“A oposição venceu porque não há transparência na OAB hoje”

 

Clésio Moraes tem 36 anos. É o caçula de seis irmãos, e o primeiro a se formar em uma universidade. De família simples – o pai era pedreiro e a mãe dona de casa. Criado em Tubarão, estudou a vida inteira em escola pública. Desde novo, esteve envolvido com movimentos estudantis. Cursou direito pela Unisul, onde se formou em 1999. É advogado há 13 anos, e possui escritório próprio há sete. É pós-graduado em direito tributário e em processo civil. Hoje, sente orgulho ao contar que uma sobrinha ingressou no curso de direito. Encontrou na advocacia a sua vocação. Depois de formado, atuava indiretamente nas questões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entre 2005 e 2008, foi procurador do município de Capivari de Baixo. Concorreu duas vezes para a presidência da subseção da OAB. Três anos atrás, perdeu; este ano, comemorou a vitória. “Não me vejo fazendo nenhuma outra coisa se não advogando”, conta Clésio, sorrindo.
 
 
Fernando Silva
Tubarão
 
Notisul – Como foi vencer a eleição da OAB em sua segunda disputa?
Clésio – Eu sempre estive envolvido em diversos movimentos estudantis e durante o período da faculdade a eleição já estava no sangue, mas dessa vez foi muito bom, principalmente porque conseguimos ampliar o grupo que nos apoiava. Tivemos um grupo de amigos, de conhecidos, que estavam com vontade de mudar, dar uma contribuição, fazer algo diferente pela OAB, então, com isso, conseguimos fazer um ótimo trabalho. Todos trabalharam muito e o resultado da eleição é reflexo desse empenho. Agora todos continuam ainda dispostos a trabalhar, mudar e melhorar ainda mais as questões da categoria. Nós queremos dar um padrão novo para a classe e para sociedade em si. 
 
Notisul – Como funciona a eleição na OAB hoje?
Clésio – Basicamente, são duas eleições. Uma para as subseções, que é a regional, no nosso caso abrange Tubarão, Jaguaruna, Armazém e Capivari de Baixo, da qual a chapa 2, nossa chama, foi a vitoriosa, e a eleição estadual, que se elege o presidente da OAB do estado. Essa engloba todos os advogados de Santa Catarina. A chapa vencedora estadualmente também foi a que nós apoiamos, é chapa de oposição, e isso para nós vai ser muito bom de trabalhar, porque, além de termos ganho a regional, teremos o apoio da estadual. Temos um acesso fácil. 
 
Notisul – Hoje, no como você vê a OAB? Tanto do ponto de vista regional quanto estadual?
Clésio – Na questão estadual, nós temos lutado por mais abertura, mais transparência, não conseguimos visualizar essa transparência hoje. Nós e a maioria dos outros advogados, tanto é que a chapa de oposição venceu as eleições. Temos uma cortina de fumaça que não nos deixa ver certas coisas. Por isso a escolha da maioria em mudar. Regionalmente, temos uma sede nova, construída com recurso da OAB do estado e federal, é uma sede grande, que vamos esquematizar uma utilização dela, até para a comunidade. Nossa gestão vai permitir essa possibilidade. Não adianta ter uma sede grande e não usar. Vamos tornar ela mais usual para os advogados.
 
Notisul – Que outras ações, no âmbito regional, podem ser tomadas para melhorar o trabalho dos advogados?
Clésio – Nós vamos estreitar nosso relacionamento com o judiciário para conseguir agilizar os julgamentos dos processos, para conseguir melhorar as condições de trabalho. Houve certo distanciamento nos últimos anos, então, nossa ideia é reaproximar para permitir um melhor trabalho para o advogado e um resultado mais ágil para a população. Hoje, a gente tem essa ânsia de mudança porque o processo já está se tornando eletrônico, estamos no meio da transição. Temos também mais varas, mais juízes, mais gente operacionalizando o direito e isso para a população é muito bom. Garante para a população o acesso mais fácil para a justiça, facilita. Além disso, vamos fazer da nossa gestão uma gestão que permita que o jovem advogado seja amparado pela OAB de maneira que possam se tirar dúvidas a respeito de questões importantes que todo novo advogado tem no início de carreira.
 
Notisul – Como o senhor avalia o número de cursos e o número de vagas na área?
Clésio – Segundo dados recentes do presidente nacional da OAB, o Brasil é o país que tem maior número de faculdades e cursos de direito no mundo. É algo inédito. Se todas elas tivessem uma qualidade de ensino satisfatória, seria muito bom. Mas sabemos que várias são reprovadas pelo MEC. Então, o poder público tem que fiscalizar não deixar criar universidade sem qualidade. Para a educação, em qualquer área, quanto mais faculdades com nível de qualidade maior, melhor para o país. Sempre costumo dizer que Tubarão é privilegiada. Temos a Unisul aqui. Na minha época, eu não teria condições de fazer uma faculdade se tivesse que morar em outra cidade. A minha realidade foi e é a de muitas pessoas da região também. A Unisul é polo regional, o que temos que ver é o nível dos docentes e isso a OAB vai, na mediada do possível, se manifestar caso tenha algum curso que não esteja cumprindo com os requisitos legais, porém, essa atribuição é do MEC e o MEC deve atuar assim. Quanto mais conhecimento for disponibilizado para a população, melhor é.
 
Notisul – E a questão do mercado para os advogados?
Clésio – Não apenas na advocacia, mas para mim, o bom profissional sempre vai ter espaço no mercado. Do meu ponto de vista, o que dificulta o trabalho não é a quantidade de pessoas realizando a mesma tarefa, e sim aqueles maus profissionais que concorrem com valores absurdamente baixos sendo desleais com o mercado em si. Isso prejudica a classe. Na nossa região, o número de escritórios a meu ver não é exorbitante. Ainda há espaço para muitos outros colegas atuarem. Porque o acesso à justiça é uma das maiores dádivas que o cidadão pode ter.
 
Notisul – A questão da prova da Ordem dos Advogados tem sido fortemente criticada na câmara federal. Hoje, apenas o direito e a contabilidade têm prova para exercer a profissão. O que você acha da prova e da função dela para a classe?
Clésio – Com relação à prova da ordem, desde que eu estava me formando na faculdade já estavam falando em acabar com a prova. Hoje, 13 anos depois, não acabaram. Eu penso que o papel da OAB não é dizer se o curso da universidade A ou B é melhor ou pior, porém, a prova da ordem acaba sendo um mal necessário, muitas faculdades não têm o nível que deveriam ter, então a prova acaba evitando que maus profissionais entrem no mercado. Claro que dificulta para muitas pessoas. Diversas pessoas acabam tendo de fazer a prova mais de uma ou duas vezes, não por causa da faculdade, mas por questões da prova em si, mas eu vejo que seria um retrocesso acabar com a prova da ordem. Ela seleciona um pouco, não resolve, mas ajuda.
 
Notisul – Como é a sua avaliação do papel do relator do caso do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa?
Clésio – Bom, o ministro tem, não exclusivamente na questão do mensalão, mas em diversos julgamentos dele, um grande destaque pelo seu posicionamento, pela forma como se manifesta e no mensalão especificamente, além do Joaquim Barbosa, está na mídia. A mídia permitiu que a população visse e emitisse um juízo de valor sobre o caso, e a população está cobrando isso, eles não vão deixar isso acabar em pizza. 
 
Notisul – Essa participação, esse acompanhamento por parte da população, é importante para a justiça ou acaba atrapalhando com toda a pressão feita?
Clésio – Bom, a participação da população sempre é fundamental, principalmente quando o povo tem um nível de conhecimento um pouco elevado. O grande problema é quando determinados órgãos ou veículos de comunicação acabam fazendo aquela alienação de massa, o convencimento de massa, que deixa a população cega. Isso é preocupante, aí sim acaba prejudicando. De qualquer forma, o judiciário deve julgar com isonomia, não pode se influenciar por pressão popular ou por pressão da mídia. Mas, na prática, o juiz, o julgador é um ser humano e não tem como colocar o manto da justiça e dizer: “vou ser só o juiz”. Ele vai acabar julgando com os valores dele, com o conhecimento e pontos de vista dele. Pode acertar ou errar, mas isso é inerente do ser humano. 
 
Notisul – Qual a sua avaliação da lentidão da justiça?
Clésio – Uns dizem que é em relação à quantidade de processos, outros dizem que é por quantidade de recursos, mas na verdade eu tenho uma opinião sobre isso que é a de que quanto mais um processo demora mais a parte sente que não foi feito justiça. Porque se esperam anos e anos por uma decisão, mas acreditamos que com o aumento do número de profissionais e peticionamento eletrônico agiliza o julgamento. A resposta rápida é boa para o advogado, para o magistrado e para o cliente. A sensação de justiça parece que fica escondida depois de muito tempo para quem precisa daquele resultado, daquela decisão. 
 
Notisul – O jornalista Pimenta Neves matou a namorada com vários tiros. Foi a julgamento e saiu do tribunal condenado. Era réu confesso, e respondeu em liberdade, por causa de uma liminar. Como o senhor avalia esses recursos que a justiça possui, principalmente na área criminal?
Clésio – O recurso é o remédio jurídico fundamental para a justiça. Imagina se a justiça fosse de apenas uma pessoa, como falei anteriormente, o magistrado julga conforme seus conhecimentos, crenças e uma série de outros valores, então, se a decisão coubesse a apenas uma pessoa, estaríamos entrando num ciclo perigoso e vicioso que poderia comprometer o sistema. Isso não é bom. O problema é que, às vezes, o recurso leva muito tempo para ser julgado. Com relação ao caso do Pimenta, fica difícil de expressar uma opinião pessoal, mas, no direito penal, salvo alguns casos de crimes hediondos, via de regra, ainda que confesso, o réu tem direito de recorrer em liberdade. Pela gravidade do fato, quando se joga um caso como esse na mídia, causa uma revolta popular. 
 
Notisul – Ainda nessa questão dos recursos, se um policial no exercício de sua função por ventura envolver-se em uma troca de tiros e matar ou ferir um dos criminosos, ele responde por processos, mesmo sendo em defesa da população e pessoal. Como é essa situação? Isso não interfere no trabalho da polícia? 
Clésio – Na verdade, a legislação é para que qualquer fato que ocorra seja apurado. Se o policial agiu dentro do estrito cumprimento do dever dele, serão apurados os fatos, o processo é arquivado e não há nenhum problema para ele. E isso tem que ser assim, para não haver abuso de poder. Não é porque o policial tem o armamento que ele vai ser imune às consequências de se utilizar a arma. Se usar, tem que justificar. Para ter arma, é necessária uma grande preparação. Infelizmente, nem todos que têm arma têm o preparo psicológico necessários.   
 
Notisul – Como o senhor avalia a questão do fim da Defensoria Dativa e a criação da Defensoria Pública? 
Clésio – A meu ver, acabar com a defensoria dativa é um retrocesso. Em Santa Catarina, nos somos um dos últimos estados a implantar a defensoria pública. A população era mais beneficiada com o modelo passado. No modelo antigo, quem precisava passava por uma triagem no fórum, e já deixava o local sabendo quem era o advogado, onde era o escritório. O advogado indicado pedia a documentação e preparava a ação rapidamente. Agora, tomando por referência os estados vizinhos como no Rio Grande do Sul, esse atendimento vai levar meses. Ainda é tudo muito incerto, ainda não foi implantado. Estamos temendo que seja mais uma estrutura que o governo estadual vai bancar, que vai ter aluguel, carro, cargos comissionados indicados pelo governador, outras contas, mais uma estrutura que vai inchar o estado e que vai acabar sendo um atendimento ruim para quem precisa, com um valor bem mais elevado do que o modelo passado. Tubarão ainda tem a Casa da Cidadania, alguns assuntos são tratados por ali mesmo. Devido a isso, talvez o reflexo da defensoria seja menor, mas em cidades menores que Tubarão vai ser inviável. 
 
Clésio por Clésio
Deus – Razão da existencia.
Família – Base para o homem de bem.
Trabalho – Enobrece e é gratificante.
Passado – Boas lembranças.
Presente – Viver com cautela e aproveitar cada segundo.
Futuro – Esperança de dias melhores.
 
"A teoria da defensoria pública é de que seria melhor para a população, mas nosso modelo antigo era mais eficiente. Em outros estados que usam a defensoria, a média para o atendimento é de seis meses, mais alguns meses para organizar a ação e depois mais o tempo do julgamento. Aqui, ainda não sabemos, mas vai se começar uma estrutura nova com número limitado de defensores e número gigante de clientes. Os defensores têm que ler o caso, juntar documentos, avaliar a situação, isso demanda muito tempo e ninguém é máquina para conseguir fazer isso em um volume extremamente grande em um curto espaço de tempo".
 
"Para reverter a questão da defensoria pública, modificar a legislação soluciona o problema recém criado, mas duvido que esse governo vá fazer, porque foi ele próprio que criou".
 
"Vai gerar um gasto elevado por um atendimento pior ao do modelo 
passado. Ainda vamos ouvir falar muito nisso que nem sequer começou”.