“As cooperativas ainda não foram afetadas pela crise mundial”

Bertoldo Weber
Braço do Norte

Notisul – O que é o Sicoob Central SC?
Rui
– O Sicoob Central SC é formado pelas cooperativas de crédito singulares que fazem parte de uma grande organização social, chamada de Sistema Sicoob (Sistema de Cooperativa de Crédito do Brasil). São instituições financeiras (cooperativas de crédito), resultantes da união de pessoas integrantes de segmentos econômicos específicos, que buscam a melhor maneira de atendimento às suas necessidades financeiras.

Notisul – Quais as dificuldades iniciais enfrentadas no estado para criação destas cooperativas?
Rui
– No início, uma das grandes dificuldades foi a falta de capacitação e profissionalização de pessoal. Ao contrário do que temos hoje. Nos dias atuais, temos escola interna de treinamento em relação aos processos e como gerir uma cooperativa. Temos treinamento para funcionários, gerentes e membros dos conselhos de administração. São 40 tipos de cursos à disposição. Naquela época, tínhamos que nos deslocar para outros estados para aprender como fazer as coisas e tentar implantar em Santa Catarina. Foram dois anos e meio de aprendizado para depois fundar a primeira cooperativa. Foi somente na década de 80 que o governo permitiu que as cooperativas se unissem e formassem as centrais. E outra questão da época, diferente de hoje, é que precisávamos ser vinculados a um banco, como o Banco do Brasil, Besc, Caixa Econômica Federal.

Notisul – Com quantas cooperativas foi iniciado o Sicoob SC?
Rui
– Iniciamos os trabalhos com oito cooperativas. Vários obstáculos foram superados.

Notisul – Quais os objetivos do sistema?
Rui
– A Cooperativa Central tem por objetivo a organização, em comum e em maior escala, dos serviços econômico-financeiros e assistenciais de interesse das associadas, integrando a utilização recíproca dos serviços.

Notisul – Quais as funções da Central?
Rui
– Efetuar a administração/centralização dos recursos financeiros de suas associadas; Coordenar e supervisionar as ações do Sistema Integrado de Crédito Cooperativo de Santa Catarina Sicoob Central SC; Difundir e fomentar o cooperativismo de crédito rural e mútuo; Planejar, normatizar e executar a aplicação dos recursos captados pelo Sistema; Representar o sistema como um todo, especialmente perante as autoridades monetárias, agrícolas e demais organismos governamentais. Além disso, buscar fontes alternativas de recursos para alimentar as atividades creditórias das suas associadas e promover treinamento de dirigentes, associados e funcionários. Também prestamos orientação jurídica, gerencial, contábil e financeira. Inclui a realização de auditorias e inspeções, divulgação anualmente o balanço consolidado do sistema; responde pelos trabalhos e operações especializadas, e ainda representa as cooperativas associadas junto ao Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S/A e entidades que prestam serviço de compensação, empresas conveniadas e prestadoras de serviços e outras.

Notisul – Como funciona atualmente?
Rui
– Hoje, nós possuímos o nosso banco, o Bancoob, e é ele que faz a nossa compensação e demais serviços. A estrutura é muito melhor e maior. Qualquer funcionário do posto de atendimento de uma cooperativa de crédito, nos dias atuais, está altamente instruído de como proceder e atender bem os sócios.

Notisul – Temos exemplos ruins do sistema cooperativista. Qual o segredo?
Rui
– No sistema cooperativista, é preciso que as pessoas que conduzem sejam pessoas sérias, com responsabilidade e coerência em tudo que faz. Tudo precisa ser muito transparente e os sócios precisam tirar suas dúvidas quando surgem. É só eles chegarem até a cooperativa e solicitarem os esclarecimentos necessários. É importante ressaltar que, no estado, estão frente às cooperativas de crédito sócios que querem um crescimento saudável e constante.

Notisul – O sistema Sicoob em Santa Catarina atualmente é formado por quantas cooperativas?
Rui
– São 44 cooperativas de crédito no total e mais duas cooperativas de segundo grau. Isso representa 1.575 funcionários.

Notisul – O que é uma cooperativa de primeiro e segundo grau?
Rui
– Cooperativa de primeiro grau é como a Credivale na região do Vale do Braço do Norte. De segundo grau, já é considerada uma Central e ainda tem a de terceiro grau, que aí se trata de confederação. Cada uma com um determinado conhecimento para atuar.

Notisul – Nos dias atuais, está mais fácil convencer uma pessoa a ser sócia de uma cooperativa?
Rui
– As pessoas do meio rural são mais conscientizadas da questão do associativismo do que aquelas pessoas que vivem no perímetro urbano. O agricultor vem com uma bagagem de necessidades, desde o momento que ele precisou de uma instituição financeira e não recebeu apoio. A adesão em cooperativas é grande pelo fato do acesso ao Conselho de Administração, ao presidente, ser fácil e rápido. Existe uma atenção maior dada e as solicitações são atendidas com maior rapidez. Em 1982, os agricultores sentiram esta grande necessidade e trabalharam para criar um banco que atendesse as suas necessidades específicas.

Notisul – Uma cooperativa como a Credivale ainda trabalha focado na classe rural?
Rui
– Sim. E acredito que, em breve, possa caminhar para a conquista da livre admissão. Aí poderá ampliar o seu mercado.

Notisul – O que é uma cooperativa de livre admissão?
Rui
– Significa que pessoas físicas e jurídicas independente do segmento onde atuam passam a ter o acesso a cooperativa de crédito, até então rural.

Notisul – Quando que as cooperativas deixaram de trabalhar vinculadas a outros bancos?
Rui
– A partir de 1996 é que as cooperativas iniciaram os trabalhos independentes. Em 1997, foram criados dois bancos, o Bancoob, que é o nosso, e o Sicred.

Notisul – Então, no início, as cooperativas foram criadas especificamente para os agricultores?
Rui
– Sim. E isso aconteceu porque as pessoas da cidade tinham mais acesso e afinidade com os demais bancos. Diferente com que acontecia com as famílias rurais.

Notisul – Quais os maiores benefícios de ser sócio?
Rui
– Os sócios ganham duas vezes. Uma pelo fato de pagar menores taxas e tarifas de forma geral e de as burocracias serem menores. E, em um segundo momento, no final de cada ano, se houve lucro, é possível fazer uma divisão entre os sócios.

Notisul – Por que são abertas tantas cooperativas e o setor cresce assustadoramente?
Rui
– Todos sabem que trabalhar com dinheiro é o melhor negócio do mundo. E, através das cooperativas, as pessoas têm vantagens que em nenhum outro banco comum existe. E as pessoas querem aproveitar isso. O Banco Central instituiu a resolução 2.152 e que controla com rigor os comitês de crédito das cooperativas. Ela possui as normativas. Sabemos que é preciso muito cuidado ao trabalhar com dinheiro e aí volto a citar a importância da capacitação, da responsabilidade e seriedade dos envolvidos. Tem um ditado que diz ‘é melhor você ficar amarelo e sem graça, do que depois ficar vermelho, com raiva e sem receber’. E este ditado encaixa-se bem nas cooperativas na hora de emprestar.

Notisul – É comum ouvir que as cooperativas emprestam o dinheiro deixando-se levar pelo lado emocional. É verdade?
Rui
– Não é bem assim. Quando se empresta dinheiro, é preciso ser racional, trabalhar com a razão. É preciso observar ficha cadastral, regras, se o associado tem condições. Por outro lado, através das cooperativas de crédito, quando dá um problema em uma safra do agricultor, um imprevisto, uma calamidade, o sócio, ao procurar a cooperativa e apresentar a situação, após analisado e for constatado que é verdade, é mais fácil achar uma solução alternativa que fique bom para ambos. E é aí que está um detalhe importante: quanto mais perto está a diretoria das pessoas, se comparado a outros bancos, fica melhor para todos. O cooperativismo tem esta vantagem, ou seja, você participa dele e você é dono dele. E essa é uma vantagem muito grande e, por isso, cresce tanto. Além da questão de juros e outros fatores. O sócio de uma cooperativa pode expor diretamente aos membros das diretorias os problemas a serem corrigidos e pontos a serem melhorados. E é aí mais uma vez que este sistema o deixa satisfeito.

Notisul – O objetivo é o lucro?
Rui
– No caso das cooperativas, não. É claro que precisa lucrar para pagar determinados investimentos, melhorias, questões administrativas. Mas o maior foco é o atendimento dentro do exercício e os benefícios aos sócios.

Notisul – As cooperativas colocarão os bancos privados em cheque? Ou contribuirá para que revisem determinados conceitos?
Rui
– Você pode observar que o crescimento das cooperativas de crédito se dá no engajamento dos associados. Um simples exemplo: a Credivale teve em 2008 um aumento de 650 associados. Essa agregação e soma de sócios e mais a pulverização de recursos, ou seja, alguns depositam e outros pegam emprestado, oportunizam os crescimentos. Temos deveres e obrigações. Na França, no Canadá, na Áustria as cooperativas que lá já são bancos regionais representam 20% do PIB nacional. Nós, no Brasil, representamos 3%. Nós temos muito para avançar, crescer no país.

Notisul – Por que vocês não estão mais na frente?
Rui
– É simples. É porque nós começamos tarde. Na Europa, o cooperativismo existe há 100 anos e estão na frente. Eles estão muito mais sólidos que nós. E nós, a cada dois anos, vamos para lá apreender. E a ótima notícia é que nossas cooperativas não devem mais nada para as cooperativas da Europa, somente na questão de capitalização. Em muito pouco tempo, o governo começará a olhar diferente para nós. Ele vai parar e dizer ‘nós precisamos ouvir as cooperativas sobre determinado assunto ou situação’.

Notisul – Quais as sobras das cooperativas no estado?
Rui
– As cooperativas tiveram uma sobra superior a R$ 50 milhões. Estamos com um patrimônio de R$ 253 milhões. Nós estamos nos fortificando cada vez mais. Nós precisamos ter cautela e, cada vez mais, pulverizar os recursos para quando houver uma perda que esta seja bem pequena. Esse é o espírito cooperativista, emprestar para muitos, pouco. Se começar a emprestar pouco para muitos, começa a arriscar demais. Pode dar problema. Só se tiver um grande volume sobrando.

Notisul – O que difere o sistema Sicoob com o sistema Cresol?
Rui
– Nós entendemos que primeiro nós precisamos crescer e nos solidificar para somente depois começar as incorporações e fusões. A primeira cooperativa do Sicoob no estado vai fazer 25 anos em novembro. Nós temos 260 pontos de atendimento em Santa Catarina, ou seja, em 62% do estado nós temos pontos de atendimento. No estado, temos 270 mil sócios cooperativistas e, no país, nós temos 1,6 milhão de associados. Sempre buscamos atender as recomendações do Banco Central. O banco recomenda que se criem cooperativas mais regionalizadas. Como no caso da Credivale, sua sede é em Braço do Norte e ela possui inúmeros postos de atendimento. Por que isso? Porque não temos custos altos, diferente se fosse uma agência. Não conheço muito, mas penso que a Cresol vai crescer e está focando forte na agricultura familiar. Vão crescer muito também até um ponto e depois penso que precisarão fazer uma reestruturação. Os próprios bancos privados estão se fundindo para ficar mais fortes. E nós estamos seguindo à risca as recomendações. Mesmo que temos um grande espaço para crescer, é preciso pensar bem e não tenho dúvida que em conjunto é mais fácil e é maior o ganho de escala para os sócios.

Notisul – O rigor é realmente grande por parte do Banco Central?
Rui
– Através de normativas, ele orienta como devemos trabalhar. Existe regulamentação para o Conselho de Ética, Conselho de Administração, Conselho Fiscal, das assembleias. O Banco Central fiscaliza as cooperativas através das centrais. Nós, da central, temos auditores que fiscalizam as cooperativas. Fora os inspetores, que estão constantemente visitando. Mandamos relatórios mensais sobre a situação de cada cooperativa. E hoje o Banco Central, através da internet, entra no banco de dados de qualquer cooperativa, no dia que quiser. Uma coisa importante para dizer é que todas as normas que os bancos cumprem nós também cumprimos. O que nós temos como vantagem a mais é a lei do cooperativismo, que está sendo remodelada pelo congresso atualmente. E um item que não concordo no que querem mudar é que cada segmento poderá criar nacionalmente um órgão de cúpula.

Notisul – O que você recomenda para os sócios de cooperativas?
Rui
– Que tenham uma cópia do estatuto em mãos, leiam, que participem do crescimento, que depositem os seus recursos nas cooperativas, participem das assembleias, tirem suas dúvidas. O sócio tem o direito de reivindicar, de saber das coisas.

Notisul – As cooperativas já foram afetadas pela crise? E o governo estadual já reconhece a importância do Sicoob e as cooperativas que a compõem?
Rui
– Em termos de reconhecimento do governo, nós tivemos alguns avanços. Uma das coisas boas é que conseguimos que nossas cooperativas pudessem arrecadar tributos estaduais. Estamos trabalhando para que as folhas salariais possam ser pagas por nós. E, neste caso, não é culpa do estado, é culpa de uma legislação federal que precisa ser mudada e pelas informações acontecerá em 2012. Estamos conseguindo abrir espaço para que convênios passem pelas cooperativas. Algumas questões precisam ser mudadas, como, por exemplo, hoje, se uma prefeitura quiser fazer uma aplicação em uma de nossas cooperativas, não poderá. E se quiser ter uma conta, também não pode. Até agora, só através de bancos oficiais. Nossas cooperativas estão bem e ainda não estão sendo atingidas diretamente pela crise mundial. Continuamos firmes trabalhando e com muita união.

Notisul – Faça uma análise da Credivale.
Rui
– É o segundo ano que faço presença na assembleia geral da Credivale. Acredito na região, tem uma economia boa e a Credivale passou por algumas situações preocupantes em anos anteriores, mas já mostrou em 2008 que está a todo vapor, recuperando-se. Tenho certeza, que só irá trazer boas notícias para os associados. Tem muito para crescer em toda a região.

Notisul – O que podem esperar os associados de cooperativas de crédito?
Rui
– Um crescimento cada vez maior. Que os associados continuem participando cada vez mais do sistema cooperativista. É um caminho que faz bem aos próprios associados. Se conduzido com responsabilidade, vejo claramente um futuro muito promissor.