Câncer: doença moderna

As médicas Aline (E) e Caroline trabalham no setor de oncologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em Tubarão.
As médicas Aline (E) e Caroline trabalham no setor de oncologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em Tubarão.

"O câncer, muitas vezes, não se manifesta precocemente e só descobrimos quando cresce. Infelizmente não é possível fazer
um diagnóstico precoce para todos. Por isso a importância de visitar o médico, pelo menos, uma vez ao ano".
Oncologista Aline de Souza Rosa.

Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que dos 16,8 milhões de novos casos de câncer esperados para 2020, 50% surgirão em países em desenvolvimento, caso do Brasil. Cerca de dois terços das mortes ocorrerão em países pobres ou em desenvolvimento. Para entender porque a incidência da doença aumenta a cada ano, o Notisul conversou com as oncologistas Caroline Quaresemim e Aline de Souza Rosa. As duas atuam na Unidade de Oncologia (Unionco), do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em Tubarão. Caroline graduou-se em 2007 na Universidade Federal de Santa Maria (RS), onde fez residência em clínica médica e oncologia. Já Aline, formou-se na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com residência interna no Hospital das Clínicas, em Porto Alegre, e oncologia no Hospital Santa Rita.

Karen Novochadlo
Tubarão

Notisul – Hoje, a incidência maior é de câncer de pele. Quais são os outros tipos?
Caroline –
O câncer de pele é mesmo o mais frequente. Mas não o do tipo melanoma, que é o mais agressivo. Depois, os mais comuns são, na mulher, o de mama e, no homem, o de próstata e o de pulmão.

Notisul – A forma que a pessoa vive conta bastante no desenvolvimento do câncer?
Caroline –
O surgimento do câncer não é algo, ainda, bem explicado. Existe um fator individual (o genético) e um ambiental. Neste, existem vários itens que contribuem no desenvolvimento do tumor, como os hábitos alimentares e o sedentarismo, por exemplo. Alguns fatores estão mais associados a alguns tipos de tumor. O álcool, alimentos com manipulação, como o industrial podem influenciar. Outros fatores são de comportamento, como atividades sexuais ou vida reprodutiva. Outras são causas infecciosa, como o HPV. A hepatite pode causar um tumor de fígado. Mas os fatores não são definitivos, eles podem aumentar a chance. Não significa que se você fumou terá um câncer de pulmão. Mas não podemos esquecer da genética. O componente individual, somado ao ambiental, aumenta a chance do câncer desenvolver-se.

Notisul – Por que hoje tem mais casos de câncer do que há 30 anos, por exemplo?
Caroline –
Na verdade a incidência é maior. E como tem mais gente doente, há mais mortes, em números absolutos.
Aline – Mas se olhar a porcentagem das pessoas que têm câncer e morrem, o número é menor. Isto é por causa dos tratamentos.
Caroline – Este aumento na quantidade de pessoas com câncer deve-se, em especial, a mudança dos fatores ambientais. Em 1950, por exemplo, a população era mais rural do que urbana. Hoje é o contrário: as pessoas estão muito mais expostas ao tabagismo, ao álcool, a medicamentos e a outras substâncias lícitas ou ilícitas. Também ocorreu a alteração da atividade sexual, a mudança do padrão de reprodução, de alimentação e hormonal, a diminuição do número de filhos e a obesidade, que contribui à alteração hormonal). Além disso, a população envelheceu. A expectativa de vida em 1950 era menor do que hoje. Mas em contrapartida, as tecnologias de diagnóstico melhoraram. Em 1950 a pessoa morria e a família nem sabia do quê. Atualmente, com as campanhas de prevenção, as pessoas procuram se cuidar mais, ir ao médico regularmente. A incidência de câncer é maior, mas a chance de cura também.

Notisul – Depressão e estresse, de alguma forma, podem levar ao desenvolvimento do câncer?
Caroline –
Na verdade não existe nada documentado a respeito. Isto contribui, na verdade, para piorar a qualidade da alimentação e outras questões, que, aí sim, poderiam levar a isso.
Aline – O que se sabe é que a má alimentação, neste caso ocasionada pela depressão, por exemplo, pode provocar uma alteração hormonal, e, neste caso, pode haver o surgimento de um câncer.

Notisul – O planejamento familiar – hoje as mulheres têm filhos cada vez mais tarde – pode contribuir para o surgimento da doença?
Caroline –
Quando a mulher está grávida, ela ovula menos e, por isso, muda a atividade do ovário e a exposição da mama a hormônios.
Aline – Mulheres que nunca tiveram filhos têm uma probabilidade maior em ter câncer porque não tiveram estas alterações hormonais, geradas pela gestação.  

Notisul – Em Tubarão, conforme a vigilância epidemiológica, as maiores causas de morte são em decorrência a hipertensão, ao diabetes e o câncer. É uma tendência mundial?
Caroline –
Sim. Antigamente, as pessoas morriam mais por doenças infecciosas e parasitárias. Não havia saneamento básico ou higiene. Quando esse quadro mudou, começaram a aparecer outros problemas: os crônicos,  os cardiovasculares, o diabetes, a hipertensão, a cardiopatia e o câncer. Quando aumenta a expectativa, a população está mais tempo ‘disponível’ para desenvolver o tumor. Mas mesmo no Brasil, temos diferenças interessantes: no sul do país, uma das regiões mais desenvolvidas, o comportamento é este. No norte e nordeste têm menos casos de câncer porque são regiões onde a questão higiênica ainda é diferente. Nestes locais ocorrem mais mortes por doenças infecciosas e parasitárias do que por câncer.

Notisul – O Instituto Nacional do Câncer (Inca) já projeta crescimento na incidência da doença para os próximos anos. Não pode haver diminuição?
Caroline –
É sim. E continuarão a aumentar. O motivo disso, em parte, pode ser atribuído aos fatores ambientais. Não esperamos que o índice retroceda, até porque a expectativa de vida também não vai diminuir. Então, teoricamente, a tendência é a incidência aumentar. O foco dos trabalhos na área oncológica, hoje, é para que a taxa de mortalidade diminua. Os estudos avançam no sentido de criar novos mecanismos de detectar o tumor mais cedo, de disponibilizar outras e mais eficientes opções terapêuticas.

Notisul – Existe algum cálculo de probabilidade? Por exemplo: se meu pai ou meus avós tiveram câncer, significa que posso ter também?
Caroline –
Não. Não temos como fazer essa conta. Não há como prever. Os pacientes que possuem familiares de primeiro grau que tiveram câncer, têm maior chance de desenvolver também. Mas isto depende do tipo de câncer. Existem alguns tumores muito ligados a fatores ambientais. Você pode ter um familiar tem que bebe muito e teve esse tipo de tumor. Se você não beber muito, não é a sua genética que vai te levar ao desenvolvimento do tumor. O seu parente se expôs aos riscos, você não. Porém, no caso, por exemplo, de um câncer de mama, de colo de útero e alguns tipos de sarcomas, existem genes que aumentam o risco de desenvolvimento. Se sua mãe teve câncer de mama e outras familiares próximas de você também, sua chance de ter é grande.

"Antigamente, o câncer não matava menos do que de agora. Pelo contrário. Hoje temos mais artifícios e opções terapêuticas para aumentar a sobrevida dos pacientes e reduzir a mortalidade. Há 30, 40 anos, isso não existia. Agora, se o tumor é descoberto cedo, a chance de cura é muito maior. Antes a pessoa nem tinha esta chance". Oncologista Caroline Quaresemim.