Dia Nacional dos Cegos: Uma vida com outros sentidos

Tubarão

Acordar cedo, vestir-se, tomar café e ir trabalhar. Uma rotina comum entre tantos brasileiros que estão em busca por qualidade de vida. Imagine você vivendo essa rotina diária quando de repente passa a enxergar tudo ao seu redor num mar de neblina e depois total escuridão. Nascer com uma deficiência visual já é desafiante, mas pense numa pessoa que perdeu a visão por circunstâncias imprevisíveis. É o caso de Tadeu Rech, que nunca havia apresentado problema de visão. “Há pouco tempo tinha renovado minha carteira e nem precisava usar óculos”, conta. Quando estava indo trabalhar, sofreu um acidente de carro. Com o impacto da batida ocorreu o deslocamento de suas retinas. 

Em Florianópolis descobriu que havia perdido a visão do olho esquerdo e precisaria fazer dez seções de laser para tentar recuperar o direito. O médico deixou claro, desde o primeiro momento, que o jovem poderia não enxergar mais. Ao melhorar, Tadeu decidiu voltar ao trabalho, pois o pagamento do auxílio benefício, que recebia do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) foi cessado. Porém, para efetivar a reabilitação ele deveria permanecer em repouso. Após 17 dias trabalhando, a pouca visão que lhe restava foi comprometida.  A última e única chance era passar por uma cirurgia, onde perdeu completamente a visão com apenas 25 anos.

O jovem relata que foi um choque para seus familiares. “Muitas vezes eles choravam e não contavam para mim”. Entretanto, diferente de muitas pessoas que acabam caindo em depressão, Tadeu contornou a situação de uma maneira inspiradora. Logo no início procurou a Associação Tubaronense de Integração do Deficiente Visual (Atidev) onde aliou determinação e força de vontade com todo o conhecimento de reabilitação que adquiria na entidade. “Aprendi como saber que roupa estou pegando pela textura, a usar aplicativos que ajudam no reconhecimento de muitas coisas”, ressalta. Além disso, aprendeu sozinho a formas palavras em braile.

Toda essa nova realidade desafiante o fez refletir que pouco se faz para a acessibilidade de deficientes. “Muitos locais não sabem atender ainda uma pessoa com deficiência visual”. Para o rapaz existe uma melhora, mas longe do suficiente, tendo em vista o preconceito pertinente na sociedade. “Parece que elas têm vergonha de conversar. Algumas até pararam de falar comigo por não saber reagir nessa situação que fiquei. Dos amigos que eu tinha, só restaram dois”, complementa. Contudo, mesmo perdido a visão há quatro anos, nada abalou o espírito sagaz do jovem que tem um bom desempenho no esporte.

Esporte: descobrindo habilidades

Tadeu participa de campeonatos estaduais no atletismo, disputando as provas de lançamento de disco, dardo e arremesso de peso. Neste ano, conquistou a medalha de bronze no Parajasc, maior competição paradesportiva de Santa Catarina. Mas para subir no pódio precisou de uma visão de fora, que pudesse guiá-lo nessa caminhada esportiva. Formada em Educação Física, Aline de Medeiros é a mentora do paratleta desde o ano passado. Durante os treinamentos e disputas, ela conta que auxiliar atletas com deficiência vai além de ensinar técnicas especificas. “Como ele não vê é preciso posicioná-lo no local correto. Depois faço sinais sonoros que o guiam para fazer o arremesso e os lançamentos”, ressalta. 

Já na academia, onde o esportista treina três vezes por semana, o processo é diferente. Trabalhando atualmente com musculação, o educador físico Victor Machado, revela que na execução dos exercícios, Tadeu não tem nenhuma limitação. “Ele treina normalmente é praticamente uma pessoa que não tem deficiência visual. Talvez seja porque, antes de perder a visão, ele já tenha praticado musculação”. Ainda, segundo Victor, ele é inspiração, pois muitos, no lugar dele perderiam a motivação depois de perder a visão de repente. “Ele tem força de vontade de sobra, sempre faz questão de mostrar que está disposto e que quer evoluir”, complementa.

Às cegas o aprendizado constante

Em Santa Catarina, o número de deficientes visuais ultrapassa os 800 mil. Os dados são de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2010. Embora o número seja alto, com os óculos escuros ao que parece elas passam despercebidas no cotidiano. No entanto, aqueles que acompanham o dia a dia às cegas desses cidadãos, observam, de perto, as dificuldades superadas pela motivação. “É um aprendizado diário. Eles são capazes de tudo! A questão é que ao olhar essas pessoas, só enxergarmos a deficiência. Falta conhecer quem ela é, ver ela”, enfatiza Aline.

 Se antes Tadeu pensava em apenas festas, hoje passou a enxergar a vida com outros sentidos que despertam outros prazeres. O jovem é um exemplo de que, muitas vezes, a limitação está nos olhos de quem vê, não de quem vive a deficiência. “Não somos coitados, mas sim guerreiros por estarmos tentando nos readaptar para viver uma vida como qualquer outra”, conclui.