“Ceaca é um lugar onde sonhamos”

Padre José Eduardo Bittencourtt se diz um homem apaixonado pela vida e realizado. Une a fé e o amor às pessoas, para realizar o bem ao próximo. Nasceu em Tubarão e hoje está com 47 anos, Eduardo faz sua segunda passagem como pároco no município de Capivari de Baixo. Ele já atuou na cidade entre os anos de 1996 a 2004, foi para Imbituba e neste ano retornou à Cidade Termelétrica. De uma família numerosa de 14 filhos, ele salienta que, aos poucos, aprendeu a ser gente. Estudou na Unisul, campus de Tubarão, fez filosofia, residiu em Florianópolis e fez teologia e há 18 anos é padre. Dentre as inúmeras paixões, fundou o Ceaca.
Rosa Silveira é uma mulher simples, contagiante e responsável. Filha de dona Marina. Rosa é coordenadora da instituição e têm quatro irmãos, Luiz, Ângela, Joel e Ana Lúcia. É ligada no 220 volts, como ela mesmo se define, não para um só instante. Ela se entrega naquilo que faz de corpo e alma. Viúva de Sidney Machado e mãe de dois filhos, a publicitária Luciane Silveira e o estudante de educação física Sidney Silveira. A coordenadora e assistente social está à frente da instituição há 17 anos.


Jailson Vieira
Capivari de Baixo

Notisul – Por que e quando surgiu o Ceaca? Qual a necessidade da instituição?
Padre José Eduardo Bittencourtt – Havia em Capivari muitas crianças que vinham pedir dinheiro ou qualquer outra coisa na igreja. E sabemos que dinheiro se transforma tanto em leite, pão, cachaça ou até mesmo em drogas. Com essa urgência pensamos em um lugar para acolhê-los. E por essa necessidade ganhamos um casarão antigo e iniciamos a obra em 1997. Foi com essa necessidade que surgiu o Ceaca.

Notisul – O que é o Ceaca?
Padre Eduardo
– O nome Ceaca significa Centro de Apoio à Criança e ao Adolescente. Pensamos em um local que não fornecesse alimento somente, mas algo de mais consistência, no qual eles pudessem crescer com segurança e realizassem sonhos. Então a instituição é o local que sonhamos e que com objetivos sólidos e trabalho duro, vamos atrás de cada um deles para torná-los realidade.

Notisul – Quais os maiores benefícios ou quando ocorreu a melhor fase?
Padre Eduardo –
O Ceaca tem se superado dia após dia. Tanto que iniciamos com 34 atendimentos, depois passamos para 54, em pouco tempo 72, quando percebemos estávamos com 90 e, agora, estamos com 129 e vamos aumentar o número para 250 crianças e adolescentes com idades entre 6 a 18 anos incompletos. Não saberia ao certo dizer a melhor fase. O bom para o Ceaca é que ele se supera sempre, a instituição nunca se estagnou, tanto pelo número de crianças, quanto pela ousadia dos sonhos que temos. Não cobramos nada e acreditamos que todos podem ajudar, como a prefeitura, os órgãos públicos, as empresas e a população em geral.

Notisul – Quais as dificuldades que tiveram? E o que fizeram para reverter a situação?
Padre Eduardo
– Além da parte financeira e estrutural, é o desafio de oferecer à criança algo mais sólido. Há crianças que foram violentadas, perderam sonhos, e esses  pais não ajudam. A maior dificuldade é ver que nem sempre a família está estruturada, você quer ajudar e a família não quer. O pai bebe, a mãe está em outra situação. Como ajudar uma criança que a própria família não tem estrutura. Esse é um desafio difícil de superarmos. Porém, acredito que um dia seja sanado.

Notisul – Depois dos 18 anos, os jovens saem do local. O que ocorre com eles?
Padre Eduardo –
O Ceaca tem de ser um aeroporto, você dá combustível e depois o aluno decola. Temos muito dos nossos adolescentes como menor aprendiz agora, e também no primeiro emprego em várias empresas da cidade e também em Tubarão. Alguns saem para fazer faculdade e hoje, diferente de alguns anos atrás, o Ceaca tem como encaminhá-los. Temos empresas parceiras da entidade e que colaboram e muito com o nosso projeto.

Notisul – O poder público ajuda no custeio ou colabora de alguma forma?
Padre Eduardo –
O nosso grande parceiro é a prefeitura de Capivari de Baixo, que ajuda na manutenção do projeto. Quanto a estrutura, o prédio, temos parcerias com a Tractebel. Não temos convênios com o estado e a federação, quem nos ajuda em boa parte é a prefeitura.

Notisul – O que falta ou por que não há ajuda na esfera estadual ou federal?
Padre Eduardo –
Fizemos três pedidos de subvenção de emenda parlamentar. E em todas elas vinham coma demanda de propina. Poderíamos fazer a requisição de R$ 100 mil, contudo, teríamos que deixar R$ 10 mil, para aquele parlamentar que nos ajudou. A última que nos ofereceram foi a quantia de R$ 100 mil e deveríamos repassar R$ 40 mil. Não aceitamos. Falaram, padre todo mundo faz, e afirmei que não faríamos. Diante da propina você assina e se corrompe, e o nosso projeto é de justiça e esperança e não de negociata. Perdemos vários projetos com esse propósito. Não podemos nos aliar ao que não é certo.

Notisul – O projeto pode ser ampliado em mais alguma cidade? Qual local pode ser beneficiado?
Padre Eduardo
– Tínhamos um sonho de construir o Ceaca  também em um país da África, fomos lá e tentamos criar uma unidade. Mas, com a guerra civil, o projeto foi diluído. Agora, é possível ter em vários lugares, entretanto, por enquanto manteremos somente em Capivari de Baixo. A partir do próximo ano, queremos fazer pequenos projetos fora do prédio do Ceaca, como aulas de música, oferecer outros serviços para as demais crianças, que não estão na instituição diretamente. Contudo, que podem ser beneficiadas.

Notisul – O que fazem para manter o projeto na Cidade Termelétrica?
Padre Eduardo – Temos uma fonte ordinária além da prefeitura. Contamos com a colaboração de famílias, na qual contribuem no desconto da fatura da energia elétrica. Arrecadamos em torno de R$ 2,5 mil. Gastamos em torno de R$ 30 mil, temos a feijoada do Ceaca, que ocorre sempre no mês de setembro em parceria com o Rotary Clube do município. Uma parte do dízimo vai para a entidade e têm pessoas que doam alimentos, roupas, e há ainda voluntários que doam seus serviços. Além dos funcionários da Loja Salfer, que fornecem um valor, e a direção da loja completa essa quantia.

Notisul – Qual é o seu trabalho no Ceaca?
Rosa –
Sou coordenadora e assistente social. Também sou funcionária do município à disposição da instituição há 17 anos. Trabalho junto com uma equipe composta por uma psicóloga, a Karine, a Nádia, que é auxiliar pedagógica e a Marina, a nutricionista. Temos as nossas educadoras sociais, a Cintia, a Grazi, a Luciane, e a Bete, que auxiliam os nossos alunos nas tarefas educacionais. A responsável pela oficina de artes, a Maria de Lourdes; o Sidney, que é o nosso recreador, animador; o tio Lica, que faz tudo na instituição; temos duas auxiliares de serviços gerais, a Lurdinha e a Verinha e também três merendeiras: a Isolete, a Fabíola e a Dorza. Então, nossa equipe é composta por 17 funcionários que tentam resolver as questões da melhor forma possível e também procuramos fazer um trabalho de qualidade.

Notisul – Para comandar a equipe é difícil? Quais os maiores desafios encontrados?
Rosa –
Coordenar uma equipe boa é muito fácil. Temos funcionários de qualidade que vestem a camisa. Nesta semana uma educadora social trabalhou doente. E tivemos que mandá-la embora. Tamanho é o amor que eles têm pelo Ceaca, não trabalhamos por trabalhar, ou para receber um pagamento no fim do mês. Trabalhamos com amor e carinho pelas crianças e por aquilo que escolhemos fazer. Nunca planejamos pequeno, quando vimos as coisas se tornam grandes. Nossas crianças merecem sempre o melhor. Temos o planejamento mensal. Fizemos avaliações para ver o que necessitamos melhorar e ainda mantemos o que deu certo. Trabalhamos temas diversos durante todos os meses do ano. Fizemos palestras, e dentro de um mês temos que fazer o fechamento desse tema. Junto com essas palestras fazemos ainda apresentações com danças, teatros, tudo produzido pelos nossos alunos.

Notisul – Como veio o convite para coordenar a instituição?
Rosa –
O padre, quando chegou em Capivari de Baixo, percebeu a quantidade de crianças na rua, e comentou comigo sobre o que fazer para criar algo para a criança e para o adolescente. Na época estava na liturgia da igreja. Frisei que deveríamos colocar no papel, dessa forma que as coisas saem, somente ao traçar metas que a situação toma corpo. Hoje, quando olho para o papel, no qual era o projeto, o vejo muito simples. Reunimos a comunidade, lançamos para a população na festa de São João Batista, no qual é o padroeiro da paróquia e, para a nossa felicidade, o projeto fluiu. Hoje, temos 129 alunos. E estamos no prédio até os dias atuais, e isso prova que alguma coisa de bom é feito para as nossas crianças.

Notisul – Você tem contato com esses alunos? Para onde eles foram? 
Rosa –
Temos alunos dentro da Tractebel nas terceirizadas, na Fucap, na Uniasselvi. Há diversas parcerias com mercados e lojas de Tubarão. Procuramos parceiros e encaminhamos os alunos para o mercado de trabalho. Alguns são menores aprendizes. Orientamos que a oportunidade damos, resta a eles aproveitarem. Nem todos que saem do Ceaca vão para o caminho bom. Infelizmente não temos o poder de sermos Deus. Sabemos que há pessoas que caem no mundo das drogas, mas felizmente o número de alunos que foi para o bom caminho é muito maior. Alguns ex-alunos já têm filhos, e estes estão na instituição. Porque os pais trabalham e precisam deixar os filhos em um lugar seguro. Fizemos, recentemente, em parceria com duas estagiárias, a Tatiane e a Andréia, uma pesquisa socioeconômica. Elas visitaram todas as casas que há discentes da instituição. Percebemos que, quando essas crianças entraram a situação melhorou, o pai trabalha, a mãe também exerce uma função remunerada e o filho está no menor aprendiz. A qualidade de vida melhorou. Nosso objetivo não é somente dar um prato de comida, queremos fazer com que o projeto contribua para a qualidade de vida das crianças e adolescentes. Vimos que dá resultado. Conseguimos visualizar uma família diferente. Também trabalhamos com a família. Nossa diretoria, por meio do Padre Eduardo, dá-nos liberdade e ajuda em muito para que isso ocorra. Diversos ex-alunos nos visitam. O projeto segue o lema. O Ceaca não vive da ajuda de poucos e sim da ajuda de muitos. E se cada um der um pouco isso já ajuda bastante.

Notisul – Quantas refeições são servidas por dia ou por mês?
Rosa –
Servimos 260 alimentações por dia. Não contabilizamos as repetições. Na semana servimos 1,3 mil refeições. No mês são 5,2 mil e no ano 58 mil. A nossa merenda é de qualidade! A nossa nutricionista faz toda a parte de balanceamento junto com as cozinheiras. As crianças têm soja na almôndega, muitas comem e não sabem o quanto o alimento faz bem. Temos as nossas padeiras, que fazem os mais diversos pães, bolos, enfim. A dona Laura, a Dirce a dona Joana fazem tudo com amor. Temos um lema. ‘Colocou no prato tem que comer’. As crianças somente podem colocar no prato aquilo que realmente podem comer. Não há o baldinho de lavagem. Quando há um alimento diferente, instruímos a pegar pouco para experimentar. Se gostarem podem colocar mais. Tinha criança que não comia carne, porém, com o tempo, utilizaram esse alimento. Em algumas situações percebemos que elas se lembram de seus irmãos que não se alimentam da mesma forma em casa e por isso há o embargo na alimentação.

Notisul – Já ocorreu de ter uma criança em situação difícil, que chegou na instituição por força da situação?
Rosa
– Temos quatro crianças de situação de risco e o conselho tutelar nos encaminhou e até mesmo crianças que passaram pela promotoria acolhemos, fizemos um trabalho diferenciado. Contudo, foram casos especiais e necessários. Acolhemos porque não faltava muito tempo para os 6 anos e hoje, são os nossos mascotes. Duas delas colocamos almofadinhas para sentarem, porque não alcançam na mesa. Situações difíceis encontramos no dia a dia, mas quando detectamos acionamos o órgão competente.

Eduardo por Eduardo
Deus – Tudo
Família – Essencial
Trabalho – Bom passatempo
Passado – Boas memórias
Presente – Aproveitar cada segundo
Futuro – A Deus pertence

Rosa por Rosa 
Deus – Porto seguro
Família – Tudo de bom
Trabalho – Extensão da casa
Passado – Experiência adquirida
Presente – Fazer e fazer bem
Futuro – A Deus pertence

"Atendemos diariamente 129 crianças e adolescentes da nossa comunidade com um ambiente acolhedor, formativo".

"Tudo isso somente é possível graças às bênçãos de Deus e o apoio de entidades e benfeitores da nossa cidade".