Cristiano Zanetta de Matos, de 36 anos, é casado e tem uma filha. Mora atualmente em Urussanga. É formado em educação física pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), em Criciúma. É proprietário de uma academia de ginástica e musculação. Hoje, se dedica muito como o Batman, na área de oncologia dos hospitais da região, onde auxilia os enfermos na luta contra o câncer.
Letícia Matos
Urussanga
Notisul – Por que você adotou o personagem Batman em sua vida?
Cristiano Zanetta de Matos – O Batman é um herói que não possui super poderes. Então, é mais real para os pacientes, pois qualquer um pode ser o Batman. Tudo começou na minha infância quando pegou fogo na casa em que morávamos. Na época, eu tinha 6 anos e meus pais não estavam em casa. Minhas duas irmãs quase foram vitimadas pelo fogo e os bombeiros as resgataram. Precisei fazer um tratamento psicológico devido ao trauma e, assim, comecei a utilizar a imagem do Batman que, na ocasião, associei aos bombeiros. É igual quando tu descobres que a esposa está grávida. Só enxerga mulher grávida na rua. Ou quando quer comprar um carro, só vê aquele modelo. Eu via o Batman em tudo!
Notisul – O trabalho na área de oncologia começou como?
Cristiano – Eu já fazia o trabalho voluntário estilo ‘doutores da alegria’. Na faculdade participei de treinamentos nessa área. Comecei a atuar vestido de palhaço e com mágicas. Só que o meu pai ficou doente. E quando ele chegou ao quarto estágio do câncer, pois são cinco fases – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – vi que tudo que já tinha feito como voluntário com ele, não adiantava. Então, meio sem querer, contei uma passagem do filme ‘Gladiador’ e inspirei ele antes de enfrentar uma cirurgia. E deu de ver nos olhos que ele teve uma reação. Em seguida, o médico perguntou: ‘O que aconteceu?’. Disse que o pai já tinha mudado, que ele desejava viver. Nesse momento, vi que as palavras de superação mexem com o paciente neste estágio. Decidi que faria este trabalho. Não sabia como, mas faria com as crianças com câncer e neste estágio. Porque ninguém pode visitar paciente nesta fase. Doutores da alegria, médicos da alma, enfim, nenhuma organização não governamental (ONG). Assim, pensei no Batman. Porque ele é uma figura que não respeita muito as leis. Respeita, mas dentro de um limite.
Notisul – Como foi a primeira visita a uma criança com câncer?
Cristiano – Foi no Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis. Entrei na instituição às 8 horas para ficar até as 16 horas. Quando chegou perto das 15 horas estava muito cansado. A roupa pesa muito, uns 25 quilos, a máscara queima a cabeça e fico bastante desidratado. O hospital é muito grande. São várias alas e não visitei só a oncologia. Fui à área de queimados, fraturados. E nesse horário, um médico passou e disse que nos esperava na UTI. Eu não aguentava mais… O médico me chamou e falou que tinha três crianças querendo me ver. Que havia quatro internadas, mas três desejavam falar comigo. Entrei, conversei com as crianças e perguntei para o médico se poderia ver o outro. Ele deixou. O menino estava consciente, mas entubado e não poderia falar. Comecei a conversar e logo as lágrimas correram dos olhos do pequeno. Perguntei para o médico se estava tudo bem e ele, ao controlar os aparelhos, disse para continuar. Lembro do nome do garoto até hoje, Robson, e tinha 12 anos. E não sei o porquê, mas tirei um batrang, uma arma em formato de morcego, do cinto de utilidades e, quando estendi a mão, ele pegou o objeto e trouxe até a altura do coração, no peito. Nesse momento, o médico começou a chorar. Eu não entendi. Terminei a conversa, deixei minha mensagem de força e superação e saí. Questionei ao médico o motivo do choro. Ele contou que o menino estava em depressão e não se mexia mais. Fazia um mês que ele não se movimentava nem para comer. Alimentava-se através de sonda e tinha desistido de viver.
Notisul – Não soubeste mais nada dele? Qual o envolvimento que fica com as crianças?
Cristiano – Nunca mais soube do Robson. No início, até nos treinamentos, a orientação é não se envolver sentimentalmente com as crianças, mas como Batman não consigo. Acredito que por isso o personagem é tão forte. Outro dia fui ao hospital São José, em Criciúma, e achei que era uma visita normal para as crianças e, quando cheguei, tinha um menino me esperando com a capa do personagem. Mas ele não estava doente. Achei que queria bater uma foto. Mas veio, me abraçou, e pediu para eu salvar a sua avó que estava careca e muito doente. Visitei-a aquele dia e conversei muito sobre o pedido do netinho. Na volta, falei com ele e tive que contar a verdade. Expliquei a situação, pedi para ter fé, ser positivo e não ficar triste. A senhora, aparentemente, era bem forte e muito positiva. Isso é que ajuda no processo de cura. Expliquei que ela se tratava com bons médicos e que esta doença não escolhe classe social, religião, idade… Qualquer um pode ter, mas tem que ter fé. Hoje, ela, a avó, está muito bem.
Notisul – Tem alguma criança que tiveste contato e morreu?
Cristiano – Tem sim. Normalmente, as crianças que acabam falecendo não é por causa da doença, mas pela demora do tratamento. Nosso sistema brasileiro de saúde é muito lento. Às vezes é necessária uma quimioterapia em comprimidos. O valor de quatro comprimidos é R$ 2 mil e, até fazer um requerimento, abrir um processo judicial e solicitar ao governo – a criança tem que começar a tomar, tipo, ontem – demora e compromete um tratamento. Como criei laços com muitas famílias, sei da necessidade e hoje já temos muitos parceiros que ajudam com remédios, exames, transportes. O contato com a família é muito importante para mim. Já salvamos muitas crianças, entende! Não somos uma ONG, mas ajudamos outras, a Casa Guido de Criciúma, por exemplo. E temos os atendimentos especiais como o Wesley e o João de Tubarão, o Renatinho de Araranguá, a Mari de Criciúma, o Bryan de Lages. São casos que acompanho.
Notisul – No teu site (batmancosplay.com.br) tem um teaser de um documentário. O que é?
Cristiano – Uma equipe de produção de São Paulo viu uma matéria na internet e entrou em contato para fazer o curta metragem “Herói da Vida Real”. Porque muitos acham que meu trabalho é de recreação e não é isso. Minha roupa é real, fiel ao personagem. Sou reconhecido pela Warner Bros americana. A direção é da cineasta Paula Luana Maia e o objetivo é apresentar e concorrer em festivais. Em Tubarão, a jornalista Darlete Cardoso escreve um livro sobre a minha história.
Notisul – Nesta semana tivemos o Dia Mundial de Combate ao Câncer. Que mensagem podes deixar para as pessoas?
Cristiano – A família não pode perder a fé. O câncer é uma doença que comparo a uma luta de boxe, pois a pessoa tem que enfrentar vários rounds. Tem hora que está bem, em outra ruim. Mas não desista! A maioria das fatalidades ocorre quando há desistência. Daí a doença avança. É uma fase perdida da vida? É! Mas é uma fase… Outras virão. O tempo será recuperado. Faça o tratamento corretamente. Uma coisa que falo para as crianças: a dor do tratamento nunca vai te matar. É a dor que vai te curar! Tem que se adaptar com a dor, se acostumar. A quimioterapia é agressiva, mas é o que vai te fortalecer! Dor, fé e superação… Bola para frente!
Cristiano por Cristiano
Deus – Tudo
Família – Necessidade
Trabalho – Dignidade
Passado – História
Presente – Fato
Futuro – Perseverança
Normalmente, as crianças que acabam falecendo não é por causa da doença, mas pela demora do tratamento.