O presente artigo apresenta reflexões sobre a construção do herói, e o poder do mito na sociedade brasileira. Analisa questões ligadas à imagem de D. Pedro I, a política da época, e ações que o fizeram entrar para os anais da história brasileira, tendo como foco principal o processo de construção deste “herói” nacional.
A figura histórica de Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon ou D. Pedro I, nascido, em 12 de outubro de 1798. Herói esse que assinou páginas importantes da história brasileira e perpetua na memória popular como um verdadeiro defensor do Brasil.
O brasileiro conheceu D. Pedro I, através de pinturas, livros e discursos que mostram apenas a sua face heróica, a necessidade do país em reconhecer um herói nacional é tão grande que faz com que maquiagens sejam feitas em qualquer fato, para que o mesmo possa ser utilizado de forma ideológica, como diz Joseph Campbell (2003): “Os mitos estimulam a tomada de decisão de consciência da sua perfeição possível, a plenitude da sua força, a introdução da luz solar no mundo”.
Ao criar um mito, cria-se também uma identificação no imaginário popular que poderá ser utilizado para dar respaldo a todas as ações cometidas, como também pode camuflar dificuldades sociais e problemas econômicos do país.
“Cercado de tutores encarregado de prepará-lo para ser sábio sucessor do pai, o pequeno príncipe acabou tendo uma infância tão movimentada quanto a de qualquer moleque carioca da época. Irreverente, divertia-se dando pancadas no queixo dos meninos que vinham beijar-lhe a mão. Fascinado por armas, caçava à vontade. Adorava andar a cavalo, tocava vários instrumentos musicais. Orgulhava-se de seu talento como marceneiro e ferreiro, atividades, à época, consideradas “próprias para escravos”.
(LOPES; p. 27).
Dom Pedro I é colocado por muitos autores como um homem de hábitos comuns. Por exemplo, no ato da independência, usava um chapéu sem coroa, freqüentava bares e vida noturna. Na historiografia tradicional, só predomina o que pode vir a ser colocado como atributo, pouco se fala sobre o seu casamento conturbado e a violência psicológica e física a qual submetia sua mulher, D. Leopoldina, filha do imperador Francisco I, líder do Império Austro- Húngaro.
Outro fator que coloca o imperador como um homem do povo é justamente a sua fama de conquistador, e as suas relações amorosas extra-conjugais ainda permanecem como característica da sua biografia, onde a visão do homem viril está acima da imagem de adultero. O seu caso mais famoso foi com a Marquesa de Santos. Cabe salientar que essa visão fundamenta-se perante uma análise situacional, ou seja, era muito mais escandaloso ter hábitos populares na Europa que no Brasil colonial.
O processo de independência foi cenário ideal para a construção do herói, os jogos políticos e econômicos que acontecem neste momento, muitas vezes, explicam as atitudes e frases que entram para história. Um exemplo disso é a celebre frase: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”. Frase dita por D. Pedro sobre pressão dos liberais, meses antes da independência.
O famoso grito “Independência ou Morte” acontece no dia 7 de setembro de 1822, com a maioria do povo alheio aos acontecimentos, mas estimulado a participar das festividades. A imagem do imperador é uma visão elitizada, mas feita para o povo, acredita-se novamente no que a classe hegemônica produz. Mesmo na época, a imprensa era um forte amplificador de mitos e a imagem do imperador foi perfeita para a construção do herói.
Camila Artoni (2004) diz: “Não existe uma versão original de um mito. O que existe é sua versão mais famosa, a mais prestigiosa, mais artística”. Para a construção do mito, não se faz necessário coerência entre atitudes, nem mesmo entre palavras. É indispensável, no entanto, vesti-lo de rótulos e tornar suas ações repletas de adjetivos.
A figura do imperador projeta, mesmo na contemporaneidade, a vontade de que haja uma aproximação entre a rua e a corte, entre o poder e o povo, como diz Vinicius Romani (2004): “Os mitos nada mais são, portanto, do que roupagens feitas de narrativas e personagens que usamos para vestir nossos sutis e diáfanos arquétipos, dando a eles uma forma visível e palpável”. Eles (mitos) são fruto não só do imaginário popular, mas também de uma elite social e política que os projetam e utilizam de forma ideológica.