“Meu trabalho maior é blindar a procuradoria de qualquer ingerência política”

Depois de uma tragédia sempre ocorre algo maravilhoso. Assim, Patrícia Uliano Effting cresceu ouvindo de seu pai, já falecido, contar sobre o seu nascimento, em 26 de março de 1974, um dia após a grande enchente de Tubarão. Coincidências à parte, estar próximo da água faz parte da rotina da procuradora-geral do município, que nos dias de folga e fins de semana segue a caminho da casa de praia com a família, que, aliás, considera ser as melhores coisas de sua vida. Esforçada e determinada, com 18 anos passou em seu primeiro concurso, para Polícia Militar, função que não seguiu por optar pela carreira de direito, curso de formação e mestrado. Professora universitária durante quase dez anos, diz ter grandes recordações desta fase, mas depois de passar no concurso para procuradoria jurídica da Cidade Azul e receber dos gestores executivos o convite para assumir a pasta, sem pertencer a nenhum partido político, afirma ser agradecida e responsável por desempenhar um trabalho sério e comprometido com a população. Do marido Areny, companheiro de esporte, do cuidado com a casa e dos filhos, Claudinho e Irma, sempre ressalta que é uma mulher de muita sorte.

 

Silvana Lucas
Tubarão
 
Notisul – Qual é o trabalho realizado por uma procuradora-geral no município?
Patrícia Uliano Effting – A procuradoria jurídica, de qualquer esfera: municipal, estadual ou da União, atua para representar o ente estatal judicial e extrajudicialmente. Defendemos o município em ações judiciais, opinamos por instalar processos administrativos, para apurar infrações administrativas internas, damos assessoria jurídica aos secretários, quando estes têm dúvidas jurídicas, é a nós que eles reportam. Então, somos uma secretaria de meio, por exemplo, quando há um contrato de licitação, quando há dúvidas jurídicas, quando há impugnação, eles nos perguntam, porque cada secretaria tem o seu papel. A maior importância da nossa função é fazer a defesa do município. Se alguém entra com uma ação, quem defende é a procuradoria jurídica. Motivos que nos levam a estar constantemente em Florianópolis, em tribunais superiores, em audiências.
 
Notisul – Quantas pessoas trabalham na procuradoria de Tubarão?
Patrícia – Somos em três procuradores de carreira com assessores jurídicos para cada procurador. É uma equipe de quinze profissionais, contando com o nosso pessoal que atua no fórum, nas ações de execução fiscal. Além de defender o município também cobramos impostos não pagos. A fazenda informa que alguém não quitou o imposto, envia a certidão de dívida ativa e somos obrigados, por lei, a executar.
 
Notisul – Quantas ações correm atualmente na procuradoria da Cidade Azul?
Patrícia – São 25 mil ações. Número que no geral é comum em qualquer município. A demanda judicial contra entes públicos é sempre muito expressiva.
 
Notisul – Qual é o papel da procuradoria em casos como o ocorrido em Tubarão da empresa prestadora de serviço de estacionamento rotativo?
Patrícia – O secretário nos informa se são ou não respeitadas as cláusulas contratuais. A procuradoria estuda o contrato diante da análise técnica feita pelo secretário, verifica se há ou não fundamento para uma rescisão e emitimos o nosso parecer. No caso do estacionamento rotativo, foi que havia fundamentos para a rescisão. Quando nos posicionamos, isto permite ao secretário de segurança jurídica. A decisão final é sua e do prefeito, porque eles também vão analisar, não somente a parte legal, mas o mérito. Isto é, o que é melhor para o fim público. Sobre a prestadora responsável pelo estacionamento rotativo, demos o nosso parecer em dezembro, a empresa tomou conhecimento e se agilizou para cumprir as cláusulas contratuais. A análise foi visando o interesse do cidão: é melhor rescindir, fazer tudo novamente ou permanecer com a empresa diante do cumprimento das exigências? Setores da sociedade foram unânimes pela manutenção e com base nisto, a gestão decidiu permanecer com a prestadora com algumas ressalvas.
 
Notisul – Em seu trabalho quais são as facilidades e as dificuldades em atuar como procuradora-geral de um município?
Patrícia – Na verdade, não há trabalho fácil neste cargo. Quando o assunto chega até nós, já existem discordâncias. Nada que vem para o jurídico está tranquilo, quase nada que aparece no jurídico são como os exemplos tratados nos livros, é um trabalho árduo de pesquisa e interpretação. Considero a parte mais difícil quando algumas pessoas pensam que temos discricionariedade para algumas decisões, pensam que podemos deixar a técnica de lado diante de interesse politiqueiro. Existem pessoas que acham que podem vir conversar e pedir algum interesse específico, aqui não tem isto, o tratamento é igual para todos. Atendemos de forma igual, o que está certo está certo, o que está errado está errado. Porque sempre existem os que acham que, com uma conversadinha, as coisas podem ser resolvidas. Não trabalhamos em nossa secretaria desta forma, e isto é marca desta atual gestão, que me orgulha, pois sou constitucionalista e idealista e é a primeira vez que vejo isto ocorrer. Hoje, estou aqui porque o prefeito e o vice me dão este respaldo, de não haver interferência no trabalho jurídico. Se eles não fossem assim, eu não conseguiria trabalhar como procuradora-geral.  
Notisul – A prefeitura tem uma dívida do Imposto Sobre Serviços (ISS), dos bancos, que aguardava uma publicação do diário oficial, isto já ocorreu e do que se trata esta dívida?
Patrícia – No mês de março, o acórdão foi publicado e já analisamos o teor e estamos estudando o caminho jurídico a ser tomado, porque, na verdade, a decisão já era esperada. Conseguimos, do ano passado até agora, impedir alguma devolução, pois quem sofreria os danos seria a própria população. Agora, trabalhamos com a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Federal (STF). Nós, até agora, conseguimos adiar algumas devoluções por não serem devidos.
 
Notisul – Adiar esta dívida não vai culminar em jogá-la para outro mandato?
Patrícia – Não, de forma alguma. Estamos em busca da melhor forma de acertar. O que está para ser devolvido é o dinheiro recebido desde 2003, então, são dez anos recebendo estes impostos, que agora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é indevido, salvo na sede do banco. Isto foi uma reforma na jurisprudência de mais de 20 anos. Antes, era cobrado onde tinha uma filial, onde era feito o contrato de leasing. Agora, isto mudou, é devido somente onde é a sede do banco. Estamos estudando qual é a melhor estratégia, na forma de devolver ou se há como reverter esta situação no STF. Bem, o município cobrava o ISS sobre as operações de leasing dos contratos assinados aqui em Tubarão, este fato era devido, conforme o STJ, dizia que era, foi assim por 20 anos e que agora mudou. A nossa maior discussão é como devolver isto? Alegamos uma insegurança jurídica, era devido e agora tem quer devolver dez anos? 
 
Notisul – Outras cidades também são cobradas por está dívida?
Patrícia – Muitos municípios passam por esta situação. Tubarão se tornou modelo, porque foi o nosso recurso que sobrestou os demais recursos de outros municípios no Brasil.
 
Notisul – Sobre o transporte público da Cidade Azul, que já houve um projeto de lei regulamentado pela Câmara em 2012 e aguarda um edital para uma licitação. O que falta ser resolvido juridicamente?
Patrícia – Hoje, a gestão existe uma angústia, uma pressa em publicar um edital de licitação. O que ocorreu é que tinha uma empresa contratada para fazer um edital, que embutiu cláusulas que envolvia uma indenização de R$ 33 milhões para as empresas de ônibus, alguns locais não tinham linhas. A empresa também apresentou outras irregularidades. No ano passado, analisando este fato, a procuradoria deu um parecer pela anulação da confissão da dívida, que seria ilegal, e sem fundamento jurídico para pagar estas empresas que exploram o serviço público, sem licitação há 20 anos e opinou também, da inclusão dos locais que ficaram sem linha de ônibus. Com este levantamento, não tem como ser usado aquele processo, porque muda todos os cálculos. Então, o que é pensado pelo executivo, neste caso, o secretário de gestão pode informar com mais detalhes, é, como melhorar imediatamente o transporte coletivo até conseguir fazer estas adaptações? Porque não há como fazer um novo edital sem um estudo específico. Acredito que, para este ano, serão feitas as melhorias e os levantamentos técnicos. O prefeito e vice queriam que fosse publicado já no ano passado, mas não tem como publicar sem ser feito esta análise.
 
Notisul – Existe um pagamento de precatórios para aposentados municipais?
Patrícia – Existe pagamento de precatório. Que se refere quando tens um crédito com o poder público, este pagamento somente é realizado por meio de precatório. Até o dia 1º de julho, daquele ano, se você tiver uma ordem de pagamento é inscrito em uma lista de precatório, esta é ordem. Tem preferência para ser pago os créditos alimentares (uma verba alimentar que tem a ver com o teu salário, o que depende para o teu alimento, tem preferência), isto é o que deve ser pago e quem cuida disto não é o município, é o Tribunal de Justiça responsável, por meio dos precatórios. O município deposita para o Tribunal, e ele faz o pagamento. 
 
Notisul – Qual é o processo mais difícil e complicado que a prefeitura passa atualmente?
Patrícia – Acredito que seja esta luta travada com as instituições financeiras (bancos), pois é uma discussão jurídica de mais de dez anos, que agora tem que ser resolvida sem prejudicar o desenvolvimento da cidade. Em uma suposta derrota, no último recurso possível, o município que devolver estes impostos cobrados dos bancos nos últimos dez anos, inviabilizará qualquer administração para os próximos 15 anos. Os danos causarão reflexos em longo prazo.
 
Notisul – Já existe um desafio a ser vencido pelo executivo tubaronense para o próximo ano?
Patrícia – Acredito que o maior desafio a ser enfrentado é retirá-lo desta inércia que vem de anos e inseri-lo no cenário como cidade de médio para grande porte. Conseguir afastar os obstáculos que impedem o verdadeiro progresso, como, por exemplo, a conquista das certidões negativas. O município possui uma estrutura administrativa desarticulada, que necessita de melhorias urgentes para que possamos ser uma cidade de referência na região.
 
Notisul – Até o momento, o que você pode resolver significativamente para melhoria da atividade jurídica dentro da prefeitura?
Patrícia – O reaparelhamento da estrutura da procuradoria é fundamental para esta melhoria do trabalho e também as defesas orais realizadas nos tribunais superiores, apresentam resultados importantes. Acredito que, com as melhorias técnicas que outras secretarias realizam, vão ajudar muito a evitar demandas judiciais. A qualidade dos serviços públicos reflete diretamente nas defesas judiciais. Por exemplo, um erro no departamento de recursos humanos pode gerar uma demanda judicial. Com um trabalho técnico qualificado pelas secretarias, estas demandas tendem a quase desaparecer.
 
Notisul – O que pretende deixar de positivo para os próximos procuradores-gerais?
Patrícia – A meta da nossa equipe é garantir uma estrutura técnica de qualidade para que os próximos procuradores-gerais possam encontrar uma estrutura sólida. Cada procurador jurídico possui um assessor jurídico de sua confiança e contamos com um analista da fazenda na nossa estrutura. Rogo que possamos deixar para os próximos procuradores um trabalho de referência, porque qualquer município se torna frágil e fraco quando o órgão jurídico é visto como um local de colocação de cargos eminentemente políticos. Elogio a atual gestão pela autonomia dada ao procurador-geral na escolha de técnicos jurídicos. Isto é uma atitude inteligente e corajosa, que é muito eficaz para o bem comum.
 
Patrícia por Patrícia
Deus – Única força
Família – Tudo
Trabalho – Árduo
Passado – Constitui o presente
Presente – Aperfeiçoar ao olhar do passado
Futuro – A Deus pertence.
 
"Gostaria de viver em um Brasil livre de jogos de poder".
 
"O que mais desprezo é a existência de grupos de interesse para se manter no poder”.