Silvio Roberto Lisboa: “Somos os atores, se cada um fizer a sua parte e essa engrenagem girar ela dará resultados”

Silvio Roberto Lisboa tem 43 anos, é natural de Florianópolis. Ele é tenente-coronel da Polícia Militar, em Tubarão. Sempre estudou em escola pública e passou a sua infância e adolescência em Palhoça. Na Escola Federal de Santa Catarina, cursou técnico em mecânica. Em dezembro de 1991, prestou vestibular para o curso de oficiais da Polícia Militar, no qual foi aprovado. Ingressou como aluno. Após quatro anos se consagrou oficial e como ficou em primeiro lugar optou por trabalhar em Tubarão. Fez Direito na Unisul e é professor há 12 anos, nesta universidade. Casado com a tubaronense Daniela Claudino Lisboa, tem duas filhas: Maria Luiza Claudino Lisboa, 12 anos, e Natália Claudino Lisboa, 8. Ele afirma que o seu alicerce maior é a sua família constituída, além de seus pais.

Jailson Vieira
Tubarão

Notisul: A sua vinda em Tubarão ocorreu quando? E como comandante da PM, mirava chegar nesta função?
Lisboa: Graças a esse povo muito bacana que são os tubaronenses me sinto muito realizado por estar aqui. Ainda mais agora, após 21 anos trabalhando em Tubarão, de estar à frente do comando do 5º Batalhão. Na unidade que cheguei no dia 9 de dezembro de 1995, quando iniciei como aspirante oficial para fazer o meu estágio probatório, então desde aquela época é um sonho e uma realização profissional muito grande para mim.

Notisul: Como tem sido para o senhor comandar a corporação durante esses meses?
Lisboa: São quase três meses à frente da corporação. Quando eu fui convidado, em janeiro, pelo comandante regional Manoel Fonseca, para assumir o Batalhão, pesou muito a questão da responsabilidade por conhecer muitas pessoas, quer em razão do Proerd, o qual sou instrutor e formador de policiais e ainda trabalhei sete anos formando esses alunos, ou quer como professor universitário. E isso me faz abrir portas de relacionamento com muitos na cidade. Hoje, praticamente todos os advogados, promotores, magistrados, enfim, tornamo-nos conhecidos também por essa abertura de sermos professores da Unisul. Com o convite tive a possibilidade de pensar bastante, no sentido da resposta que tenho que dar em relação à segurança pública, que é sempre efetiva, não podia ser vazia e sem resultados. Com certeza fiz a melhor opção. Aceitar comandar o 5º Batalhão foi uma decisão difícil, mas sempre quis. Em razão disso me favoreceu na escolha e tenho certeza que está valendo muito a pena estar à frente do Batalhão.

Notisul: Falando acerca dos últimos fatos que têm ocorrido na cidade, em destaque a roubos em postos, farmácias, mercados… a que o senhor atribui tudo isso? Seria consequência do crescimento da marginalidade no Estado, ou os bandidos estão em busca de outros centros de atuação e veem em cidades como Tubarão uma maior facilidade para a prática do crime?
Lisboa: Sou um estudioso. Leciono na universidade criminologia e direito penal. Proponho-me, junto com os alunos nas monografias, a explorar quem são os criminosos, dia, hora e local que determinados crimes são cometidos isso cientificamente na universidade. No 5º Batalhão, dispomos de ferramentas muito poderosas, que nos dão o perfil de qualquer criminoso na cidade, o que foi e a tendência para ser. E, sobretudo, uma determinada ferramenta nos fornece a possibilidade no mapa, aonde que precisamos atacar mais. Consigo enxergar essa relação da criminalidade tem ligação direta com a situação do país. O Estado brasileiro está com muitos desempregados, a falta de respeito às entidades constituídas, sobretudo nas questões das polícias. As músicas que favorecem e estimulam o desrespeito entre as pessoas, a própria família está um pouco desacreditada, não importa se é homem com mulher, homem com homem ou mulher com mulher, refiro-me à família instituição, a qual tem o dever de educar os filhos. E que esta educação seja voltada ao respeito ao outro, às leis e às instituições. Vejo neste quesito que no Brasil pode tudo. Aquilo que tu falaste, dos grandes centros e vindo para as cidades menores, isso é uma verdade. E eles procuram os municípios menores porque sabem que têm carência de efetivo. A criminalidade teve um aumento em todo o Estado. Mesmo assim, conseguimos reduzir muito a questão de assaltos armados a postos e outros estabelecimentos comerciais. Junto com a Polícia Civil, conseguimos prender os principais autores, porque eles têm um perfil próprio e com a repetição dos atos conseguimos identificar os locais, o dia e o horário. Acalmou. Fizemos as barreiras militares, apreensão das armas, das drogas e dos veículos que eles utilizavam.

Notisul: Quando e onde o senhor encontrou os maiores desafios a serem encarados?
Lisboa: Peguei o batalhão com problema estrutural devido ao vendaval do ano passado. As nossas viaturas, a metade delas está parada por falta de recursos. Quando fui convidado, relatei que precisava de meios. O que me assustou foi que não tinha sala para trabalhar, tamanho que foi a destruição no batalhão. Conversamos com o prefeito Joares Ponticelli e ele nos apoiou, sobretudo na questão financeira. Reativamos o convênio de radiopatrulha e também nos é repassado um determinado valor mensal para a aplicação direta e efetiva na manutenção das viaturas. Essa questão, estamos conseguindo resolver, quanto ao Batalhão, estamos reconstruindo com o apoio dos empresários locais. Então, o nosso maior desafio estrutural, porém, à minha grande felicidade é a motivação da tropa. Fiquei abismado porque estava há três anos fora do operacional, trabalhei no RPM e na Assembleia Legislativa, em Florianópolis, mesmo com toda a dificuldade, com poucas viaturas para trabalhar adequadamente, os policiais são de tirar o ‘chapéu’. Somos muito próximos.

Notisul: De que maneira o senhor usa o seu cargo para mudar a realidade de roubos, assalto e a marginalidade no geral?
Lisboa: Tenho a consciência que fui tenente, capitão, major e sempre fui comandado. Via, nos meus comandantes, atitudes boas e não tão boas. E pensava que o dia que chegar lá não quero realizar estas atitudes não tão prósperas, mas sim enfatizar o que de bom está traçado. Não tenho como passar para ninguém essa responsabilidade. Eu, a delegada regional, os juízes, os promotores, as autoridades constituídas da cidade não têm como transferir responsabilidades. Somos os atores, se cada um fizer a sua parte e essa engrenagem girar ela dará resultados. Desta forma, utilizo o meu cargo de comandante no sentido de angariar forças para trabalharmos juntos e trazer a tranquilidade e paz pública à cidade.

Notisul: De certa forma, o senhor trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco. Como o poder público pode minorar os problemas dos jovens?
Lisboa: Não vejo outra solução. Passei 18 anos trabalhando na atividade operacional, virando madrugadas, assim como fazem os nossos policias e sempre me senti muito triste quando entrava em uma área de risco e menos acolhida pelo poder público e via crianças e adolescentes sem recursos, e também por perceber que esta situação ainda continua. O que o poder público tem que fazer? Os Estados e a União? É redistribuir essa renda. Tem poucos ganhando muito e a maioria com pouco poder aquisitivo. Está muito concentrado. É necessário redistribuir de forma adequada.

Notisul: O senhor atuou muito tempo no Proerd. Por que tantos jovens entram no mundo das drogas?
Lisboa: Em 9 de março de 1999, quando fiz o curso do Proerd e pude ministrar esse trabalho em Tubarão, agradeci a Deus e até hoje sou grato por esta oportunidade. O policial Schimitz, o Paquelin e eu iniciamos na cidade. Até então éramos apenas reação, prender traficante e percebia-se que só a repressão não gera resultados. Este trabalho de prevenção me tirou e me tira um peso da consciência, porque a minha parte estou fazendo. Hoje, estamos ministrando estas palestras no quinto ano, mas o ideal era que estivéssemos no sétimo, no ensino médio e universitário. Até existe os cursos, entretanto, não temos mão de obra e efetivo para isso. E infelizmente os pais não dão continuidade. Eles conseguem ‘segurar’ os seus filhos até os 12 ou 13 anos, depois eles liberam para o mundo, os menos providos. Todas as escolas da Cidade Azul das redes pública e particular recebem os ensinamentos do Proerd. Fico mais tranquilo por isso, orientei. ‘O caminho é esse. Se quiser usar drogas, a consequência é essa’. O foco do Proerd nestes 18 anos mudou muito. Quando nós começamos falávamos que as drogas matavam, as consequências do uso. Hoje, abordamos a escolha. O aluno do Proerd sai consciente, eles sabem o que são as drogas, os seus malefícios e têm o discernimento de escolher o caminho certo. Se for o caso, trocar de amigos.

Notisul: De certa maneira o efetivo tem sido pouco na região e no Estado. Como é trabalhar com um quadro de funcionários que precisa ser ampliado? Além disso, o governo garantiu que ainda este ano será lançado mais um edital para um novo concurso. De que forma essa situação vem para colaborar com a nossa região? O que é necessário para ser um bom policial militar?
Lisboa: Para ser um policial militar primeiro tem que se esquecer da questão remuneratória. A nossa carreira está bastante valorizada, é fato. Mas ser policial militar não é uma profissão qualquer. Falei para os alunos que estão conosco em curso que a partir de agora eles não terão mais sábados e domingos livres. ‘Esqueçam os seus fins de semana. Um ou outro nós vamos precisar’. Muitas vezes se abre mão da família para proteger quem não se conhece. A profissão é um sacerdócio. E quem assim não entra acaba saindo, ou ele é expulso da PM ou ele pede somente nós de Tubarão. Nós ainda temos um número razoável de servidores se compararmos com outros municípios. E com esse ingresso dos 950 policiais que reforçarão as unidades, em breve esperamos contar com um determinado grupo.

Notisul: A defasagem de policiais na região de abrangência do 5º batalhão é muito grande?
Lisboa: A nossa defasagem hoje nos seis municípios de abrangência: Tubarão, Capivari de Baixo, Jaguaruna, Treze de Maio e Sangão são 65 policiais que estão faltando para colocarmos o mínimo de viaturas possíveis nas ruas. Esses 950 servidores são formados para o Estado todo. Desses nossos 30 alunos, não quer dizer que vão ficar aqui. Ao concluir o curso, em dezembro, haverá uma relação por ordem de classificação que mandará neste quesito. Vamos pedir 60 trabalhadores para a nossa área de abrangência. As provas são as mesmas e são 14 locais, os quais esses 950 policiais em formação realizam o curso.

Notisul: Sobre as operações barreiras que muitos criticam. Quais os objetivos dessas ações?
Lisboa: As nossas barreiras policiais, a população tem que entender que é para o bem. Nos últimos dias fizemos uma grande na avenida Padre Geraldo Spettmann, logo no acesso. Ocorreram algumas críticas em relação ao horário que foi realizada, mas a ideia de se fazer uma barreira na entrada da cidade é para mostrar que quem está vindo para Tubarão, a Polícia Militar está atenta e os órgãos de segurança estão voltando os seus olhos para a prevenção ao crime, um dia ou outro pegar uma fila não é de todo o mal, se levarmos em conta que o objetivo é retirar de circulação armas, carros roubados ou furtados, drogas e prender foragidos. Se forem levar por este prisma, os dois minutos ou três ‘perdidos’ na fila pela sua proteção não é nada. O segundo é não avisar nas redes sociais ou grupos de WhatsApp a presença da Polícia Militar. Os criminosos também têm Whats. Avisou pode estar tirando a possibilidade de a PM prender alguém que tenha cometido um ato ilícito. Assim como já prendemos e apreendemos drogas, armas e foragidos da justiça nessas barreiras.

Notisul: Sobre os fogos de artifícios, quais as consequências desse suposto crime?
Lisboa: Soltar fogos de artifício em áreas de tráfico de drogas é crime previsto em lei. A pessoa pode ser enquadrada como informante e esta prática estamos tentando reprimir e quando flagrados conduzimos à delegacia. Há poucos dias, tivemos um registro em um bairro aqui próximo (do 5º BPM), um adolescente de 15 anos foi conduzido com fogos de artifício e rojões, além de maconha e outras drogas.

Notisul: O que é o GGI e qual a sua finalidade? Vocês já realizaram algumas reuniões e como é o trabalho integrado com os demais órgãos?
Lisboa: O Gabinete de Gestão Integrada (GGI), por força de lei é um órgão ligado à prefeitura de Tubarão. Em nosso caso, o prefeito é motivado por fazer uma cidade mais segura. Já nos reunimos algumas vezes. Diversos setores com interesse de melhorar a segurança pública participam e têm voz ativa. E ao final dos encontros ficam apenas os órgãos de segurança pública para debater alguns detalhes mais pontuais. Nesta última, por exemplo, focamos muito na questão dos malabares nos semáforos e propagandas também nestes locais, dos pedintes, dos pedágios nas vias públicas, enfim, convencionou-se, por unanimidade, que a proibição não seria viável, mas a regulamentação. O prefeito está encaminhando, em breve, à Câmara de Vereadores, um projeto de lei, e com a sua aprovação vem o decreto e, regulamentado, vamos colocar em prática. O GGI é muito interessante porque traz a visão de todos. São avaliações diferentes e o somatório disso é de ações bem práticas. As reuniões ocorrem sempre uma vez por mês e de uma reunião para outra já temos a pauta.

Notisul: Trabalho e retrabalho. Como funciona a progressão e a estrutura dos criminosos?
Lisboa: Florianópolis está vivenciando muito isso com as audiências de custódia. Não critico esta ou aquela instituição, mas a legislação. Temos que mudá-la no sentido dos menores. Reduzir a maioridade para 16 anos. Provo isso por meio das monografias e dos meus estudos que boa parte daqueles que cometem crimes tem entre 16 e 18 anos. Esses estão reiteradamente cometendo atos infracionais. E faria um trabalho para que os de 14 e 15 não se tornassem esses de 16 e 17 anos. Alguns falariam que o presídio é a escola do crime, mas discordo. O sistema prisional evoluiu bastante. Se estar no presídio não é a solução, em liberdade também não.

Notisul: Qual a mensagem que o senhor deixa para o povo de Tubarão e região no sentido de tranquilizar a população em relação à segurança pública da Polícia Militar que está ativamente trabalhando 24 horas?
Lisboa: Agradeço a todos os policiais militares que diuturnamente arriscam as suas vidas e perdem os seus sonos em prol da sociedade. Apesar das adversidades que temos, seja por uma lei penal mais branda ou uma viatura que não condiz com a nossa realidade, mesmo assim dão o máximo de si e conseguem alcançar êxito. Temos, hoje, um índice de prisão de 2,5 pessoas por dia, notoriamente por tráfico e furto. Em termos de Estado é um dos municípios que mais prende aqueles que cometem os atos. E para a sociedade posso afirmar que estamos fazendo o nosso melhor com o que temos. Ser abordado pela PM não é que alguém quer denegrir os seus direitos, impedindo você de ir e vir, é só porque essas pessoas que estão nas ruas são do bem e prezam pelo bem-estar do próximo.