já tivemos até a quarta chamada de ACTs esse ano, para que as escolas não fiquem sem professores. Foram disponibilizadas em torno de 800 vagas para ACTs, mais os 700 efetivos. É meio a meio, porque muitos efetivos saem para cargos comissionados, ou são adaptados, pegam licença prêmio, gestação…

Notisul – Além das escolas que ainda precisam de reparos em decorrência do vendaval, que outros projetos e necessidades você destaca para a nossa região?
Jaime –
A maioria das nossas escolas é velha, tem estruturas antigas. No meu ponto de vista, a maior carência é de locais cobertos para a prática de desporto. A maioria não, poucas escolas têm ginásios de esportes ou quadras cobertas. Outra carência grande de nossas escolas é com relação à internet. Temos pouca capacidade, apesar da tecnologia poder contribuir muito com a educação. Temos também falta de computadores novos. O MEC não adquire máquinas há muitos anos. Temos computadores nas escolas sucateados, antigos, que não funcionam mais. Temos que fazer com que as escolas ensinem usando a tecnologia, porque em casa a criança tem acesso. Minha netinha de 1 ano, por exemplo, já passa o dedinho no celular

Notisul – Realmente é inadmissível não usar a tecnologia a favor do conhecimento, da educação.
Jaime –
A escola tem que ir à frente da sociedade, não pode ir atrás. Tem que mostrar o que há de novo, de inovação. No meu tempo de aluno, eu encontrava as novidades era dentro da escola. Na minha casa não tinha e a gente queria ir para a escola porque lá tinha algo diferente. Hoje é o contrário. Inclusive, tem uma lei estadual que proíbe o uso do celular na sala de aula. Lei é para ser cumprida, claro, mas no meu ponto de vista essa lei não cabe mais nos dias de hoje. Se a escola não tem equipamento suficiente para que o aluno possa usar a inovação e a tecnologia… e hoje é difícil o ser humano que não tem um smartphone. Na aula de geografia, por exemplo, o professor poderia propor que os estudantes visitassem tal rua em outra cidade, em outro país. O professor de história poderia estimular que eles visitassem museus virtualmente. O professor que vai conduzir o que pode e não ser acessado, e os horários. O celular é um aliado, não tem como separar. Hoje, as pessoas mais idosas estão frequentando cursinhos para aprender a usar a internet, a usar as redes sociais. E infelizmente temos professores excelentes que não gostam de usar porque não conhecem. E o que estamos fazendo? Estamos preocupados com isso e começamos a treinar nossos professores. Já fizemos diversas oficinas sobre o uso da tecnologia em torno da educação, e os aplicativos também. Temos aplicativos para tudo.

Notisul – E esses aplicativos facilitam muito a vida de quem sabe usar. Não é questão de tornar o estudante preguiçoso, e sim de saber orientá-lo a usar de forma que os resultados sejam positivos.
Jaime –
E saber onde procurar. Se não tenho como ir fisicamente ao Museu Anita Garibaldi, em Laguna, vamos dar uma entradinha virtual. Os livros continuam a ser muito importantes, mas temos que fazer esse paralelo. Tem que evoluir, preparar para a vida.

Notisul – Ainda sobre o futuro da educação, muito se fala há anos da importância do ensino integral. Em contrapartida, sabemos que as finanças dos estados e municípios estão cada vez mais comprometidas e colocar esse projeto em prática é meio que utopia. Qual a sua avaliação da educação em tempo integral?
Jaime –
É uma necessidade o jovem ficar na escola estudando, aprendendo. Temos como maior exemplo o Japão. Após a guerra, mesmo o país saindo pobre, humilhado e quebrado, pegaram a metade do orçamento e investiram em educação. E olha o povo que é hoje. Aqui em Tubarão, queriam que criássemos ensino médio integral. Eu disse: “perfeito, vamos criar, desde que tenhamos espaço físico que comporte ensino integral”. Não adianta ter um ensino integral que é depósito de crianças. Quero ensino integral que o aluno frequente e não agarre abuso da escola. Não dá para ficar oito horas numa escola sem ter o que fazer, comer com o prato na mão, escovar os dentes onde se lavam os panos sujos da cozinha. Temos que ter um bom refeitório, bons banheiros, para que eles possam fazer a higiene, um local de descanso, para ele dar uma espreguiçada depois do almoço. A escola tem que ser a extensão de casa.

Notisul – Hoje, na área de abrangência da regional de Tubarão há alguma unidade com essas condições?
Jaime –
Não temos nenhuma com essa capacidade física. Tem que ter quadras cobertas, laboratório de química, de matemática, laboratório de estudo, para que o aluno tenha vontade de ir. Para segurar ele quatro horas já não está fácil, imagina oito horas. Quando se começa a educar para o ensino integral? Quando pequeno. No meu entender, ele tem que frequentar o ensino integral desde pequeno, para acostumar a passar o dia na escola, como acontece nos países desenvolvidos. Para que ele possa sair do ensino médio já encaminhado para uma profissão.

Notisul – O resultado seria muito bom.
Jaime –
Com certeza. Mas não se pode começar uma casa pelo teto, tem que começar pelo alicerce. Tinha muita vontade de implantar, mas não temos na regional uma escola que tenha condições. O próprio Gallotti, que tem uma estrutura ociosa, mas teria que sofrer uma boa reforma, uma boa modificação. Não tem acessibilidade, não tem uma quadra coberta. É a mesma quadra de quando estudei lá, em 1983. Temos boas escolas, mas falta melhorar muito. Com toda a crise que passa nosso país, nosso governo ainda consegue manter uma educação de qualidade, a maioria dos nossos servidores tem nível superior e especialização, temos um salário que não atrasa. Tudo isso levamos em consideração.

Notisul – Já que você tocou no assunto salário, como avalia o piso dos professores pago em Santa Catarina?
Jaime –
Poderíamos ser bem mais bem remunerados, isso não tenho dúvida. Mas temos que fazer alguns ajustes, otimizar. Vou citar um exemplo. Fechamos três escolas em Tubarão: Visconde de Mauá, ao lado do Gallotti, em Oficinas; Angélica Cabral, no bairro São Bernardo, que tinha um número muito pequeno de alunos, no meio de três escolas; e o João 23, na Passagem, que não tinha 60 alunos. Olhe a estrutura que tinha em cada uma: diretor, assessores, secretários, professores… Enfim, era cerca de um profissional para cada três alunos. Temos que otimizar, colocar profissionais onde é preciso. Escolas que não atendem mais a comunidade não têm porque estarem abertas. Citei apenas Tubarão como exemplo, mas aconteceu em todo o estado. Isso feito, consegue-se dar um melhor salário para os professores, maior estudo dentro da sala de aula, com ambientes adequados para a formação dele.

Notisul – Esse fechamento ou fusão de algumas escolas gerou bastante polêmica. E ainda temos o caso da Escola Hercílio Luz, uma das mais antigas Tubarão, que corria o risco de fechar.
Jaime –
Muitas escolas foram extremamente importantes, mas precisamos avaliar se continuam, se estão atendendo o objetivo. Tínhamos no bairro Oficinas duas escolas com os muros colados. A Escola Visconde de Mauá chegou a ter 800 alunos e estava com 160. A escola Gallotti chegou a ter 2.100 alunos e hoje está com 280. As duas davam 450 alunos. Para que manter duas, uma ao lado da outra, oferecendo o mesmo nível de ensino? O Mauá foi doado ao município, foi feito um termo de cessão de uso para transformar em um Centro de Educação Infantil, que é a carência da comunidade de Oficinas. E no Gallotti hoje ainda poderíamos ter mais 1,6 mil alunos, já que a escola comporta.