“A participação da política não está adequada”

 

Stélio Cascaes Boabaid tem 89 anos. Nascido em Rosário, no Maranhão, desde 1953 adotou Tubarão para viver, formar família e exercer a medicina. São 59 anos dedicados à profissão. Ele formou-se no Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, na Praia Vermelha. Assim que concluiu a faculdade, foi convidado a trabalhar naquele estado, mas, como a família Cascaes, de sua mãe, era da Cidade Azul, este foi o seu destino. Por anos, Stélio atuou em várias áreas da medicina. Com o tempo, a formação determinou a redução desta amplitude. No meio do caminho, surgiu sua história na política, quando foi eleito prefeito de Tubarão. Depois, foi deputado estadual por três mandatos seguidos. Hoje, ainda se dedica à medicina, três vezes na semana atende em seu consultório, no centro da cidade.
 
 
Mirna Graciela
Tubarão
 
 
Notisul – Como surgiu a política em sua vida?
Stélio – A política surgiu quando o deputado Dotel de Andrade, que era presidente do PTB, fez uma coligação em Santa Catarina.  Ele me procurou dizendo que eu tinha sido escolhido para ser prefeito de Tubarão. Eu neguei, não estava preocupado com isso, disse que não queria. Mas ele falou que um acordo havia sido feito com outro partido. Acabei entrando e fui eleito, em 1965. O candidato da oposição era o pintor Willy Zumblick. 
 
Notisul – Como era a cidade naquela época?
Stélio – Era muito diferente porque, naquele tempo, o trem passava pelo centro, cortava a avenida. Eu que retirei os trilhos. No meu ponto de vista, foi a obra fundamental de minha administração. Consegui com o general que comandava a Estrada de Ferro. Disse a ele que desejava fazer isso. Então, o general falou que, se eu fornecesse a área para substituir, tudo bem. Então, fui nas comunidades, de casa em casa, e obtive o espaço, que hoje é onde passa a estrada. Os trilhos impediam o desenvolvimento e a população estava prejudicada. Depois da retirada, mudou o aspecto da cidade. Este processo demorou um pouco mais de um ano, para tirar e colocar. Em relação às pessoas, Tubarão era uma cidade pacífica. Era formada por uma colonização de várias origens, como muitas de Santa Catarina. Uma miscigenação de alemães, italianos e outras raças. Mas eram as duas de maior influência aqui.
 
Notisul – O senhor teve uma participação ativa na Fundação da Fessc. Como foi isto?
Stélio – O professor Osvaldo Della Giustina me procurou para criar a Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina. Falei que me entregasse um projeto, que eu aprovaria, pois era uma maneira do município criar este setor educacional com influência, não somente na cidade, mas na região. Ele fez o projeto, me entregou e eu convenci os líderes da câmara de vereadores da importância desta aprovação, que deu expansão para a criação da Unisul. Depois de aprovado, vários diretores da área da educação no Brasil vieram a Tubarão para ver a estrutura. Já recebi homenagens por esta minha atuação como membro participante da fundação.
 
Notisul – Depois que o senhor encerrou o seu mandato de prefeito, continuou na política paralelamente à profissão de médico?
Stélio – Em seguida, fui novamente indicado, mas para deputado estadual. Eles me procuraram para eu ser candidato a deputado federal, mas expliquei que não queria me afastar da profissão de médico, porque teria que ir para o Rio de Janeiro. Para estadual, nos fins de semana, eu vinha para Tubarão e atendia no Hospital Nossa Senhora da Conceição. Acabei ficando como deputado estadual em três mandatos seguidos. 
 
Notisul – Quando deputado, quais foram as suas ações?
Stelio – Eu ficava restrito às solicitações das comunidades de Tubarão e região. Como, por exemplo, o melhoramento das áreas onde moravam, e me dediquei muito no trabalho das áreas da saúde e da educação.  
  
Notisul – Há algo que o senhor fez como prefeito, que tenha se arrependido?  
Stélio – Não. Porque a gente fazia o que dava, sempre procurando o melhor em benefício da comunidade. Era este o ponto de vista que tínhamos. Construí várias escolas em Tubarão. Por exemplo, no Sertão dos Côrrea, quando eu fui naquela região, a escola estava em péssimas condições. Daí recuperei e construí outra. Foram 12 escolas públicas municipais, entre recuperadas e novas.
 
Notisul – Como era a busca de recursos na esfera nacional para aplicar na cidade?
Stélio – Eu ia para o Rio de Janeiro, geralmente no fim do ano, e procurava o setor responsável. Os funcionários me mostravam pequenos recursos e me perguntavam se eu me interessava. As sobras daquela verba eram insignificantes, mas somando tudo que eu conseguia dava alguma coisa, foi quando aproveitei para fazer as escolas. Depois, tu tinha que comprovar por meio de documentos. Naquele tempo, quando era prefeito, o governo federal era no Rio de Janeiro. 
 
Notisul – O que o senhor acha que falta hoje para Tubarão em termos de desenvolvimento?
Stélio – Acho que nas áreas da educação e da saúde, pois têm que acompanhar o crescimento da população. A gente vê que certos municípios conseguem recursos e Tubarão dificilmente aparece com o auxílio pelos órgãos estaduais e federais adequados. A participação da política não está adequada de modo a trazer estes benefícios necessários. A parte de obras também está a desejar. A gente constata. As ruas dos bairros estão em mau estado de conservação, o saneamento também, que é muito importante. Falta liderança política e também empresarial para pressionar os governos, discutir as necessidades e conseguir recursos.
 
Notisul – Qual foi o melhor prefeito que a cidade teve até hoje, no seu olhar?
Stélio – Eu acho que foi Dilney Chaves Cabral. Ele ficou mais de um mandato e também deve ter tido muitas dificuldades. Depois, Irmoto Feuerschuette. Um homem muito ativo no atendimento à população. Também na área da saúde foi muito prestativo.
 
Notisul – Tem algo que o deixa muito chateado na política? 
Stélio – Hoje sim. É constrangedor vermos essas ocorrências, o envolvimento de autoridades políticas em atividades inadequadas, coisas ilícitas. É uma vergonheira. Isto é muito triste, está se ampliando com todas as denúncias, as análises dos meios de comunicação. A gente vê também na nossa cidade determinados elementos nesta situação. Os políticos de forma geral não estão preocupados com o desenvolvimento dos municípios, estão mais voltados aos seus problemas. Ainda existem políticos honestos, mas em todos os setores sempre há os que não agem corretamente de acordo com o que a lei específica.
 
Notisul – É visível que existem políticos de boa vontade, mas, quando assumem, a forma de administrar é diferente do discurso que pregam. Qual é a análise que o senhor faz?
Stélio – Isso ocorre no Brasil inteiro e a gente vê todos os dias, infelizmente. De modo que é uma preocupação. O político se compromete em determinadas causas e depois ocorre completamente diferente. Ele acaba se envolvendo em atividades adversas das que a gente esperava em prejuízo da comunidade. É a máquina. E também diz respeito à educação, à falta de preocupação com a sua região. Isto está se perdendo muito.
 
Notisul – Sobre a questão partidária, muitos eleitores votam pelo perfil do candidato. O senhor é fiel ao seu partido?
Stélio – Eu sou filiado ainda ao PMDB, antigo MDB. Esta questão do partido também é um problema que ocorre porque os elementos que pertencem a um partido deveriam ser ouvidos com as direções, nos variados assuntos. O partido não faz uma convocação para escutar seus filiados em determinados setores, então, aparecem estes acordos irregulares.
 
Notisul – Como deixou a política, quando decidiu parar?
Stélio – Foi uma decisão minha, porque concluí que não era mais a época de eu fazer parte ativa deste processo. Todos estes fatores e ocorrências também me levaram a não ter mais interesse e envolvimento.
 
Notisul – E o período pré eleições em Tubarão, o senhor está acompanhando?
Stélio – Já tive um contato com Edinho Bez, é o meu candidato. Conversamos sobre os pontos de vista dele, sobre as perspectivas para o futuro e uma análise da situação do município e da população. 
 
Notisul – O senhor é um médico muito querido pelos pacientes. Qual o comparativo que pode fazer da medicina da época em que chegou em Tubarão e a de hoje?
Stélio – Formei-me no Rio de Janeiro e a preocupação dos professores era levar nosso atendimento às comunidades. No Rio de Janeiro, nesses morros que hoje são áreas de risco, atendíamos na Rocinha e em outras comunidades. Também naqueles hospitais, em todos os horários. Quando cheguei aqui, o doutor Otto Feuerschuette e o doutor Luiz Campelli também não tinham horário. Qualquer pessoa podia ir ao hospital que era atendida. Então, fiquei trabalhando junto com os dois e dando assistência a todos que necessitavam. Hoje, é tudo muito diferente, existem muitas restrições. Infelizmente, não há o atendimento adequado para toda a população.
 
Notisul – Como analisa a questão do SUS, de as pessoas não terem o acesso que deveriam?
Stélio –  Os meios de comunicação e a área médica estão esclarecendo que essa verba do SUS precisa ser atualizada para expandir de acordo com as necessidades de todo esse atendimento, o que não ocorre, infelizmente. Não supre todas as carências. A gente vê isso de forma geral, principalmente pelo que ocorre em São Paulo, no Rio de Janeiro, de todas as grandes cidades. São pessoas correndo de um lado para o outro, em busca de atendimento.
 
Stélio por Stélio
Deus – Muito importante na vida pessoal e social.
Família – É o mais importante de todos.
Trabalho – Ele reflete a ação na comunidade a que o cidadão faz parte. 
Passado – A pessoa procura se lembrar dos fatos cometidos.
Presente – É preocupante porque fixa as ações na vida de cada um e de sua família.
Futuro – A esperança de um progresso e de que as situações negativas sejam superadas.

 
Stélio Cascaes Boabaid possui um canto bem especial no apartamento em que mora, no centro de Tubarão, com sua família. Em seus 89 anos de vida, este homem, que agiu com polivalência em sua carreira profissional, traçou sua história, marcada por grandes desafios. Ele respirou muito a medicina, e ainda assim o faz. Mas a política, por um longo período, também trilhou o seu caminho. Foram anos de dedicação em dois trabalhos com características tão distintas. Talvez, os dois tenham somente algo em comum: servir ao homem. Ao menos é assim que ele conta ter feito política. “Existem as exceções, mas os políticos de hoje estão muito preocupados consigo mesmos”, reclama. No espaço reservado mostrado na foto à direita, existe um poço de lembranças com objetos importantes de merecimento. As fotografias fazem parte deste cenário. Cerca de três grandes pôsteres emolduram uma das paredes. Personagens ilustres da história política de Santa Catarina e do Brasil aparecem em fotografias, eventos políticos, assim como a sua família. Não daria para citar os nomes de todos, mas um que fez questão de mostrar foi Ulisses Guimarães, um dos maiores políticos do Brasil. Em um dos móveis, vários troféus e diplomas, relacionados às duas áreas, estão expostos, objetos que ele se orgulha de ter conquistado por talento próprio. 
 
"Quando me procuraram para entrar na política e ser candidato a prefeito em Tubarão, num primeiro momento recusei, porque a medicina estava em primeiro lugar, mas depois aceitei.”
 
“Antigamente o médico atuava em todas as áreas, fazíamos de tudo. Com o tempo é que iniciaram as especializações.”