Decisões do STJ e a proteção de vulneráveis – contradições jurídicas?

FOTO STJ Divulgação Notisul Digital

O Código Penal Brasileiro, em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é claro ao tipificar o crime de estupro de vulnerável. O artigo 217-A, criado pela Lei 12.015/2009, estabelece que qualquer relação sexual ou ato libidinoso com menor de 14 anos é considerado estupro, independente de consentimento da vítima ou autorização de seus responsáveis. O objetivo dessa legislação é proteger crianças e adolescentes que, por sua imaturidade, não têm a plena capacidade de compreender as consequências de tais atos. No entanto, recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm gerado perplexidade ao ir contra essa premissa.

Em dois casos recentes, a Quinta e a Sexta Turmas do STJ absolveram homens que mantiveram relações sexuais com meninas de 12 e 13 anos, respectivamente. A justificativa utilizada foi a inexistência de provas de que os réus teriam se aproveitado da vulnerabilidade das menores. No caso mais recente, a Sexta Turma absolveu um homem de 20 anos sob o argumento de que a relação foi consensual e que a mãe da adolescente havia permitido. Entretanto, essa interpretação vai de encontro ao que preceitua o artigo 217-A: o consentimento da vítima ou de seus responsáveis é irrelevante, visto que o próprio legislador reconhece que menores de 14 anos não têm capacidade para consentir.

Essas decisões criam um perigoso precedente. O Judiciário, ao relativizar a aplicação da lei, parece subverter o papel fundamental do Estado em proteger menores de idade. Ao colocar em pauta o “consentimento” de uma criança ou a “autorização” de seus responsáveis, o STJ ignora o espírito da legislação e enfraquece os mecanismos de proteção às crianças e adolescentes.

Embora os ministros afirmem que não houve comprovação de aproveitamento da vulnerabilidade das meninas, é crucial lembrar que a própria existência de relações sexuais com menores de 14 anos já caracteriza, por definição legal, esse abuso. A vulnerabilidade não é subjetiva e não deve ser relativizada pela Justiça. Essa postura abre espaço para perigosas interpretações e coloca em risco a integridade e o futuro de milhares de jovens.

Portanto, o STJ deve reavaliar seu entendimento. A lei é clara, e seu objetivo é inequívoco: proteger os menores de 14 anos de qualquer exploração sexual, independentemente das circunstâncias.