“A hemodiálise prolonga a vida”

Alfredo José Moreira Maia,66 anos, é natural de Tubarão. Filho de Alfredo Moreira Maia e de Alda Ávila Pereira Maia, tem três irmãos e duas irmãs. É formado em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 1971. Atua como médico clínico e especialista em nefrologia, formado pelo Hospital das Clínicas de São Paulo. Casado, é pai de dois filhos e duas filhas. Foi um dos médicos que implantaram o setor de emergência no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em 1973. Foi médico perito da Previdência Social por 20 anos. É um dos sócios-fundadores da Clínica Pró-Vida e do Hospital Socimed. É professor do curso de medicina da Unisul. Após 43 anos de trabalho, montou a Clínica de Doenças Renais de Tubarão, onde atua ao lado da família. É apaixonado por seu trabalho.

 

Fernando Silva
Tubarão

 
Notisul – Como o senhor seguiu pelo caminho da especialização em nefrologia?
Alfredo – Em um ano que eu estive em Florianópolis, tive contato com a nefrologia, que então era uma especialidade recente dentro da clínica médica e engatinhava. Eu me apaixonei pela nefrologia e me propus a fazer a especialidade. Como Tubarão precisava muito de um clínico, eu vim para a cidade em 1973, e fui incumbido pela diretora do Hospital Nossa Senhora da Conceição na época, irmã Cassilda, a organizar o setor de emergência. Junto comigo, vieram outros profissionais, e já trabalhava aqui um outro clínico, o doutor Francisco, que era do quartel, e a gente estruturou a emergência. E ela foi transformada em uma das melhores emergências do estado, pela qualidade dos profissionais naquela época. O SUS remunerava muito bem a parte de atendimento de emergência. E tal sorte que a gente dispunha de vários especialistas e também tínhamos a sorte de chamá-los e eles sempre atender. Diferente de hoje. Na época, uma consulta do SUS beirava os R$ 40,00, hoje mal passa dos R$ 5,00. 
 
Notisul – Você poderia especificar do que a nefrologia trata?
Alfredo – É uma especialidade que estuda e trata o rim, na sua estrutura funcional. A urologia é a especialidade que trata a parte excretora do rim. À medida que o rim produziu a urina, ela é levada para a bexiga e para o exterior. Essa é a parte que o urologista trata. Geralmente, falamos então que o urologista é o cirurgião do rim. Naturalmente, as duas especialidades completam-se, uma precisa da outra. Portanto, precisam ser duas especialidades muito bem sintonizadas. O rim é um grande filtro, um conjunto de pequenos filtros. São localizados na região lombar, em ambos os lados. O direito um pouco abaixo do esquerdo. Eles recebem o sangue, através da artéria renal, a uma razão de 250ml por minuto. Portanto, se fizermos a conta, dá um total de 15 litros de sangue por hora. Então, você imagina a importância desse órgão. Ele é o que recebe mais sangue no nosso organismo. Filtrando, tirando as impurezas e devolvendo pela veia renal, o sangue limpo. Isso ele faz 24 horas por dia. Para termos uma vida normal, precisamos dos rins funcionando sem parar. Eles filtram, produzem a urina, ou uma substância chamada filtrado, que é reabsorvida pelo próprio rim, porque senão perderíamos muita água, e sobram aproximadamente por dia 1,5 litro de urina. O resto volta para o organismo, para manter hidratado. Isso é o rim normal. Cada rim possui aproximadamente um milhão de filtrinhos, menores que uma cabeça de alfinete, e trabalham todos juntos. Com o passar dos anos, esses filtrinhos vão secando, tanto que no fim da vida você pode ter metade disso ainda funcionando, pela velhice, o que é natural. Então, é normal que aos 80 ou 90 anos você tenha uma função renal reduzida. 
 
Notisul – E na questão das doenças, quais os tipos e como afetam esse órgão? 
Alfredo – Existem doenças que afetam o funcionamento do rim. Pessoas que nascem com doenças no rim, que são as doenças congênitas ou familiares. Existem doenças que passam de pai para filho, geneticamente, e que só podem ser evitadas se houver interrupção daquela família. Ou seja, pais que têm doenças congênitas, para não transmiti-las, não podem ter filhos. É a melhor maneira de você impedir a progressão. 
 
Notisul – Existe cura?
Alfredo – A doença genética não tem cura. Se você tiver uma doença chamada doença policística, por exemplo, transmite de pai para filho e não tem cura até o momento. Estuda-se, mas não há descobertas. Portanto essa, só há uma solução. O pacientes que tem essa doença vai chegar a determinado momento da vida em que esses cistos vão ocupar todo o rim e ele não vai mais filtrar, ou perderá a capacidade de eliminar o lixo, gerado pelo nosso metabolismo. Ele só elimina água. E essa toxina fica presa em nosso organismo e gera um desconforto na pessoa. Essa é a doença genética.
 
Notisul – Existem outras…
Alfredo – Outras doenças comuns, e que acabam levando à perda da função renal, são assintomáticas. Principalmente diabetes e hipertensão. Por que falo que são assintomáticas? Porque só damos importância para o que dói. E diabetes e pressão alta não causam desconforto, vão progressivamente eliminando os filtrinhos, transformando em algo que não funciona. Aí, de um milhão, vai para 500 mil, para 300 mil, e assim por diante. Até um ponto em que uma pessoa não filtra mais o sangue. O que mede a função renal numa pessoa hoje é um exame de sangue muito simples, chamado creatinina. É o mais antigo e mais eficiente para saber se tem algo. Se sua creatinina está subindo, seu rim não está filtrando. A creatinina é um produto ruim da contração muscular. Nós temos uma grande quantidade de massa muscular e para essa massa trabalhar precisamos gerar energia, e a energia é produzida pela quebra de uma substância muito falada nas academias, chamada de creatina. A Creatina é quebrada e, na hora que o músculo se contrai, gera uma energia e um produto sem função, chamado de creatinina, que é todo ele praticamente excretado pelo rim. Ou seja, se é excretado pelo rim, e a taxa no sangue é 0,1 ou 0,9, e essa taxa passa a subir, então sabemos que o rim não está dando conta de filtrar, e aí passamos para exames mais complexos e avançados. Existem muitas outras, como infecções, autoimunes, aquelas que nosso próprio corpo, não reconhecendo algumas estruturas, acaba atacando, como se fossem inimigas, e acabam sendo destruídas. E o rim acaba atrofiando. 
 
Notisul – Então quer dizer que a creatina é um risco para quem frequenta academia e utiliza a substância?
Alfredo – Bem, é importante chamar atenção sobre o fato de que as academias vendem a creatina para que o jovem tenha mais energia muscular, mas você está sobrecarregando o seu rim. E ninguém pode afirmar que hoje ou depois seu rim vai parar de funcionar. Não está isento de riscos. O dano ocorre mais tarde, e aí ele já não está mais na academia e muito menos sabe quem vendeu. 
 
Notisul – O que pode ser feito então para cuidar bem dos rins?
Alfredo – Exames periódicos, e incluir um exame simples de urina e de creatinina. No Rio Grande do Sul, a secretaria de saúde, a pedido dos nefrologistas e dos médicos que tratam de doença renal, que é algo endêmico, incluíram no exame de sangue a obrigatoriedade da creatinina. Então, se você vai fazer um exame comum de sangue, hemograma, já vem junto.  Existem outros exames que possibilitam avaliar o funcionamento do rim, mas são mais caros e menos acessíveis. Hoje, o mais acessível é o de creatinina, e é relativamente muito barato.
 
Notisul – Falando sobre cirurgia, como é o avanço técnico? 
Alfredo – Cirurgia quem faz é o urologista. Hoje já se faz aqui em Tubarão, por exemplo, a cirurgia endoscópica, menos invasiva, você não precisa cortar o rim para operar. E pode se retirar tumores, cálculos. A cirurgia videolaparoscópica é um avanço muito grande, veio para ficar. Ela diminui o risco, a internação. A hospitalização é muito mais curta. 
 
Notisul – E o tratamento com hemodiálise, como funciona?
Alfredo – Existe hoje certo tabu em relação ao tratamento de doenças renais, quando a pessoa perde o rim. Todos têm medo da hemodiálise. Hemodiálise não é uma tortura, é um aliado que pode ser considerado tratamento que prolonga a vida. Veja bem, você tem um jovem que perdeu o rim por uma doença qualquer. Ele tem uma grande chance de enquanto esperar por um transplante, seja de doador vivo ou não, com o organismo dele sendo mantido ou controlado através da hemodiálise. É um tratamento, através de um filtro artificial, onde nós passamos o sangue, aqueles mesmos 250 ml por minuto. É um rim mecânico, artificial, e você faz isso três vezes por semana. Então, nós que temos o rim bom, o rim limpa durante 24 horas, 365 dias por ano. Uma pessoa, para se manter viva, relativamente bem, enquanto aguarda por um transplante, passa pela máquina três vezes por semana, durante quatro horas. É o ideal? Não é. Hoje existem serviços no Brasil, por exemplo no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que usam um modelo experimental com voluntários que fazem hemodiálise todos os dias por duas horas. Tudo o que a pessoa consumiu durante o dia perde na máquina. Aquele que faz três vezes por semana tem que fazer dieta, não pode comer frutas e legumes crus, não pode comer excesso de carne e não pode ingerir grandes quantidades de líquido. Temos pacientes que fazem há 18 anos, e não fariam transplantes.
 
Notisul – E como está a fila de transplantes hoje no estado?
Alfredo – Santa Catarina faz transplantes em Chapecó, Blumenau, Joinville e na capital. O doente só pode se cadastrar em um centro. O estado tem uma lista única e o rim é distribuído de acordo com o local de cadastro. Antigamente, pacientes de Tubarão iam para Joinville. Hoje, é mais perto ir a Florianópolis. A clínica tem, por lei, obrigação de disponibilizar um local, mas quem escolhe é o paciente. No geral, temos relativamente pouca espera. Os pacientes também estão sempre atualizando seus dados. Eles frequentemente levam sangue para fazer a tipagem, para estabelecer qual é o grau de compatibilidade. Quando aparece um rim, é checado o tipo de sangue e a sorotipagem desse órgão. É colocado em um computador, que quem da lista é compatível, e então é feito o contato com essas pessoas por telefone. 
 
Notisul – Quantos ambulatórios existem hoje em Tubarão, e como é o trabalho da clínica?
Alfredo – Nós temos dois ambulatórios em Tubarão: na clínica e na Unisul. Atendemos a toda região, de imbituba a Santa Rosa de Lima.
 
Notisul – Qual o número de casos na região?
Alfredo – Chegam muitos casos, devemos ter em acompanhamento ambulatorial umas 300 pessoas, progredindo para perder a função renal. Só que eles estão em acompanhamento ambulatorial. E por isso conseguimos frear a piora. Eles ficam um tempo controlando a doença, explicamos que em um momento eles perdem o rim e devem fazer a diálise. Na máquina, hoje temos aproximadamente 120 pacientes. 
 
Notisul – E como foi construir esse patrimônio? 
Alfredo – Foi algo prazeroso, eu queria dar isso, oferecer melhores condições de tratamento. Lógico, não se consegue contentar todo mundo, mas uma experiência gratificante, por exemplo, é quando vem alguém de fora ou alguém daqui vai para fora. Eles ficam impressionados com a qualidade do serviço. Eu visitei muitas clínicas antes de fazer essa. Poucas têm as condições que temos aqui. Temos máquinas de última geração. Que foram compradas há dois meses. Todas importadas da Alemanha. O melhor tratamento de água do estado. Ninguém tem um tratamento de água que se compare com o nosso. Nossa água passa pelos filtros duas vezes. Ela sai pronta para fazer soro. Eu posso colocar uma fábrica de soro aqui na clínica. A minha água tem um índice de pureza extraordinário, muito melhor do que o exigido pela Vigilância Sanitária. Fizemos isso para ter a certeza de estarmos oferecendo um tratamento de boa qualidade. Isso é o mínimo que podemos oferecer para a população. Retornar para ele o que o governo, mesmo pagando mal, nos paga para tratá-los. Nós trabalhamos dois turnos por dia. Manhã e tarde, de segunda a sábado. Só não trabalhamos nos domingos, Natal e 1º do ano. A qualidade do nosso tratamento não dá espaços para sérias intercorrências, é raro um paciente passar mal, e cada funcionário cuida de quatro pacientes. Além disso, temos todos os equipamentos necessários para atender uma emergência. Isso aqui foi construído para que ninguém perdesse a vida. 
 
Notisul – A clínica trabalha em parceria com os hospitais da região?
Alfredo – Sim. Temos o compromisso com os hospitais de Tubarão, sem ônus, de deslocar os equipamentos e fazer o tratamento em pacientes internados. Temos hoje dois pacientes no Nossa Senhora da Conceição e dois na Socimed. Temos uma reserva técnica de máquinas. A portaria manda ter uma. Nós temos 12. Fomos comprando, guardando, porque a clínica foi construída para atender 50 pacientes ao mesmo tempo, hoje conseguimos atender toda a demanda da região, que é de 120 pacientes. Infelizmente, na maioria das vezes os pacientes não chegam até nós, morrem antes. 
 
Alfredo por Alfredo
Deus – Fundamental.
Família – Minha maior riqueza.
Trabalho – Amo o que faço.
Passado – Orgulho.
Presente – Trabalho.
Futuro – Descansar com a consciência tranquila.
 
"O governo é insensível. Reduziram o imposto para celular, geladeira e fogão, mas não reduzem imposto da energia, água, medicamentos e equipamentos para hospitais. Isso porque saúde não dá voto. O que dá voto é miséria. Um governo que distribui bolsas de tudo quanto é tipo, quando o que ele deveria distribuir era emprego, trabalho, educação. Para mim, isso é básico: remunerar bem os profissionais".
 
"Nenhum paciente aqui precisa gastar um centavo com o tratamento, apesar da remuneração do SUS estar aquém das nossas necessidades". 
 
"Por ser clínica familiar, ela se auto sustenta. Lógico que todos ajudam. 
Aqui trabalha pai, filho, filha e esposa. Todos contribuem com essa questão.”