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“Em literatura, santo de casa não faz milagre”

 

Fernando Silva
Tubarão
 
Miryan Maier Nunes, tubaronense, 50 anos, é uma das fundadoras da Academia Tubaronense de Letras (Acatul). Iniciou os seus estudos no Colégio São José, onde, por incentivo de professores, apaixonou-se pela escrita. Completou o segundo grau (hoje, ensino médio) na Escola Técnica de Tubarão, onde formou-se em técnica em contabilidade, não chegou a exercer sua função. Trabalhou no cartório de registro civil do município e escrevia artigos culturais para jornais e colunas de veículos da região. Também atuou no comércio, onde se aposentou. Possui sete trabalhos publicados, cinco deles em coletâneas da Academia Tubaronense de Letras, além das obras infantis Folcloruxa e Guapira – Nascente do Rio. Há oito anos, lutou contra o câncer, hoje continua com tratamento paliativo. É a atual presidenta da Acatul, reeleita.
 
 
Notisul – O que é a Academia Tubaronense de Letras?
Miryan Maier Nunes – A academia é uma entidade que representa a parte literária da cidade. Todo evento relacionado a livros e feiras e eventos culturais tem a entidade como a mais recomendada para representar, apoiar e incentivar. É uma entidade de importância para as pessoas com interesse em divulgar obras e publicações. Além disso, também realizamos e apoiamos projetos de incentivo à leitura e à cultura no município. 
 
Notisul – Quem fundou e quantos anos tem a entidade?
Miryan – A Acatul completa apenas 13 anos em agosto próximo. Naquela época, observamos a necessidade dos escritores reunirem-se para poder divulgar a literatura local. Então, juntamos eu, Jussara Bittencourt de Sá e o nosso saudoso Amadio Vittoretti, e lançamos a pedra fundamental da academia.
 
Notisul – São quantos membros?
Miryan – Temos 30 cadeiras, mas apenas 24 estão ocupadas. Éramos 26, mas dois faleceram e cederam seus nomes às suas cadeiras. É o caso de Amadio Vittoretti e Alberto Cargnin. A cada dois anos, lançamos uma coletânea, elegemos uma nova diretoria e empossamos dois novos membros.
 
Notisul – As obras da academia tratam do quê?
Miryan – Variam bastante. Temos poetas, contistas, jornalistas, membros que escrevem ensaios, livros técnicos, ficções, romances, obras históricas. Um de nossos membros, por exemplo, o médico anestesiologista José Warmuth Teixeira, lançou um livro sobre a Ferrovia Tereza Cristina. Eu publiquei obras direcionadas para o público infantil, como a Folcloruxa, que trata do folclore das cidades da região de Tubarão, e também o Guapira – Nascente do Rio, uma ficção que conta a história indígena da região.
 
Notisul – O fato de Tubarão sediar a Unisul contribui para o surgimento de novos escritores?
Miryan – Creio que sim. Até porque a nossa universidade possui a sua própria editora. Até o ano passado, criamos o prêmio Nereu Corrêa, para homenagear as entidades e pessoas que trabalham nesse ramo de fomento, difusão e apoio da produção literária, e a Unisul foi uma das homenageadas. Trabalhamos todos os anos com a Biblioteca Pública Municipal Olavo Bilac, na Semana Nacional do Livro, onde realizamos uma série de eventos. É muito bom!
 
Notisul – A Acatul é sempre lembrada nesses eventos?
Miryan – Não. Na verdade, muita gente esquece que a cidade tem uma academia de letras. A entidade participa do Conselho Municipal de Cultura desde que foi fundado. Hoje, as atividades estão paradas. Toda a parte cultural que tem na cidade deve passar pelo conselho, e mesmo assim ficamos fora de algumas ações promovidas no município. Mas acredito que isso ocorre por descuido de quem organiza o evento.
 
Notisul – O brasileiro lê, em média, apenas quatro livros por ano. Como você avalia este dado?
Miryan – Na verdade, acredito que essa média seja menor ainda. A realidade neste aspecto não é boa. Parte disso se dá pelo fato do alto valor dos livros. A maioria não tem recursos para comprar tanto quanto gostaria. Vejo que muitos jovens, talvez por incentivo da escola, do professor, procuram em sebos. Quando ouço um adolescente falar que não lê, fico sensibilizada. Acho errado. Muitos não o fazem porque não têm tempo, cuidam da casa, trabalham e estudam, então o livro fica em último plano, esquecido. É uma pena. 
 
Notisul – E a questão da internet. A rede é amiga ou inimiga da leitura, na sua avaliação?
Miryan – Penso que seja amiga. Quem gosta de ler procura tanto em uma estante quanto na internet. Não acredito que seja inimiga. Depende do gosto de cada um. Eu escolhi escrever para o público infantil porque gosto de incentivar, e esta é uma maneira de fazer isso, para que cresçam e se tornem adultos leitores. Não importa se vão ser adultos leitores virtuais ou se irão preferir o livro em papel. O importante é que leiam. Nós também temos que crescer e evoluir, precisamos pensar em também disponibilizar as nossas obras na internet. Acredito que é mais uma ferramenta para incentivar à leitura. Quem gosta de ler sempre procura um livro, um site. Quem não gosta não faz isso.
 
Notisul – Você fala no incentivo à leitura. Quem sabe o problema esteja no fato de os pais não terem o hábito, então os filhos também não têm interesse. O que acha?
Miryan – Sim, com certeza. A família que tem que incentivar a criança a ler desde a primeira infância. Na minha casa, era assim. Quando pequena, sempre tinha livros à disposição. Eu coloria as páginas e a minha mãe lia as histórias. Hoje em dia, algumas crianças têm contato com um livro apenas na escola. Em casa, os pais, por também não terem sido incentivados, não atentam para a importância deste hábito. Realizo palestras em escolas e sempre sorteio livros para os estudantes. Certa vez, um menino foi o escolhido e não quis o livro. Então eu disse: “Leve para o seu pai”. E ele respondeu: “Meu pai não lê”. “Então dê para a sua mãe”. “Ela não quer”. E este é apenas um exemplo. Há muitos. O hábito da leitura não pode ser forçado, é preciso que seja incentivado para que realmente desperte o interesse. Caso contrário, será uma obrigação. E de obrigação ninguém gosta.
 
Notisul – Existe uma média de publicações dos membros da academia?
Miryan – Na realidade, não sei dizer o número exato. Em grupo, temos as coletâneas. A sexta será lançada este ano. De maio a julho, um dos membros da academia lançará um livro também. Alguns optaram por publicar obras de vez em quando apenas para doar. A venda é bastante difícil. Em literatura, santo de casa não faz milagre.
 
Notisul – Por quê? Quanto custa publicar um livro?
Miryan – Varia entre R$ 5 mil e R$ 7 mil por milha de livros. Depende das páginas, da capa, da gramatura do papel, da gráfica e várias outras questões. Em Tubarão, o mercado editorial não possui qualquer incentivo. Investir para não vender é complicado. É um dinheiro que vai e não tem volta.
 
Notisul – Mas hoje é possível viver da venda de livros apenas?
Miryan – Para os membros da Acatul, não. Na academia, nenhum dos escritores vive disso. Todos possuem uma segunda atividade. Temos médicos, advogados, professores, mas ninguém ‘vive de livro’. Gostam de escrever, mas ninguém consegue sobreviver desta profissão.
 
Notisul – Esta é a mesma realidade de outras cidades do país?
Miryan – Acredito que nos centros maiores, como São Paulo, por exemplo, ter a literatura como fonte de trabalho e renda seja possível. Apesar de que agora, com a internet e o surgimento de tantos sites e blogs, seja mais fácil divulgar a produção de cada um, não é tão fácil a ponto de ser uma fonte de renda, mas é evidente a grande ajuda para o escritor. Claro que em cidades maiores a gama de leitores é maior, por isso é mais fácil de vender. Mesmo assim, se não houver um investimento bom em marketing e divulgação, quem sabe nem nestes locais populosos isso seja possível.
 
Notisul – Como funcionam as coletâneas da academia?
Miryan – Nem todos participam, muitas vezes por motivos profissionais. Mas cada membro tem direito a cinco páginas e cada um paga por elas. Para a coletânea deste ano, ainda estamos na fase de orçamento.
 
Notisul – E no aniversário da academia, o que será feito esse ano?
Miryan – Sempre comemoramos a semana do aniversário da Acatul, no dia 29 de agosto. Geralmente, realizamos palestras, apresentações culturais, como boi de mamão e peças teatrais. São várias atividades culturais e não apenas literárias, ainda que todas tenham grande ligação com obras populares. Neste ano, a nossa ideia é promover uma ciranda cultural, com uma feira de livros. Como a prefeitura já sinalizou que está sem recursos, tentamos costurar uma parceria com o Sesc. Eles forneceriam as barracas, a estrutura, e nós ficaríamos com o trabalho de contatar as livrarias e editoras para participarem. Ainda trabalhamos em como será, não definimos local, mas tem tudo para dar certo. 
 
Notisul – Como a senhora avalia as grandes produções do cinema que surgem a partir de livros?
Miryan – Gosto muito. Ano passado, inclusive, fizemos uma mostra de filmes tirados de livros. Isso é interessante, porque é uma oportunidade de mostrar que quem não gosta de ler, na maioria das vezes, gosta dos filmes. Principalmente as crianças. Hoje temos obras como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, grandes obras literárias, que se tornaram sucessos inacreditáveis também na tela do cinema. Muitos que não leram os livros, sentiram-se instigados em comprar um exemplar para saber mais da história. O cinema é um grande parceiro da literatura e tem sido, nos últimos anos, uma das principais portas para a divulgação de bons livros. Na maioria das vezes, a venda ocorre porque foi sucesso no cinema. E estes novos leitores despertam para o mundo dos livros, pois veem que na tela há uma pequena parte de um história muito mais instigante ou divertida ou dramática, e que está só no livro. No fim das contas, temos um amante de filmes que acaba também pode se apaixonar pela literatura!
 
Miryan por Miryan
Deus – Abençoada.
Família – Amor.
Trabalho – Cultura
Passado – Dor.
Presente – Alegria.
Futuro – Esperança.
 
Membros da Academia Tubaronense de Letras
Cadeira        Acadêmico
1                    Mário Tadeu Caporal
2                  José Henrique de Souza
3                  Ângela Martorano Kuerten
4                  Jussara Bittencourt de Sá
5                  Edgar Nunes
6                  Miguelito Savagé F. Costa
7                  Jose Warmuth Teixeira
8                  Miryan Maier Nunes
9                  Miguel Fernandes Alves
10                Pedro Antônio Corrêa
11                José Ribamar L. da Silva
12                Geraldo de Souza Brasil
13                Lourença Cargnin D’alascio
14               Lindomar Cardoso Tournier
15                Camila De Patta
16                Amadio Vittoretti (falecido)
17                Gilmar Corrêa
18                José Paulo Garcia
19                Alberto Cargnin (falecido)
20                Maria Felomena S. Espíndola
21               Lédio Rosa de Andrade
22               Padre Raimundo Ghizoni
23                Alexandre de Bittencourt Garcia
24              Murilo Tadeu Medeiros
25              Vivian Mara Silva Garcia
26              Arary Cardozo Bittencourt
 
"O cinema é um grande parceiro da literatura e tem, nos últimos anos, sido uma das principais portas para a divulgação de bons livros. Na maioria das vezes, a venda ocorre porque foi sucesso no cinema. E estes novos leitores despertam para o mundo dos livros, pois veem que na tela há uma pequena parte de um história muito mais instigante ou divertida ou dramática, e que está só no livro".
 
"Hoje, a produção dos acadêmicos da Acatul não é adquirida em grande demanda. Falta valorização em relação aos escritores daqui”.
 
“O alto custo de lançar um livro, somado 
ao mercado da região, que não se destaca 
por comprar obras locais, não permite 
que os acadêmicos vivam apenas disso”.
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