A criança que fui um dia

Lembro como se fosse hoje. Tenho sete anos de idade, estou no quintal da casa de meus pais e observo profundamente a cor púrpura e a textura lisa da azaleia como se eu entrasse em outra dimensão. Cantarolava de uma forma suave em um tom de voz baixo. Não via nada mais ao meu redor. Estava imersa. 

Muitos anos depois estou sentada na mesa do meu escritório exausta,olhando para as paredes amareladas e tentando resolver coisas através de umas dez janelas abertas no meu MAC. Está tudo muito sem graça e tenso ao mesmo tempo. As horas passam rápido mas a sensação é de peso nas costas. Horas depois estou em casa, meu filho ainda bebê chora, minha cabeça dói e lembro da pilha de coisas ainda por fazer. Um frio na espinha surge. Como será a madrugada? 

Depois disso, uma sequência de dias da mesma forma, uma exaustão sem tamanho,impaciência, irritabilidade e dores de cabeça insistentes. Reconheço o que está acontecendo, como perita no estudo de mim mesma, são os sintomas do ápice do stress. 

Está muito pesado. Resolvo encarar o espelho e as perguntas brotam instantaneamente. Por que diabos eu faço tudo isso? Por que é tão pesado?Precisa ser assim? Onde aquela menina espontânea e criativa foi parar? Não sei,mas eu preciso encontrar. 

Foi nesse momento que tomei uma importante decisão.Preciso fazer algo. Não me suporto mais. Chega! E foi assim parti. Parti para uma viagem maluca, um mergulho em mim. 

Comecei buscando tudo o que parecia útil. Perambulei por esse Brasil afora, fiz dezenas de cursos de imersão, li muitos livros, fiz muita terapia. Tinha horas que doía muito, mas não era uma opção deixar de procurar, eu estava confiante na minha missão. 

Choro, penso,analiso, sinto bastante dor. Mas aos poucos começo a entender o meu processo. E descubro algo revelador. Tem um grande vilão em toda essa história. E ele tem nome. Se chama Medo do fracasso. 

Errar para mim não era uma opção. Eu queria ser bem sucedida a todo custo. Tinha que ser a melhor em tudo. Com isso eu me tornava obstinada e perdia a conexão com meu eu mais puro. Vivia tensa e correndo. No meio dessa busca toda mais tarde fui descobrir que essa é a pior condição para se conseguir algo. É como andar na corda bamba com medo de cair. E o entendimento foi aparecendo. E aos poucos eu fui conduzindo a minha mudança. 

Muitas pessoas tem medo do fracasso, principalmente aquelas que buscam muito o sucesso. O problema é que junto com esse medo tem uma expectativa irreal de perfeição e com isso um fardo muito pesado para carregar e uma tensão enorme em tudo que se faz. 

Todos nós temos vilões e tentamos fugir deles incessantemente. Fazemos de tudo para não o encarar. Encontramos paliativos e nos tornamos mestres em despistar. Algumas pessoas trabalham demais. Outras amam incondicionalmente. Tem os que usam álcool, drogas, vaidade, luxúria e por aí vai. A grande maioria de nós exagera em algo para esconder o que não quer ver. 

Somos muito bons na arte de esconder nossa emoções. Só que chega um momento que a vida cobra, de cada um de um modo diferente e aí você se vê obrigado a se encarar. 

E como isso acontece: Por trás do que tememos existem sentimentos que rejeitamos. Medo, vergonha, fraqueza, ciúmes, inveja, raiva, etc. Não percebemos a sua presença e vivemos lutando por algo que parece nunca chegar. 

O fato é: Não precisamos e não devemos rejeitar nossos sentimentos e sim reconhecermos a sua presença e aceitar a nossa humanidade imperfeita. 

Certa vez conheci uma pessoa que era o retrato de uma pessoa do bem. Deixava de sentar para dar lugar aos outros. Não comia carne para não matar os animais, uma opção pessoal e não tenho absolutamente nada contra. Era lindo de se ver a sua bondade exteriorizada. Só que no contexto dela comecei a perceber que havia algo muito errado. Ele rejeitava profundamente o sentimento de raiva. E isso o estava consumindo, e ele não tinha noção do quanto. 

A raiva é um sentimento primário que todos nós sentimos. Como seres humanos civilizados aprendemos a canalizar nossa vontade de bater em alguém quando somos hostilizados, mas o sentimento existe, é real. Não aceitar que esse sentimento existe é como cultivar um vulcão dentro da gente. E é isso que muita gente faz. Até não aguentar mais e estourar sabe se lá onde ou em quem. 

Precisamos parar de lutar contra nossos sentimentos e entender nossos vilões. Sem consciência deles, machucamos a nós mesmos ou aos outros. Autocrítica, agressões verbais, frieza, desprezo,ironia, tudo isso são formas de machucar que destroem a nós mesmos e acabam comas nossas relações. É preciso se enfrentar, antes que seja tarde e aceitar nossa parcela de auto responsabilidade. 

Chega de sofrer e de fazer os outros sofrerem. É hora de voltar para casa. A menina ou o menino que você foi apenas desaprendeu a sorrir mas continua dentro de você. Existe um caminho para resgatar a sua essência, que é como você nasceu antes de passar pelos percalços da vida, mas é preciso coragem para se investigar para então achar a porta que te traz de volta. 

Domingo, 18:00, fim de tarde. Sinto o mesmo sentimento que minha menina sentia quando entrava naquela outra dimensão. Estou totalmente imersa em algo que amo fazer. Estou em FLOW. Atenta de forma leve. Olho a escuridão na janela e me espanto. Anoiteceu muito rápido e eu não vi o tempo passar. Olho para trás e leio a placa colorida que comprei quando iniciei minha jornada fincada em meu jardim e penso ser uma boa forma de finalizar: O que FLOR pra ser FLORES SERÁ.