“As mulheres vão dominar o mundo”

 

Vivian Garcia Selig é gaúcha, formou-se em direito pela Universidade Luterana do Brasil, no Rio Grande do Sul. Aprovada na OAB, inscreveu-se como advogada e, após poucos meses, foi aprovada no concurso para delegada de polícia e, desta forma, suspendeu a inscrição. Cursou especialização em ciências criminais e formalizou a sua monografia sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. Trabalhou três anos e meio na delegacia de Joinville e está em Tubarão há pouco mais de dois anos. Atualmente, é delegada de polícia em Jaguaruna.
 
 
Mirna Graciela
Tubarão
 
 
Notisul – Como é ser uma delegada e ter policiais como subordinados? Já encontraste alguma dificuldade?
Vivian – Talvez eu seja uma privilegiada. Entrei na polícia com 24 anos, já com esta função. Nunca precisei entrar em confronto com nenhum policial. Também nunca fui desacatada ou desrespeitada por ser mulher. Talvez o fato de ser jovem seja mais agravante, porque causa um certo receio. Comecei em Joinville, onde tem um dos maiores níveis de violência do estado. Quando aqui cheguei, já dominava tudo, trabalhei em vários setores. Não enfrentei nenhum tipo de preconceito. 
 
Notisul – O que é necessário para ser um bom delegado?
Vivian – Primeiro, saber liderar e impor autoridade sem ser arbitrária e respeitar o outro. Essa é minha política, por isto nunca me incomodei. Tem que ser uma pessoa justa, ter critérios, objetivos de decisão, primar-se dentro da legalidade e da justiça. Também ser sensata, pois é o delegado que primeiro analisa qualquer prisão, se vai prender em flagrante ou não. Ouvir as pessoas com clareza, não deixar se levar por questões não legais. Se agires sempre assim, nunca serás questionado e ninguém vai poder te repreender, por isso que falo dos critérios e objetivos. Se toda a decisão tomada se pautar nisto, ninguém vai poder questionar.
 
Notisul – E como é lidar com as condições de trabalho?
Vivian – Tem que ser um exímio administrador, ainda mais pela falta de estrutura que o estado nos dá. Se não bem administrarmos nossa delegacia, a população ficará ainda mais carente de segurança. Então, buscamos fazer o máximo daquele pouquinho. 
 
Notisul – O que queres dizer com esta falta de estrutura do estado?
Vivian – Recurso humano. Por exemplo, estou na delegacia de Jaguaruna sem escrivão. Se não o tenho para formalizar, tocar os procedimentos, isso amarra todo o meu serviço. Esta falta é por causa dos maus salários. A maioria, em especial os jovens, busca outras áreas porque não vê um horizonte promissor. A cada dia, aumenta a população nas cidades, bem como a criminalidade, e o efetivo policial diminui. Hoje, qualquer cargo na polícia civil tem que ter curso superior. Quem vai querer fazer um concurso por um salário base de R$ 780,00?  Para enfrentar o crime, uma série de pressões, ser ameaçado, arriscar a vida? Então, a desvalorização do policial é muito grande pelos governos. 
 
Notisul – Como é lidar com a criminalidade?
Vivian – Para mim, é muito natural. Se não fosse, seria preocupante, escolhi esta profissão. Nossa linha de frente são os criminosos. Na realidade, poucos casos me chocam, isto desde o início. Eu sou uma delegada de polícia que gosta mais da parte burocrática, não sou muito de campo, mas também faço investigação. Já peguei muitos casos de abuso sexual contra criança e adolescente, alguns me chocaram mais, mas nada que interferisse na minha vida pessoal, no meu cotidiano.
 
Notisul – Mas teve algum caso marcante que te sensibilizou? 
Vivian – Sim. O de um abuso sexual de uma menina de 4 anos, em Joinville. Abuso confirmado mesmo, com conjunção carnal, em que ela teve que ser afastada da mãe, que era conivente com o agressor, o padrasto. A criança foi instalada em uma casa de abrigo e foi várias vezes na delegacia. Sua tristeza era muito grande por estar longe da mãe, ela pedia o seu retorno. Uma criança não tem discernimento do que é certo e errado, do que ela está sendo vítima. A sua tristeza, aquele olhar carente, triste, de estar fora do lar, embora fosse um lar desestruturado, mas ela tinha uma mãe. Aquilo foi o pior caso que enfrentei até hoje.  
 
Notisul – Como você vê os agressores? 
Vivian – Uma pessoa que comete um abuso sexual discernimento completo não tem. Não considero que seja inimputável, e não possa responder pelos seus atos. Agora, há diferenciações. Existe um abusador típico, que nunca vai se regenerar. E outros que posso até dizer fulamente como um depravado, uma ou outra vez, não houve um abuso em si, ocorreram ações mais leves… Então, tem que analisar o caso específico. Mas o problema psicológico há, pode ser sim um trauma, um abuso na infância. Mas cada caso é um caso. Tem aqueles abusadores que, realmente pela reincidência, não vão mais se regenerar, tem que prender e de preferência não soltar mais. Agora, existem os que talvez tenham uma reintegração social, depois de um trabalho psicológico e psiquiátrico adequado. 
 
Notisul – Como analisas a criminalidade hoje em Tubarão?
Vivian – Analiso pela disseminação do crack, infelizmente. Os furtos e roubos cometidos são para financiar o tráfico, que de uma forma ou de outra teve uma apreensão e ficou descapitalizado. Alguns são cometidos pelos usuários, em desespero pela droga, cometem qualquer tipo de crime para sustentar o seu vício. Aí, vêm as rixas entre as gangues rivais existentes, e desencadeia os homicídios. Outra vertente  da criminalidade é a violência doméstica, o abuso sexual que sempre vai existir. Se hoje se noticia mais é por conta da rapidez da informação, pois sempre existiu. O abuso sexual, de pai para filho, já é de tempos antigos. Talvez até tivesse mais naquela época, por conta da repressão. As mulheres, por exemplo, eram estupradas por seus maridos, mas ficava abafado. Hoje não, elas estão encorajadas a registrar. Qualquer ameaça, injúria vai para a estatística. Muitas vezes, elas registram e não dão continuidade, aí é uma problemática bem maior.
 
Notisul – Mas isto mudou? 
Vivian – Sim.  Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) à lesão corporal. Não pode mais desistir, se comprovada realmente a lesão corporal. Então, talvez por esta instrução das mulheres se volte a uma cifra negra se ela for bem instruída e souber que não poderá mais voltar atrás. Comprovada violência doméstica,  seja de marido, companheiro, quem for, não tem mais como desistir.
 
Notisul – Por que tanta agressão, problemas familiares?
Vivian – Isto ainda é um problema social. Não será o direito penal que vai resolver, tenho uma posição muito firme neste aspecto. Só se deve levar uma situação, um fato, para a parte criminal no momento que as outras instâncias (civil ou trabalhista) tiverem falhado. A violência doméstica tem que estar tipificada como crime. Mas ela vem de um cerne, que é a família. É pela desestruturação, sem educação, sem o mínimo para viver, problemas financeiros, tudo vai minando os relacionamentos. Isto também entre mães e filhos, os casais, quando se perde o respeito. Muitos ainda passam a beber. O álcool hoje está ligado a 80% dos casos de violência doméstica, assim como a droga. 
 
Notisul – Como é ser uma delegada, mulher e agora mãe?
Vivian – Fácil não é, porque a pressão para a mulher moderna é muito grande. Ela tem que ser uma boa profissional para se firmar e conseguir mostrar aos homens que consegue. Ela tem que ser uma ótima mulher, tem que se apresentar bem, ser uma boa mãe, cuidar dos filhos, da casa, então, a pressão é muito grande. Hoje, nós, mulheres, estamos sentindo os reflexos na nossa saúde, só que somos tão poderosas que estamos fazendo a coisa certa. Vamos no exercitar, comer bem, relaxar, se for o caso fazer uma terapia, e assim por diante. Mas voltar atrás e retroceder jamais. Conquistamos nossos direitos e estamos aí. 
 
Notisul  – Qual a sua análise sobre as delegacias gerenciadas por mulheres? 
Vivian – Nas delegacias gerenciadas por mulheres, eu posso dizer, a qualidade é melhor. São mais organizadas, a distribuição do serviço é feita de forma equitativa, os policiais sabem o que vão fazer e por que. Existe a sensibilidade feminina nas decisões, inclusive nos problemas pessoais. O policial também é um ser humano, tem família, problemas pessoais e a delegada de polícia sente melhor esses anseios. Vejo principalmente por este aspecto. E, principalmente, de organização e ser mais ágil. A mulher tem esta característica de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Já o homem sai um pouco atrás. Por isto, as delegacias gerenciadas por elas geralmente produzem mais e são mais organizadas. É uma característica feminina, comprovada cientificamente. 
 
Notisul – A  parceria das polícias civil e militar seria interessante? 
Vivian – Na conjuntura atual, a unificação das Polícias Civil e Militar não daria certo, por conta da formação. Nós somos civis, diferentes da Polícia Militar, que está dentro do exército. Hoje sou contra. Talvez para o futuro seja possível, como existe em outros países, mas a divisão de atribuição sempre vai existir. É impossível a pessoa que previna o crime também investigá-lo, pois não haverá imparcialidade. Também sou contra a investigação do Ministério Público. 
 
Notisul – Por quê?
Vivian – Acho que o Ministério Público tem uma função constitucional bastante ampla, não seria o caso de eles interferirem nesta atribuição, que é das Polícias Civil e Federal. Acho que o ministério perde a imparcialidade,  cabe a ele fiscalizar uma investigação, e não comandá-la. Isso é com as Polícias Civil e Federal. A mesma coisa o juiz. Ele não pode denunciar, não pode investigar, tem que estar imparcial, distante destes fatos, justamente para fazer um julgamento justo.
 
Notisul – Senti que você não teme quase nada. Nada mesmo?
Vivian – Acho que tenho medo doença. Na minha família, não em mim. Fico preocupada de um parente ter alguma doença grave e eu ter que enfrentar este problema. Agora, de bandido, não tenho medo. Nem um pouquinho, se precisar enfrentar, enfrento, é a minha profissão, não perco uma noite de sono. 
 
Notisul – Já sofreste  ameaça? 
Vivian – Ameaça grave não. Vem ameaça aos meus policiais, a suas famílias. Isto reflete em mim. Tivemos uma em Jaguaruna. Não me causa medo, se tiver que me defender, vou me defender. Por isso ando armada. O que os bandidos mais querem é ameaçar e incriminar policiais, inventam histórias, tentam desvirtuar uma investigação. Dentro da legalidade, faço tudo que deve ser feito, para que eles não possam alegar nada. Nos meus procedimentos, não vão achar uma brecha para alegar alguma ilegalidade. Fico tranquila.
 
Vivian por Vivian
Deus – Poder supremo, ente superior que nos dá a vida e nos tira no momento certo, acredito muito em seu poder, nada é por acaso.
Família – Essencial, é a base para tudo, é onde tudo começa. A formação do caráter de uma pessoa é por conta da educação familiar.
Trabalho – Realização pessoal, minha mesmo, é uma coisa egoísta porque, se eu fosse pensar na família, em tudo, talvez mudaria de profissão, eu me sinto gratificada com o que faço. Me estresso, me canso, trabalho demais, não tenho tempo para nada, mas é o que gosto.
Passado – Aprendizado… e não me arrependo de nada que faço.
Presente – Momento de ser feliz, é o instante que tenho para isto, depois será passado e só vou ter aprendido. Porque me lamentar nunca, o que fiz tá feito, prefiro fazer a deixar de fazer.
Futuro – Hoje só penso no meu filho (ela está no sétimo mês de gestação, é o primeiro filho). Na palavra futuro, só vem ele na minha cabeça. Hoje seria isso, talvez mude mais para frente.
 
"Com certeza, a população tem um poder muito grande nas mãos, às vezes muito mais informação do que a polícia. Gostaria de fazer um apelo à população, para que denuncie. Quando houver um crime em sua cidade, há muitos boatos naquela região. A população fala em suspeitos, quem foi, todo mundo sabe, mas a polícia não está ciente disso, porque ninguém formaliza. Lógico, a polícia investiga, mas seria muito mais fácil se a população passasse isso. O caso seria resolvido com muito mais rapidez. Hoje a denúncia 181 é anônima, ninguém é identificado, é só passar as informações. Ponto de tráfico, prostituição, tudo isso é válido para nós. Muitas vezes, a pessoa denuncia e acha que não está sendo feito nada, que ninguém vai ao local. Calma, a gente tem que reunir provas para ter uma ação mais efetiva, porque temos trâmites legais, não é simplesmente meter o pé na porta. Existe uma série de procedimentos". 
 
"A mulher precisa se posicionar frente a esse 
homem, porque mulher não é formiga para
aceitar migalhas. Se ela tem uma auto-estima
boa e se respeita, não vai aceitar ser agredida.”
 
“As mulheres hoje estão ingressando 
no mercado de trabalho, estão ficando independentes, então a partir daí acredito que também vai haver uma melhora.”