“Aqui não tem mais lugar para o ‘jeitinho’”

Carlos Ghislandi – Gestor da secretaria que é o coração da prefeitura, a de urbanismo e meio ambiente, o mestre Carlos Ghislandi é, antes de mais nada, um crente na correta e benéfica evolução humana. Sem utopias, ele tem plena certeza que o futuro será promissor. Aplica diariamente os seus conhecimentos na formulação de ações que garantam isso, mesmo que não fique ‘bem na fita’ com a população. Talvez tenha sido justamente por este motivo que o prefeito Manoel Bertoncini o tenha destacado para a missão de organizar uma das principais repartições municipais. A polêmica em torno da publicidade em áreas irregulares, demolição de casas e organização de ruas é só o começo. “O jeitinho está com os dias contados”, avisa.

Ismael Medeiros – Professor universitário, no curso de engenharia civil, Ismael Medeiros tem a fala fácil, não é furtivo quando questionado. As ideias inovadoras e avançadas que coloca em prática no departamento de fiscalização de obras e posturas, o qual coordena, traduzem justamente a necessidade da maioria dos cidadãos que querem o ordeiro crescimento da cidade. Odiado e aplaudido, quase na mesma proporção, quando tem que aplicar uma multa por descumprimento da lei, o professor Ismael conseguiu um grande feito: provou por ‘A + B’ que é possível fazer justiça e aplicar as regras para todos, sem qualquer distinção. O trabalho está apenas no começo, antecipa, outras mudanças na forma de organizar a cidade estão previstas e irão, de forma ou outra, alterar para sempre a postura das pessoas em relação ao coletivo.

 

 

 
Zahyra Mattar
Tubarão
 
 
Notisul – Como vocês se sentem estando entre as pessoas mais ‘odiadas’ de Tubarão no momento?
Professor Ismael – (risos) Era algo já esperado.
Professor Ghislandi – Reclamação sempre tem, mas também tem muitos que elogiam, inclusive os que tiveram placas removidas, foram autuados por algum outro motivo. Acredito que a nova postura da prefeitura em fazer com que a lei seja cumprida, e por todos, será positiva. Havia, sim, um certo descaso, uma vista grossa. Queremos ser modernos, mas não deixamos que a modernidade nos alcance. Infelizmente, ainda há muitos que salvaguardam apenas o interesse próprio e coletividade que dê um jeito. Está na hora de começar a ser moderno de fato. Escuto muitos dizerem que na Europa e assim, é assado, mas a mesma pessoa volta e segue a fazer daquele mesmo jeitinho, pensa só em si.
Professor Ismael – Nesta questão das placas, o que precisa ser esclarecido é que este tipo de ação é uma determinação do Ministério Público. O município não está mais em fase de decidir ou não fazer, mas sim de cumprir a decisão. Segundo: esta ação não foi, em momento algum, feita na surdina. Pelo contrário: houve transparência total, em todo o processo. Todos foram notificados duas vezes e somente em um terceiro momento que houve a retirada do material.
 
Notisul – E as outras questões, como a regulamentação do uso de espaço público?
Professor Ismael – No momento, temos dois Termos de Ajuste de Conduta  (TAC) assinados com o Ministério Público, ambos no ano passado. Um diz respeito à poluição visual, que visa a adequação ou remoção de material publicitário em locais inadequados. Esta é a ação em curso neste momento e não terá fim. Outro sobre a regulamentação do uso de espaços públicos, onde entram bancas de jornal, barraquinhas de cachorro-quente, lojas que expõem produtos em calçadas e outras várias situações.
 
Notisul – Como vai funcionar esta regulamentação?
Professor Ismael – Ainda estamos na primeira fase. Não é tão simples porque precisamos, antes de mais nada, mapear a cidade toda, avaliar qual a postura que será adota pelo município daqui para frente. O objetivo é tornar a cidade mais limpa e acessível. E isso se faz por meio da aplicação de regras e fiscalização. A etapa seguinte será as notificações.
 
Notisul – Pode esclarecer com um exemplo?
Professor Ismael – Vamos pegar os carrinhos de cachorro-quente. Estudamos a proposta de centralizar em um único local. Ainda não existe 100% de definição, mas digamos que esta seja a solução, então notificaremos e todos terão que cumprir ou parar com a atividade. O que precisa ficar claro é que não se trata mais de querer ou não querer. Se esta ideia passar, a prefeitura dará estrutura, com banheiros químicos, energia. Queremos a profissionalização destes empreendedores e não que fiquem sem trabalho. Por isso, trabalharemos com medidas compensatórias. Não vai ser nada do tipo: aqui não pode e deu. O mesmo ocorre com outras atividades, como o comércio ambulante. Nesta primeira fase, fazemos o mapeamento, inclusive para termos claro que tipos de atividades podem, ou não, ser regulamentadas.
 
Notisul – Desculpe voltar ao assunto, mas porque a polêmica da placa na esquina do hospital?
Professor Ismael – Como aquela publicidade era a primeira da lista para ser removida, infelizmente gerou-se uma polêmica negativa em torno da questão. O proprietário entrou em contato com a prefeitura e protocolou um pedido para ele mesmo remover a publicidade. Para nós, é mais interessante que o proprietário faça isso. Não temos interesse de agir dentro da propriedade privada. Demos a data de 13 deste mês para que ele removesse a placa, o que não o fez. Agora, agilizamos toda a questão operacional para a retirar. O TAC nos obriga a remover a publicidade sob pena de multa diária.
 
Notisul – Entendo, mas a crítica é que a placa é tão alta que não atrapalha o trânsito.
Professor Ismael – O que precisa ficar claro é que a prefeitura não é a responsável por esta ação, e sim o meio para fazer com que a lei seja cumprida. A mesma coisa é no caso das demolições de casas em locais não permitidos. A prefeitura cumpre uma decisão judicial. Não vamos para lá expulsar as pessoas de casa. Na questão das placas, as removidas infringem diretamente o Plano Diretor, quanto a recuo e ajardinamento, estreitam as calçadas, ou então ferem a lei de trânsito, que diz que em cruzamento de grande fluxo não podem haver estruturas como aquela ou luminosas. E distrai mesmo, até porque o efeito da placa é exatamente esse. Mas, independente de polêmica ou não, o fato é que a prefeitura está empenhada em fazer com que a lei seja cumprida e o fará, independentemente de quem seja a placa. A lei vale e será aplicada para todos.
 
Notisul – Outdoors também entram neste TAC?
Professor Ismael – Sim. E, depois que começamos a fiscalizar e fazer com que a lei fosse cumprida, hoje temos pedidos já feitos totalmente dentro das regras. Antes, a maioria fazia no grito, porque tinha a cultura do ‘não vai dar nada’.
 
Notisul – Como fica a questão da acessibilidade no município?
Professor Ghislandi – Estes TACs já vêm para ajudar o município a tornar as calçadas limpas. Hoje, em Tubarão, mais do que passeios públicos, existem obstáculos públicos. As pessoas, para caminhar, precisam estar em forma, porque é um perrengue.
Professor Ismael – A maneira de mudar isso foi mudar a postura da própria prefeitura. Até porque é muito mais simples mudar isso na prevenção do que na remediação. Hoje, vinculamos o processo de Habite-se, que é a certidão de nascimento de um imóvel, a construção das calçadas já dentro dos padrões. Passamos a ser odiados em virtude desta nova regra, mas o efeito vale a pena. Antes, o cidadão construía a sua casa e deixava a calçada para fazer quando desse. Hoje, ele tem que fazer o passeio, caso contrário, não recebe o documento que libera a obra. Temos que ser mais categóricos, enérgicos em determinadas situações. Não queremos prejudicar ninguém, apenas queremos a lei cumprida.
 
Notisul – E não rola uma pressão?
Professor Ghislandi – Ô se rola (risos). Muitos ligam para fulano, para beltrano, mas não adianta. Estamos firmes e não haverá exceções.
Professor Ismael – Nesta questão, temos um grande parceiro chamado Sinduscon, que comprou a nossa ideia. Nenhum prédio hoje é entregue sem que haja a pavimentação do passeio. E não precisamos notificar ninguém, porque o Sinduscon uniu-se a nós.
Professor Ghislandi – O estado sempre esteve ausente naquilo em que obrigatoriamente precisaria estar presente para planejar as cidades, para cumprir as regras. Quer exemplo mais interessante do que a Ponte de Congonhas? Corretíssima a postura do prefeito (Manoel Bertoncini). Não havia um responsável técnico e mandou parar (a reforma). Ontem (quarta-feira), fui cobrado de todos os lados para liberar a obra. Não tem mais este negócio de jeitinho.
 
Notisul – Ocorre muito isso?
Professor Ismael – Não é fácil dizer não. As pessoas não compreendem. Acham que o problema é o município, que queremos prejudicar ou privilegiar situações ou pessoas. E é justamente o contrário: queremos é o cumprimento da lei.
 
Notisul – E a questão das demolições de construções em áreas não permitidas, como está?
Professor Ismael – Este caso não se trata de um TAC, mas de inquéritos civis instaurados pelo Ministério Público. No momento da construção, quando é observada a irregularidade, a obra é embargada até que a situação fosse regularizada. O que ocorria antes é que o cidadão não respeitava o embargo, porque achava que não iria dar em nada. Mas a ação segue e uma hora é decretada a ordem de demolição. Mas neste meio tempo a casa está pronta e o cara está no lugar com a família. Vai para onde?
 
Notisul – Era a minha pergunta: vai para onde?
Professor Ismael – Na verdade, tudo poderia ter sido evitado se a pessoa tivesse solucionado a questão enquanto podia. O que precisa ficar claro é que a prefeitura não tem qualquer interesse em executar a demolição. O contrário: queremos ser parceiros do proprietário. Nosso interesse é justamente que o imóvel esteja regularizado e documentado. Oferecemos todos os esforços à regularização da situação, mas muitos se negam a fazer isso. Os únicos casos em que não é possível regularizar – e neste caso não existe outro caminho senão a demolição do imóvel – são construções feitas em áreas de preservação permanente (APP), áreas públicas ou invadidas.
Professor Ghislandi – A punição é um ato pedagógico. As pessoas aprendem a se comportar de forma civilizada e de forma social desta forma. Aprendem a respeitar o coletivo. Essa história de que agora começamos a inventar moda não existe. Se a lei existe, cumpra. Se a lei não é boa, muda-se a lei. Nossa obrigada enquanto ente público é que se cumpra a lei, e não perpetuar o famoso jeitinho.
 
Notisul – Então agora é chega de jeitinho!
Professor Ismael – Assim que assumimos a secretaria, tinha muito a cultura do ‘sou amigo de fulano de tal’. Isso acabou. Ninguém mais chega lá dando carteiraço porque é amigo de fulano de tal. E neste aspecto temos que agradecer os outros colegas secretários, vereadores, que estão do nosso lado. O município adotou uma nova postura. Fazer um trabalho sério é extremamente difícil, ainda mais quando isso parte do poder público, que está desacreditado e já tem o ranço do jeitinho, do deixa passar.
Professor Ghislandi – Toda mudança tem um começo. É o que fizemos. Implantamos novas regras e elas terão que ser cumpridas, gostem ou não. Infelizmente, vivemos em uma sociedade senhoral, o que é público não vale nada. O cara limpa o seu jardim e joga as folhas na calçada, porque a calçada é da prefeitura e ela que limpe.
 
Notisul – Professor Ghislandi, eu entrevisto o senhor há uns dez anos, o senhor não se sente frustrado em alertar sempre para a mesma coisa e somente agora ser ouvido?
(Professor Ghislandi ri, encolhe os ombros, levanta as sobrancelhas e baixa a cabeça).
Professor Ismael – Desculpe me intrometer, mas o professor Ghislandi falava que Tubarão chegaria a um ponto crucial há dez anos, e hoje este ponto crucial é presente. Tubarão chegou no limite. O mesmo cidadão que reclama que o trânsito é ruim é aquele que fura o sinal. O mesmo cidadão que reclama que as calçadas são ruins é aquele que não fez calçada na frente da sua casa. Nos falta civismo. As pessoas cobram, mas não querem cumprir a lei. Consideram a lei boa, mas desde que legislada a seu favor.
Professor Ghsilandi – O amadurecimento vem com o tempo. Acredito que estamos na nossa época de amadurecer. Toda mudança traz conflito, mas depois há a adaptação. Não perdi e não vou perder a esperança nunca. Dez anos não é nada para a história. Se meus netos viverem de uma maneira melhor, já ganhei minha guerra.
 
Ismael por Ismael
Deus: O norte.
Família: Base.
Trabalho: Realização pessoal.
Passado: História.
Presente: Ações imediatas.
Futuro: Planejamento a longo prazo.
 
"Os comerciantes da avenida Pedro Zapellini são os melhores exemplos. Foi o local onde mais tivemos notificações até agora. Após os dez dias a partir das notificações, fomos fazer nova vistoria e todos regularizaram. O melhor de tudo foi que eles se tornaram agentes fiscais, e isso nos ajuda muitíssimo. Hoje, eles denunciam, não com o intuito pessoal, mas como alerta para ajudar a melhorar a cidade. Isto é bacana porque estamos vendo aí a mudança de postura". –  Professor Ismael
 
"Ismael: No meu setor a principal mudança é a diminuição no tempo de resposta às 
solicitações. Hoje a média é de 30 dias. Um tempo razoavelmente grande".

 
Ghislandi por Ghislandi
Deus: Amor.
Família: Fundamental.
Trabalho: Evolução.
Passado: Define o presente.
Presente: Determina o futuro.
Futuro: A Deus pertence.
 
"Somos muito imediatistas. Não podemos ser assim, pois as mudanças não são rápidas, fáceis. Hábitos não se criam do dia para a noite. São pequenas batalhas contra nós mesmos, mas que, com esforço e um pouco de força de vontade em mudar, são vencidas, incorporadas no nosso cotidiano. Chega um dia em que não conseguimos fazer diferente. Vamos chegar neste dia. Tenho certeza! A pergunta é: o planeta vai aguentar quanto tempo até que mudemos?
Professor Ghislandi" –  Professor Ghislandi
 
"Ghislandi: Acredito que a grande mudança será a operacionalização da Fundação de Meio Ambiente. A questão do lixo é urgente e será uma das primeiras a ser trabalhada".