“As pessoas têm que se sentirem parte do país”

Criciúma

Notisul – Para onde o Brasil está caminhando? Está dentro das suas expectativas?
FHC
– Do ponto de vista de crescimento econômico e da estabilidade da moeda, não tenha dúvidas que sim. No ponto de vista político, não. Acredito que as instituições não estão sendo fortalecidas. As agências regulatórias, como a Agência Nacional do Petróleo (ANP), foram objeto de divisão do bolo pelos partidos. Um país precisa crescer não apenas economicamente, mas também em suas instituições. As pessoas têm que se sentirem parte do país. Enquanto não tivermos essa crença, de que ao menos perante a lei somos todos iguais, teremos a impunidade. Enquanto tiver impunidade, há corrupção. No social, também teve crescimento.

Notisul – Como o senhor avalia o cenário político e estes escândalos envolvendo o senado?
FHC
– Eu não penso. Eu lamento. Fui senador na década de 1980, na luta contra a ditadura. Tínhamos a expectativa que as instituições não se transformassem em algo que não faz diferença entre o que é o público e que é privado. As pessoas utilizam os recursos públicos como se fossem de família. Isso se chama patrimonialismo e precisa ser combatido.

Notisul – O que falta para o Brasil?
FHC
– Nós perdemos muitas oportunidades de dar um salto maior na infraestrutura. Perdeu-se muito tempo discutindo como estes investimentos deveriam ser feitos. Não basta apenas o governo investir. Outro fator importante é que nenhuma das reformas (tributária, política, previdenciária) saiu. Agora tem se falado novamente da reforma previdenciária. É preciso ter cuidado porque, nos últimos tempos, o governo tem exagerado nos gastos permanentes e que não são em infraestrutura e que pesarão mais adiante. Críticas eu tenho, mas não posso negar, o Brasil, como país, avançou. Além do mais, a economia hoje não é o governo quem faz, e sim os empresários, os trabalhadores.

Notisul – Como o senhor vê a política externa do Brasil hoje, em especial esta questão em Honduras, já que o presidente deposto está abrigado na embaixada brasileira?
FHC
– Em Honduras, não há lado certo. Os dois feriram a Constituição. O presidente Manuel Zelaya, ao que consta, propôs um plebiscito, para consultar a população para um terceiro mandato. E a Constituição de Hondura proíbe este tipo de plebiscito. Por decisão da Suprema Corte de Honduras, os militares destituíram o presidente. Lá é diferente daqui, não há impeachment. Entretanto, os militares também desrespeitaram a Constituição. Porque é proibido expatriar um cidadão. E isso tudo se revestiu de um aspecto de golpe. Então, os dois lados, ao meu ver, não atuaram de acordo com a regra democrática. O Brasil tem uma tradição de abrigo. Agora, neste momento, não se sabe se Zelaya está lá pedindo asilo ou se está refugiado. Se for pedido de asilo, é direito dele, e o Brasil geralmente concede asilo. Agora, se for para utilizar a embaixada para fazer propaganda, aí extrapola tudo. Tem que ter uma solução negociada. E não sei até que ponto o Brasil tem hoje condições de assumir essa postura negociadora, porque ficou muito ativa de um lado. Agora se discute a ida de uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) para resolver a questão.

Notisul – O senhor tem criado polêmica ultimamente ao defender publicamente a descriminalização da maconha. Por quê?
FHC
– Fiz parte de uma comissão latinoamericana sobre drogas, porque elas estão se tornando um pesadelo. E também porque os Estados Unidos têm uma postura muito clara de guerra às drogas. E eles fizeram uma política muito dura, achando que prendendo resolvia. Nesta comissão, chegamos à conclusão que a repressão estava perdendo a guerra e que era preciso arranjar outros mecanismos para reduzir os danos causados pelas drogas. Isso não significa que não tenha que se reprimir a produção. Mas não adianta colocar o usuário na cadeia, lá ele vai aprender a usar outras drogas. O que nós temos defendido é que o usuário que for pego pela polícia não vai para cadeia. No Brasil, já há uma lei. A diferença é que a nossa não é precisa, deixa uma margem de arbítrio por conta da polícia. Uma legislação deste tipo existe hoje no México e a Argentina está aprovando uma lei. O que se quer é a descriminalização do usuário. E usar muito mais campanhas, como se fez com o cigarro, que diminuiu o consumo.

Notisul – O governador Aécio Neves, de Minas Gerais, ficou famoso por administrar o estado com um modelo denominado choque de gestão. Em Criciúma, o prefeito Clésio Salvaro (PSDB) também adotou este estilo. O senhor acredita que este modelo deve ser utilizado também no governo federal?
FHC
– Não tenho dúvidas. Este é o modelo moderno de administrar. Você hoje não tem modelo de administração hierarquizada. Você tem que ter administrações onde as pessoas cooperem, as ordens não devem ser no sentido antigo, devem ser de motivação, as pessoas devem participar do processo decisório e, principalmente, cobrar resultados. Hoje, existe toda uma metodologia para fazer isso. Eu sei o que está sendo feito em Minas e há outros estados que estão organizando suas administrações deste tipo e em Criciúma, o prefeito Salvaro tem feito o que precisa fazer: modernizar a forma de administrar.

Notisul – Para as eleições de 2010, cogitam-se entre os tucanos os nomes dos governadores de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra. Qual deles terá o seu apoio?
FHC
– Os dois são meus amigos. Quando eu estava exilado no Chile, José Serra também estava, e ele às vezes aparecia para assistir as minhas aulas, e desde então nós trabalhamos juntos aqui no Brasil, e também em Princenton, nos Estados Unidos. Ele foi ministro também. Já Aécio, é como se fosse meu irmão mais novo. Eu fui amigo do avô dele, colega do pai dele, e tenho uma relação muito íntima com ele. Acho importante que os dois marchem juntos, que é o que está ocorrendo. Que confluam para uma solução, desde que A concorde com B e B concorde com A. E acho que vão concordar e, se não ocorrer, se faz prévias, mas acho que não será necessário. Eu posso dizer com sinceridade que os dois têm qualidades muito boas, são diferentes em personalidade, estilo. Feliz o partido que disponha de dois ou mais nomes. Mas eu não tenho condições pessoais de responder a esta pergunta. Entre os dois, o meu coração balança.

Notisul – Em Santa Catarina, o PSDB faz parte da tríplice aliança com o PMDB e o DEM. Fala-se de uma reedição desta coligação. Mas, em nome de um projeto maior, de ter um candidato do PSDB à presidência do Brasil, pode se repensar esta aliança no estado?
FHC
– Essa é uma decisão catarinense, não nacional. E eu tenho muito medo de me meter em casa de marimbondo, ainda mais com o marimbondo ao meu lado (referência ao vice-governador do estado Leonel Pavan – PSDB, e ao governador Luiz Henrique da Silveira – PMDB, que estavam ao lado de FHC durante a entrevista coletiva concedida antes da palestra proferida pelo ex-presidente em Criciúma, quarta-feira à noite). Eu não sei qual será a solução. Mas acho que é difícil, ainda mais em um país como o Brasil, onde há a pluralidade de interesses, para vencer é preciso compor. Qual é a melhor composição? Depende de cada caso.

Notisul – O senhor tem intenção de candidatar-se novamente a presidente?
FHC
– Acredito que podemos participar da vida política de diversas formas, não necessariamente na política eleitoral. Fui senador, ministro, presidente duas vezes e tenho 78 anos. Se eu fosse competir com os meus colegas para ser candidato, teria um papel mais restrito. Hoje, posso opinar com liberdade, com amor ao Brasil. Não quero julgar ninguém, mas, no meu caso, tenho uma vida intelectual ativa, faço parte de diversas organizações internacionais. Por que voltaria a ser novamente candidato? Quando eu deixei a presidência, disse “essa etapa” acabou e fui dar aula. Até o ano passado, dava aulas na Universidade Brown, nos Estados Unidos. Voltei à atividade acadêmica, a publicar livros. Acho que a gente pode continuar contribuindo de maneiras diferentes.