Luiz Osvaldo Coelho: “A agricultura não pode depender do governo”

Luiz Osvaldo Coelho
Luiz Osvaldo Coelho

Bertoldo Weber
São Ludgero

Notisul – Você tem ligação com o meio rural desde criança?
Coelho –
Meu pai era militar e vim de uma família de classe média. Desde os 12 anos, gostava do campo. Meus tios tinham propriedades rurais. Naquela época, já amava e respeitava a natureza e admirava as famílias que vivem no campo.

Notisul – Como você veio para São Ludgero?
Coelho –
Ainda estava lecionando na Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc) e, por meio de uma Organiazação Não-Governamental (ONG), comecei um trabalho sobre crédito cooperativo em Santa Rosa de Lima. Fiz fortes amizades e gostei da cidade. Depois de me aposentar e como meu filho Lisandro já estava trabalhando lá, me transferi para Santa Rosa em 1999. Lá, ajudei a fundar a Cresol, fui secretário de administração, planejamento e finanças da prefeitura. Em 2004, foi candidato a prefeito e, mesmo não tendo família na cidade, perdi por poucos votos (74). Depois, meu filho começou a trabalhar no projeto Microbacias em São Ludgero e eu fui convidado pela Unibave para lecionar no curso de agronegócios. Este ano ajudei a montar o curso de agronomia.

Notisul – O sistema cooperativista encaixa-se com a agricultura familiar?
Coelho –
Para os pequenos agricultores, o futuro será as cooperativas. Na França, por exemplo, em todos os setores existem cooperativas. Só para ter uma noção, o maior banco do país é uma cooperativa de crédito. O sistema pode dar um suporte maior e melhor, principalmente com os financiamentos do Pronaf.

Notisul – Como você avalia o cooperativismo na região?
Coelho –
O maior problema das cooperativas é quando crescem demais. Com isso, a administração escapa das mãos dos próprios agricultores. Na maioria das vezes, são obrigadas a contratar pessoas especializadas que nem sempre têm o compromisso com os princípios cooperativos como servir aos associados, não visando grandes lucros. Neste sistema, se existir muito lucro, uma parte sai do bolso do próprio associado. Em muitos casos, quando dá grandes lucros, alguém pode estar perdendo. Quando em uma cooperativa o volume de sócios é grande, o associado deixa de ser conhecido de fato e passa a ser um número. A diretoria administra como dona e os sócios passam à não ter mais poder de decisão ou interferência na administração.

Notisul – Cooperativa de crédito tem futuro ou é o futuro?
Coelho –
O sistema de cooperativa de crédito é uma necessidade para os agricultores familiares sobreviverem. Será através delas que virão as principais linhas de crédito, com subsídios e juros muito baixos. Além disso, elas sabem o problema de cada associado e resolvem bem mais rápido do que em outros bancos.

Notisul – Quando aumentou a facilidade de crédito no Brasil?
Coelho –
Lá na década de 60. E isso dependeu de decisões políticas. As coisas começaram a mudar com a Revolução Verde, ou seja, o uso de tecnologias avançadas, equipamentos, semente com alta qualidade. Os próprios países que produziam tais tecnologias ao mesmo tempo emprestaram dinheiro para os países que tivessem interesse. Só que os juros eram altíssimos. E aí o crédito começou a aparecer. Inclusive, com subsídios e isenções de juros como forma de incentivo dado pelo governo. Mas o governo pagava juros altos para estes países, e muita coisa errada foi passada aos produtores rurais, inclusive o uso indiscriminado de agrotóxicos.

Notisul – Por que este crédito demorou para chegar aos pequenos?
Coelho –
Os agricultores que tinham mais conhecimentos aproveitaram estas épocas de dinheiro fácil e juros baixos. Os mais espertos cresceram, investiram e grandes fazendas e propriedades surgiram. Os pequenos, que de certa forma tinham pouco conhecimento deste crédito, ficavam à mercê de juros de mercado.

Notisul – Atualmente o crédito está mais acessível?
Coelho –
O governo chegou à conclusão que mais de 70% do alimento que chegava à mesa dos brasileiros é proveniente da agricultura familiar. Percebeu-se que, se não fossem oferecidas condições para que os pequenos pudessem melhorar a renda, investir nas propriedades, seria difícil mantê-los no meio rural. Foram então criadas linhas de crédito como o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf). Assim, os pequenos agricultores puderam melhorar e adquirir novas tecnologias, instalações, equipamentos. E o mais importante de tudo: com juros subsidiados e baixos que variam de 2 a 5% ao ano. Isso tem uma influência enorme em manter os filhos dos agricultores no campo. Hoje, há linhas de crédito para que os jovens do meio rural possam financiar seus próprios terrenos.

Notisul – Você é engenheiro agrônomo, como avalia a profissão hoje? Quais as vantagens e dificuldades?
Coelho –
Com 38 anos de profissão, posso falar de cadeira que esta é uma profissão eclética. A atuação de quase 100% das atividades é no meio rural, onde não só se ganha dinheiro, mas também se tem uma grande satisfação profissional. Somos atualmente seis bilhões de habitantes no mundo e a taxa populacional cresce 10% ao ano. São 600 milhões de pessoas a mais por ano que precisam alimentar-se. Por isso, temos que usar tecnologias para produzir cada vez mais, em áreas menores, com qualidade e sem perder de vista a preservação do solo e da água.

Notisul – Qual a média salarial de um engenheiro agrônomo?
Coelho –
A base é oito salários mínimos. Tem profissionais que ganham mais e outros menos. Por exemplo, quem trabalha em Microbacias recebe em média R$ 2,5 mil por mês.

Notisul – Seu filho também é engenheiro agrônomo. Influência sua?
Coelho –
Sim. Meu filho Lisandro é formado em agronomia. Ele já trabalhou em Santa Rosa de Lima, depois no projeto Microbacias em São Ludgero. Ele foi convidado para lecionar no curso de agronegócios na Unibave, em Orleans, e hoje é o coordenador. Meu outro filho tem uma seguradora na Grande Florianópolis. É formado em administração de empresas.

Notisul – Cada vez mais surgem novos cursos. Há espaço para tantos profissionais no mercado?
Coelho –
Primeiro, o futuro da agricultura no país não poderá continuar dependendo exclusivamente de assistência técnica governamental, ou seja, de graça. A tendência é que futuramente formem-se grupos de agricultores que pagarão seus técnicos para ter uma assistência de melhor qualidade e que atendam imediatamente os problemas do dia-a-dia. Inclusive, para trabalhar projetos viáveis nas propriedades. Não podemos pensar que seria um custo a mais para os agricultores. Isto será um investimento. O aumento de renda na propriedade irá cobrir tranquilamente os custos dos técnicos contratados. As universidades precisam formar profissionais que tenham compromisso com a preservação do meio ambiente para que se produza hoje e se continue produzindo amanhã.

Notisul – O ideal seria cada família rural investir na formação de um agrônomo?
Coelho –
Sem dúvida. Mas nem sempre as pequenas propriedades dariam condições de trabalho a um técnico. E ainda na região, existem muitas famílias que não possuem condições de formar um integrante da família. Daí a ideia dos grupos, na própria comunidade.

Notisul – O agricultor hoje sabe administrar a sua propriedade?
Coelho –
Este é um dos maiores problemas das propriedades rurais na região. É preciso administrar melhor as propriedades, comercializar melhor os seus produtos, fazer cálculos de custos de produção. O maior problema das famílias é para fora da porteira. Os atravessadores continuam levando praticamente todo o lucro das propriedades rurais.

Notisul – Como estão os cursos de agronomia na região?
Coelho –
A formação do agrônomo hoje está muito voltada à preservação do meio ambiente em geral. Novas tecnologias são estudadas e implantadas pensando no futuro e com pesquisas já comprovadas na prática. Antigamente, os agricultores eram usados como cobaias. Nossas pesquisas eram feitas nas próprias propriedades e nem sempre os resultados eram positivos. Em outras palavras, tecnologias eram importadas e nem sempre davam resultado em nosso país. O maior aprendizado é que nem todas as tecnologias que apresentam resultados imediatos são altamente rentáveis e que devemos recomendar para o futuro.

Notisul – E os agrônomos vendedores de agrotóxicos?
Coelho –
Existem. Mas acredito que a consciência é bem maior, principalmente pela responsabilidade em recomendar o uso de produtos químicos. As próprias fábricas destes produtos já estão preocupadas com o seu uso indiscriminado. Eles sabem que a população está mais atenta para estes problemas.

Notisul – E a eficácia de produtos biológicos?
Coelho –
O uso aumentou. Em alguns casos, o efeito é mais lento, fazendo com que as pragas venham a morrer até uma semana após a aplicação. Com isso, os agricultores acham que o produto não é eficiente, pois as pragas continuam vivas. Mas estas pragas, mesmo vivas, já não estão mais causando danos às plantas. Cada vez mais é preciso buscar esclarecimentos.

Notisul – É verdade que você é apaixonado pelo meio ambiente?
Coelho –
Sempre busquei alternativas para ajudar o meio ambiente. Quando assumi a direção técnica de uma propriedade em Capinzal, eram utilizados produtos químicos de alta periculosidade. Na época, mudamos para um controle biológico através de bacilos que tinham efeito excelente contra a lagarta da soja e eram inofensivos ao homem e ao meio ambiente. Tive que assumir a responsabilidade e trouxe resultados positivos.

Notisul – Qual o futuro da agronomia e dos profissionais na região?
Coelho –
A Unibave tem compromisso com a população da região. A ideia é oferecer um curso de agronomia voltado aos problemas regionais e, naturalmente, do estado. Estamos muitos preocupados com a formação de engenheiros agrônomos e administradores de agronégocios com espírito empreendedor, formar profissionais que permaneçam na região atuando na agricultura, pecuária e cooperativas, ajudando a desenvolver da agricultura familiar. Queremos formar técnicos voltados à preservação do meio ambiente, que procurem alternativas sustentáveis.

Notisul – Qual o diferencial do curso de agronomia da Unibave?
Coelho –
A Unibave iniciará em 2010 o curso de Agronomia. A ideia de ter um outro curso na região é possibilitar ao filho do agricultor, o da cidade e o jovem que necessita trabalhar para pagar seu estudo cursar a faculdade no período noturno. Não haverá perda de qualidade, pois as aulas práticas de campo necessárias serão realizadas aos sábados. Se for necessários, as viagens de estudo mais longas serão em feriados e fins de semana. Se o estudante trabalhar na propriedade dos pais, durante o dia, ele poderá tirar dúvidas à noite. Queremos que estes profissionais continuem na região. É claro que, se surgir uma ótima oportunidade em grandes centros, em projetos diferenciados, eles devem aproveitar. Um estudante que vai para os grandes centros estudar dificilmente voltará à propriedade da família, de origem, ou para a região.