“Falta planejamento”

Oficial da Polícia Militar aposentado há sete anos, o coronel Sérgio de Bona Portão, 60 anos, é um especialista em trânsito. O seu amplo conhecimento na área motivou a sua nomeação a secretário de segurança e patrimônio da prefeitura de Tubarão, no início de julho, cargo até então ocupado por um de seus três filhos, Carlos Eduardo de Bona Portão, o Preto. Como PM, circulou pelo estado afora, principalmente no sul do estado, e foi comandante da companhia em Blumenau. É  bacharel em direito e pós-graduado em gestão e segurança no trânsito, ambos os cursos pela Unisul. Foi presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), representou as polícias militares do Brasil em uma instância abaixo do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), no fórum consultivo, durante mais de um ano, e é autor da Coletânea de Legislação de trânsito, obra conhecida em todo o país, que caminha para a 15ª edição, com mais de 40 mil exemplares até o momento.

 

Priscia Loch
Tubarão

 

 
Notisul – Neste curto período em que está à frente da secretaria de trânsito e patrimônio, já conseguiu visualizar mudanças, resultados?
Sérgio – Primeiro, coincidiu, não foi obra nossa, mas a sinalização da cidade está sendo revitalizada. É uma licitação de valor bem significativo, R$ 285 mil, 15 mil metros lineares. O que foi feito até agora representa um quarto do que vai ser. Faremos a Semana Nacional do Trânsito, de 18 a 25 de setembro. O tema deste ano é velocidade, vamos trabalhar bastante com blitze educativas, trazer radares, montar uma operação logística para abordar condutores infratores e fazermos eles passares por uma atividade de oito a dez minutos, que inclui vídeos pequenos e a assinatura de um termo comprometendo-se a ser zeloso no trânsito. Essa é uma aposta que a gente faz de que é possível mudar este comportamento, já que nem todas a gerações tiveram aprendizagem. 
 
Notisul – Falando em aprendizagem, você acredita que implantar educação no trânsito no currículo escolar daria bons resultados a médio e longo prazo?
Sérgio – Sim, precisamos apostar. É na escola que a gente aprende, e a escola não nos ensina exatamente a questão da velocidade, do tipo a física mostrando um choque entre dois veículos, que é o resultante destas duas forças. Temos essa falsa noção de que velocidade é uma coisa meio relativa, que não dá nada. Mas velocidade mata. Este assunto deve ser trabalhado de forma interdisciplinar, onde possamos agregar conhecimento.
 
Notisul – Como está o processo de criação do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte?
Sérgio – O projeto está na câmara. O conselho não fazer nada sozinho, e sim reunir basicamente três segmentos: poder público, empresas e a sociedade.  Depois é só o prefeito sancionar. Nós imaginamos, e colocamos na programação, o dia 25 , último evento da Semana do Trânsito, já com a primeira reunião de imediato. O conselho vai sugerir ao prefeito, servir como um canal de negociação, de interlocução. Queremos que a sociedade participe. 
 
Notisul – Que outros planos há para melhorar o trânsito de Tubarão?
Sérgio – Trabalharemos muito também o pedestre, as faixas. Na rua Lauro Müller, foi feito um estreitamento da pista e três faixas. No cruzamento da ponte, tem uma faixa em que, durante a travessia de pedestres, os veículos fiquem retidos. Na prática, vamos cercar esta primeira faixa, delimitar e impedir as pessoas de passarem por ali, vamos anular a pintura dela. Outros pontos da cidade também merecem esta atenção. É todo um cuidado que estamos procurando demonstrar e instrumentalizar a cidade. 
 
Notisul – O transporte público tem perdido cada vez mais espaço. O que pode ser feito para reverter este quadro?
Sérgio – Estou designado a conduzir uma audiência pública, no próximo dia 28, na Amurel, visando a licitação que vai tratar da concessão do transporte público. A comunidade está sendo chamada a participar, afinal, o usuário do transporte público tem que mostrar o que quer. O transporte público está mesmo perdendo espaço. Está ficando muito mais interessante tu comprar uma motocicleta, um carro. O transporte individual está com os dias contados, não tem mais espaço. Para isso, o transporte público tem que ser interessante, ser uma alternativa viável, tem que ter conforto, fluidez, segurança e uma tarifa razoável. Nem que o poder público tenha que subsidiar, porque do jeito que está não dá. 
 
Notisul – A quantidade de veículos quase dobrou em Tubarão de 2002 para cá. E a tendência é este ritmo acelerar ainda mais. O que é possível fazer a respeito?
Sérgio – No mês passado, foram 313 veículos novos, ao passo que vieram esses veículos novos e dois ônibus que havia na frota saíram de circulação. Puxa vida. Ano a ano, isso piora. Tem uma solução milagrosa? Não tem. Temos que construir uma realidade nova. Por outro lado, o dono da empresa de ônibus não é obrigado a investir o capital contando que a Salve-Rainha vai ajudar ele. Ele tem que ter retorno, não se pode imaginar alguma coisa que não dê lucro. Então, ações pontuais que podem parecer bobagem são de extrema importância. Como a retirada de cartazes de festas das vias públicas, que comprometem a segurança. Como autoridade de trânsito, fomos em cima e arrancamos tudo. Tenho atrás da secretaria mais de 200 banners. Não posso concordar com a atenção sendo desviada por um, dois ou três banners desses. Mantida a tendência atual, a frota de veículo, que hoje é de 70 mil, vai dobrar em oito ou nove anos. E onde é que vai caber tudo isso? Hoje ainda não tem caos no trânsito, e sim momentos de lentidão. Caos é lá na Cingapura, na Índia. Nós no futuro vamos ter que pensar em alternativas, em rodízio. Por que tem tantos estacionamentos abrindo em Tubarão? Porque é vantajoso. Os estacionamentos-garagem estão aí. O comodismo de nós, usuários, é impressionante. Em qualquer ponto, tu acha uma vaga livre no centro da cidade. Mas a gente não quer andar 200 metros, quer parar na frente. Aí não tem ninguém que dê solução para isso. Multiplica a quantidade de veículos mais ou menos por quatro metros, dando margem para outros veículos…   Quantas ruas novas foram abertas? Em outros países, você tem que provar antes de comprar o veículo que tem onde guardar, e esse lugar não é na vida pública. Tem países que é mais sério ainda, como em Taiwan, em que tem um número x de veículos permitido. Anualmente, a prefeitura de cada cidade faz um leilão das vagas que serão abertas, considerando os veículos que já saíram de circulação. Você paga caro pelo direito de comprar um carro. 
 
Notisul – Então, pode-se dizer que o maior problema é a falta de consciência do próprio motorista?
Sérgio – Sim, sem dúvida. Conforto, segurança e fluidez, as três coisas têm que andar juntas. O usuário busca este equilíbrio na hora de escolher o meio de transporte. Temos problemas estruturais? Tem. Não tivemos planejadores no passado. Tanto é que temos a rua Conselheiro Mafra, por onde passavam os carros de boi. Construções que foram permitidas que não têm uma vaga de garagem. Hoje, isso é condicionante. Temos outros exemplo, como a Comasa. É uma região baixa, com ruas de dois metros de largura. Passa um veículo e se ele quebrar ali trava tudo o trânsito. Não tinha ninguém para olhar isso naquela época? Não tem alternativa. Só se passar um trator lá e derrubar metade para abrir ruas. Então, falta essa visão de planejamento para o futuro, para tentarmos evitar que erros tão ou mais sérios que estes aconteçam. A cidade necessita urgentemente fazer o seu planejamento estratégico. Está aí o novo acesso à SC-438, já com alguma preocupação neste aspecto, uma pista de 31 metros de largura, sete metros de cada pista, mais seis de canteiro central, dois metros e meio de calçada, e mais uma ciclovia de dois metros de largura em cada um dos lados, que vai ligar com a ciclofaixa que tem hoje na BR-101. Por sinal, dias atrás observei e não encontrei nenhum ciclista, as pessoas parecem que não gostam ou não foram despertadas.
 
Notisul – Mas quem sabe no futuro, se houver um projeto de outras ciclovias, esse meio de transporte ganhe mais adeptos…
Sérgio – Claro. A bicicleta é uma alternativa bastante interessante, saudável, ecologicamente correta. Mas o uso tem que ser estimulado, com locais adequados para guardar. Na Praça 7, levamos o primeiro bicicletário, retiramos do Mercado Público. E a Tractebel me garantiu que doará material de ferro para fazer outros bicicletários para instalar em praças públicas. Tem bicicletas amarradas em postes, por outro lado tem bicicletário que ninguém utiliza. No primeiro dia que colocamos o bicicletário na praça, eu fiquei na frente do banco olhando para ver o que acontecia. Veio uma senhora e perguntei se ela vem todo dia ao centro de bicicleta. Ela respondeu que sim, trabalha no banco. E perguntei: ‘a senhora utilizaria um bicicletário?’. Ela respondeu que sim, mas ao mesmo tempo disse que na porta do banco era mais perto. Mas na porta do banco atrapalha, não fica bem. É o tipo de coisa que precisamos mudar, e vamos instalar mais onde se mostre necessário.  
 
Notisul – Falando em bicicletas, como você vê a questão das elétricas?
Sérgio – Ela se equipara a todo e qualquer outro veículo automotor, não tem nenhuma diferença. Ocupam o mesmo lugar que os carros, claro que a sua massa metálica é menor, então tem que ocupar o lado direito da via. Mas exige, pela legislação, condutor habilitado, equipamentos de segurança, e o que nós vemos aqui é desrespeito às leis, até mesmo com os semáforos.
 
Notisul – E para tirar esta carteira especial, já existe alguma regulamentação no município?
Sérgio – Não tem nada. Queremos levar isso já para o conselho de trânsito, assim como o mototaxista, que exige uma regulamentação municipal, que já passou pela câmara e precisa ser aperfeiçoada. Não é para qualquer um, para quem está desempregado. É uma atividade técnica, um prestador de serviços, que se exige preparo adequado, equipamento de segurança, higiene, conforto. E, sobretudo, que tenha muito mais cuidados e zelos, como o motorista de ônibus, pois está transportando vidas. 
 
Notisul – A Guarda Municipal é subordinada à secretaria que você coordena, mas a população não respeita muito os agentes. O que pode ser feito para melhorar a situação?
Sérgio – Respeito a gente conquista. Não quero culpar ninguém, nem acho que isso seja um conceito dominante na sociedade. Mas se difundiu a crença, o mito, de que a guarda não tem competência, não tem poder de polícia. Ela não tem poder de polícia judiciária, para apurar delitos, a autoria de crimes e contravenções. Está na lei que o policiamento ostensivo é atividade exclusiva da Polícia Militar. Isso não significa dizer que a Guarda não tem poder de polícia, ela tem sim. Tanto é que a criação foi precedida de uma autorização da câmara, o prefeito sancionou, depois houve um decreto regularizando o funcionamento, o número de agentes. Depois foi feito um concurso público, foi homologado, de acordo com os parâmetros de formação lá de Brasília, e eles passaram a trabalhar. A secretaria de segurança pública do estado, o Detran e o comando da Polícia Militar assinaram um convênio, e por este convênio a Guarda Municipal de Tubarão está credenciada e habilitada legalmente a autuar em nome do estado, em nome do Detran. Então, se alguma dúvida existe, eu acho que é um pouco de falta de informação. A Guarda se recente e é carente de estrutura, de treinamento. Só recentemente é que teve autorizado o uso de armas e coletes. 
 
Sérgio por Sérgio
Deus – Ser supremo, maior.
Família – É tudo de bom, é o que nos dá ânimo para todo dia levantar cedo. Sou muito feliz.
Trabalho – O que nos motiva, dignifica, impulsiona.
Passado, presente e futuro – Desafio diário. Acredito em tempos melhores.
 
"A Lei Seca precisa ser melhor aperfeiçoada. Temos bastante hipocrisia. A questão da bebida alcoólica é que cada um tem um nível diferente de absorção, de tolerância ao álcool. Sexo masculino difere, quem tem mais massa corporal, mais gordura absorve menos, quem esteja bem alimentado faz uma profunda diferença. Então, não tem como dizer que toma uma latinha e meia ou duas e está bem. Não. Para uma determinada pessoa, aquilo pode ser fatal, tem pessoas que com uma latinha ficam embriagadas.
No mundo inteiro se combate isso e os melhores exemplos vêm do primeiro mundo, onde não só o condutor não pode beber, como também os outros que estejam no veículo. Está para ser votado o endurecimento da lei, porque não é direito de ninguém dirigir embriagado, não tem glória nenhuma uma pessoa ser atropelada e morta por um embriagado. Então, dirigir sob efeito de álcool e outras drogas é algo que a legislação tem que coibir, tem que punir com mais seriedade. A melhor alternativa é zero de álcool. A minha posição é que se combata, e que as pessoas tenham mais consciência".
 
"A tendência para o futuro é 
de pedágios urbanos, como 
já é cogitado para a cidade de São Paulo.”
 
“Assim como para o automóvel tem regras, para o pedestre também tem. Esse é um grande desafio”.